A magia de Conte
O Napoli saiu de uma campanha medíocre para briga pelo título perdendo seus principais jogadores, mas com um nome de peso: o técnico Antonio Conte
Newsletter Meiocampo #8 - 24 de janeiro de 2025
Estamos chegando ao fim do primeiro mês do ano, o que significa a segunda metade da temporada europeia. Nesta edição da newsletter, falamos sobre o Napoli de Conte, lembramos do que fez de Denis Law uma lenda e contamos as movimentações de mercado mais importantes.
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É isso que o Conte faz
Algumas coisas não deveriam acontecer.
Um clube que perdeu o técnico, o melhor zagueiro, o melhor centroavante e o jovem mais promissor, cujo capitão foi vaiado pela torcida e tentou forçar uma transferência, e que caiu da primeira para a décima posição enquanto passava por três treinadores diferentes, não deveria estar brigando pelo título.
E um técnico que não passa mais de dois anos no mesmo endereço, tem a reputação de ser o maior pentelho da história dos Alpes, saiu brigado de todos os clubes em que trabalhou e força seus chefes a comprometerem o futuro para contratar veteranos não deveria ainda ser tão cobiçado.
No entanto, há um motivo para as duas coisas serem verdade.
O mesmo motivo que levou Aurelio de Laurentiis a procurar uma série de tapa-buracos após a saída de Luciano Spalletti, sempre que era recusado por quem ele realmente queria contratar: Antonio Conte é muito, muito bom.
O Napoli lidera o Campeonato Italiano neste momento. A Internazionale tem um jogo a menos e pode empatar em pontos, mas, após 21 rodadas, a briga pelo scudetto parece reservada a eles, sem descartar a possibilidade de a Atalanta encaixar uma sequência de vitórias e se aproximar. É uma posição estranha para se estar depois de uma trajetória tortuosa demais para apenas 18 meses desde aquele espetacular título italiano.
Spalletti é bom, às vezes ótimo, fez um trabalho excepcional, mas era o mais substituível. O scudetto veio na esteira de Victor Osimhen e Kvaratskhelia, com Kim Min-jae liderando um ótimo grupo de coadjuvantes. Espanta que o Napoli esteja tão bem sem contar com mais nenhum deles, principalmente pela maneira como os dois primeiros saíram.
Quando há um sucesso tão grande como o do Napoli naquela temporada, não é incomum vender os seus destaques na alta e reinvestir o dinheiro em novos protagonistas. Kim, por exemplo, havia sido a reposição de Koulibaly. Rendeu uma taxa de transferência razoável, na casa dos € 50 milhões, e não houve uma grande contratação imediatamente. Os rodados Amir Rrahmani e Juan Jesus seguraram a barra e, espiritualmente, seu sucessor acabou sendo Alessandro Buongiorno, contratado do Torino no meio do ano passado e um dos destaques da atual campanha.
Se esse foi um processo normal de reconstrução de elenco, apenas a roda continuando a girar, não dá para dizer a mesma coisa sobre a saída de Victor Osimhen. Após um trabalho excepcional de desvalorização do próprio ativo, o Napoli não conseguiu sequer vendê-lo e precisou se contentar com um empréstimo para pelo menos tirar o sofá do meio da sala. Osimhen estendeu seu contrato por uma temporada antes de pegar o avião para Istambul, efetivamente congelando sua situação na expectativa de que haja mais oportunidades no próximo mercado.
O Napoli queria evitar que isso acontecesse novamente com Kvaratskhelia, que ainda estava sob o contrato que assinou como uma jovem revelação de volta à Geórgia após a invasão russa na Ucrânia. Claro que houve interesse em lhe dar um salário mais condizente com o de uma estrela da Serie A, mas, à medida em que as negociações continuaram travadas, o Napoli passou a suspeitar que ele não tinha planos de longo prazo no sul da Itália, uma suspeita que ficou mais forte quando o agente de Kvaratskhelia disse com todas as letras que ele não tinha planos de longo prazo no sul da Itália. Para a consternação dos pais de Daniele Khvicha, ele foi vendido para o Paris Saint-Germain por aproximadamente € 70 milhões nesta janela de transferências de janeiro.
Resumindo: o Napoli tinha um time campeão liderado por Kvaratskhelia e Osimhen, perdeu ambos e ainda não recebeu o dinheiro ou teve tempo hábil para utilizá-lo, e ainda assim está brigando pelo título. Porque, apesar de tudo, conseguiu contratar jogadores para compensar a produção da dupla e que, por enquanto, pintam entre os protagonistas desta nova candidatura ao scudetto.
Kvaratskhelia nunca mais repetiu as atuações de sua espetacular temporada de estreia na Itália, pelo menos não com a mesma regularidade. Entre a bagunça que foi o Napoli pós-título e as questões extracampo nesses últimos meses, há fatores mitigantes. Ainda acredito que é e será um craque, mas não estava sendo indispensável. Ficou fora de três das cinco rodadas que antecederam a saída, e o Napoli venceu todas, em parte porque David Neres está compensando a sua produção. Elas são idênticas em participações diretas para gols até agora.
A ascensão do brasileiro contratado do Benfica é a manchete, mas há outros jogadores se destacando. Entre eles, alguns que já estavam no clube, como Frank Anguissa, talvez o quarto melhor do scudetto. Brilhou na crucial vitória sobre a Atalanta no último fim de semana, com duas assistências, e é o quarto artilheiro do Napoli na Serie A, com quatro gols, um número que não seria impressionante se, em toda a sua carreira, ele nunca tivesse passado de três em uma campanha de liga.
Forma o meio-campo ao lado de Stanislav Lobotka, outro remanescente crescendo de produção, e Scott McTominay, mais próximo da versão artilheira da seleção escocesa que do meia mediano que o Manchester United não fez questão de manter. Ao lado do citado Buongiorno, e cumpridores como Rrahmani, Politano e Di Lorenzo (apesar da imagem arranhada pelo pedido de transferência e uma queda de rendimento), já temos uma espinha dorsal bem sólida.
Mas, com a temporada passada como contraste, é difícil imaginar o Napoli onde está sem a estrutura que Antonio Conte fornece. Principalmente esse meio-campo com jogadores de muita força física e que gostam de moer os adversários, exatamente as características que costumam florescer com Conte. Não costumava ser um trio em outros times de sucesso que teve. Ele gostava de misturar um meia mais técnico, como Fàbregas no Chelsea e Eriksen na Internazionale, mas parece ter sido uma maneira de compensar a mudança dos três zagueiros, seu sistema favorito, para uma linha de quatro, o que tem funcionado muito bem até agora.
O principal exemplo dessa influência é Romelu Lukaku. A maneira como Conte sabe utilizá-lo com tanta excelência permitiu que o Napoli substituísse Osimhen emergencialmente sem comprometer tantos recursos - ainda que ele receba um salário alto. Em seu quarto clube em quatro anos, Lukaku marcou oito vezes pela Serie A, já próximo de sua melhor marca em uma campanha de liga (13 com a Roma) desde que foi campeão italiano com Conte em 2020/21.
E é por isso que os clubes toleram as idiossincrasias de Conte. Porque é isso que ele faz: com uma sólida estrutura tática e métodos… anh, intensos de motivação, imediatamente transforma o seu time em um candidato ao título. A única exceção foi o Tottenham, uma exceção na carreira da maioria dos treinadores, e mesmo nesse caso houve um salto de competitividade em um primeiro momento.
Depois, claro, vem o resto, mas aí é um problema para o Napoli do futuro. O do presente quer, e pode, ser campeão.
PODCAST MEIOCAMPO: CHAMPIONS LEAGUE
O podcast Meiocampo chegou a 100 edições (oficiais, porque fizemos muitas edições extras na Eurocopa) e completou 1 ano de existência neste dia 22 de janeiro de 2025! Obrigado a todos pelo apoio e vamos juntos em frente. A edição #101 falou sobre a Champions League, com seus classificados, como o Barcelona, e os ameaçados, como PSG e Manchester City.
O podcast Meiocampo acontece toda segunda às 17h e sexta às 14h ao vivo no nosso canal de Youtube e logo depois entra em todas as plataformas de podcast. Se você ouve o podcast pelos tocadores, como o Spotify ou iTunes, vá até o nosso canal no Youtube, se inscreva, dê like nos vídeos, mande comentários. Isso ajuda a divulgar mais o podcast e chegarmos mais longe!
O adeus a Denis Law, um craque de reinado sem fim
Há bons anos que a Bola de Ouro se tornou um prêmio para celebrar narrativas, não necessariamente a grandeza do futebol praticado. Independentemente da justiça ao redor dos vencedores, parece compulsório ter algum troféu por clube ou seleção que justifique a escolha final. Nem sempre foi assim. A qualidade da bola, veja só, já bastou para garantir uma merecida condecoração. Foi este caminho “simples” que consagrou Denis Law como ganhador da honraria em 1964. A coroação de quem recebeu o apelido de “The King” e permanecerá exaltado como um nobre do futebol, após falecer no último dia 17, aos 84 anos. Aquele que, segundo Sir Alex Ferguson, foi o maior jogador escocês de todos os tempos.
A Bola de Ouro de Denis Law foi conquistada diante de forte concorrência. O segundo colocado da premiação foi Luis Suárez Miramontes, craque da Internazionale campeã europeia e ganhador do troféu individual quatro anos antes. Já o terceiro, Amancio Amaro, ascendia como estrela do Real Madrid então tetracampeão nacional. Juntos, os espanhóis levaram a Eurocopa e mesmo assim ficaram abaixo de Law, que não comemorou um título sequer com o Manchester United naquele ano de 1964. Preponderava sua excelência, que não deu chances aos ibéricos e a outros tantos gigantes – tais quais Eusébio, Paul van Himst, Jimmy Greaves, Mario Corso, Lev Yashin, Gianni Rivera e outros mencionados naquela votação da France Football.
O talento de Law era celebrado mundialmente desde antes. A ponto de, em 1963, o atacante integrar a “Seleção do Mundo” que enfrentou a Inglaterra no amistoso em Wembley que comemorou os 100 anos da fundação da Football Association e da criação das regras do futebol. O escocês dividiu o ataque com seu ídolo, Alfredo Di Stéfano, tendo ainda ao lado na linha de frente os célebres Raymond Kopa, Eusébio e Francisco Gento. Ferenc Puskás e Uwe Seeler tiveram que começar no banco.
A realeza de Denis Law, inclusive, não passava despercebida diante dos olhos do verdadeiro Rei do Futebol. Pelé chegou a declarar que o escocês era o único jogador britânico talentoso o suficiente para integrar a seleção brasileira. Não falava da boca para fora. Bastava ver a maneira como Law tratava a bola para saber como ali estava um talento genuíno, que honrava a própria história da Escócia como os primeiros “professores” do resto do planeta quanto ao futebol bem jogado.
A técnica de Denis Law era impressionante. O atacante tinha um infindável arsenal de recursos: dribles curtos, domínios fantásticos, posicionamento preciso, finalização fatal com apenas um toque, frieza para tomar decisões, plasticidade para uma coleção de bicicletas e outras artes mais. Que os gols fossem constantes, sua qualidade o levava muito além da grande área. Era um elegante bailarino, e que nem por isso renegava seu espírito guerreiro a cada lance. Também sabia ser um atacante impetuoso e brigador. Em tempos nos quais muitos gramados britânicos se assemelhavam a pastos enlameados, Rei Denis não se furtava a se jogar no barro para buscar o gol.
O espírito competitivo de Law tantas vezes falava mais alto. A determinação e a vontade de vencer o faziam ser ainda mais querido por quem o assistia. Tornava-se a encarnação do torcedor em campo. Ser refinado não o levava a tirar o pé da dividida, algo que fazia parte de seu caráter. Tinha a personalidade forte, mas também não perdia a humildade por isso e nem deixava de ser solidário dentro de campo. Entre suas contradições e a imagem de rebelde, se comunicava pela bola.
E se um dia Denis Law virou sinônimo de lindos gols na Grã-Bretanha, é curioso como muitos sequer o viam como futebolista até o meio da adolescência – nem ele mesmo. Caçula de sete irmãos, o escocês nasceu na cidade de Aberdeen, em fevereiro de 1940. A Segunda Guerra Mundial acabara de eclodir e sua família pobre lidava com muitas privações. O pai pescador, George, lutou nas duas Grandes Guerras. A mãe, Robina, trabalhava como faxineira em uma escola. Orgulhosa de seus filhos sempre bem aprumados, lutava para garantir a honradez, mesmo que as condições precárias fizessem da carne no prato um luxo esporádico e só garantissem água quente no chuveiro aos domingos.
Denis costumava dividir a cama com outros dois irmãos. Cresceu um menino mirrado, que ainda lidava com o estrabismo. Era ótimo aluno e sonhava em se tornar arquiteto. Contudo, o gosto pelo futebol acabou prevalecendo. Mesmo que fosse alvo de bullying, o “pequeno nerd” anotava seus gols enquanto batia sua bola usando os óculos corretivos por ser estrábico. Jogava na rua até anoitecer. A bola muitas vezes acabava improvisada com novelos de lã. A primeira chuteira, então, só ganhou na adolescência, e de segunda mão.
A escola auxiliou no contato de Denis Law com o futebol. Chegou até a recusar a vaga num colégio que tinha o rugby e o críquete como modalidades principais, para não se distanciar da verdadeira paixão. O menino fazia parte de equipes escolares, embora o estrabismo o obrigasse a atuar com um dos olhos fechados, diante do empecilho de usar seus óculos nestas partidas. Talvez por isso não tenha prosperado tão além na Escócia, por mais que demonstrasse talento. Não chamou atenção de qualquer clube escocês, sequer do seu amado Aberdeen. Vivia a cerca de três quilômetros do estádio e frequentava as arquibancadas de Pittodrie quando sobrava algum dinheiro aos pais.
O dom de Denis Law só foi realmente descoberto quando tinha 15 anos. Um vizinho, Archie Beattie, era olheiro do Huddersfield Town e o levou para um teste na Inglaterra. Seu irmão era Andy Beattie, técnico da equipe principal e que também havia dirigido a Escócia na Copa do Mundo de 1954. Quando viu o garoto franzino e estrábico, entretanto, Andy não botou fé: "Esse garoto é uma aberração. Nunca vi alguém que se pareça tão pouco com um prospecto do futebol”.
Bastou uma semana de testes para o treinador mudar de ideia. Andy pediu desculpas a Archie: "Achei que era uma pegadinha sua, mas, assim que o vi chutar uma bola, percebi que vai ser verdadeiramente grande". Denis Law assinou seu primeiro contrato em abril de 1955, aos 15 anos. Mudava-se à Inglaterra para defender as equipes de base do Huddersfield, enquanto recebia um contrato de “aprendiz de jardineiro” para ter um salário que auxiliasse no sustento.
A ascensão de Denis Law seria rodeada pelos maiores técnicos escoceses da história. Se Alex Ferguson, também em eclosão como jogador, o admirava a ponto de classificá-lo como “meu herói” e Matt Busby se beneficiou de sua consagração no Manchester United, foi Bill Shankly quem o transformou em craque. A futura lenda do Liverpool assumiu o Huddersfield a partir de 1956, no lugar de Andy Beattie. Logo percebeu a pérola que tinha em mãos. Shankly dizia que Law possuía o raciocínio mais rápido que conheceu. O comandante colocou o adolescente sob suas asas e, além de transmitir seus ensinamentos, também permitiu que ele evoluísse fisicamente.
Law foi submetido a uma cirurgia para corrigir o estrabismo. Mais do que a melhora na visão, a operação mexeu com sua confiança: não tinha mais medo de olhar as pessoas nos olhos. “Essa cirurgia mudou minha vida”, avaliou tempos depois, em sua autobiografia. O regime de treinamentos proposto por Bill Shankly também permitiu que o atacante ganhasse força e aceleração, auxiliado ainda pelo reforço alimentar. Aos 16 anos, Denis Law fez sua estreia como profissional e assinou seu primeiro contrato como futebolista.
"Embora ele não parecesse o mais forte dos garotos, era obstinado e tinha uma grande força de caráter. Ele lutava com seu coração. E com a cabeça, é claro. Law era fácil de ensinar", dizia Shankly. O Huddersfield conheceu rapidamente um fenômeno. A seleção da Escócia também, com a primeira convocação do atacante aos 18 anos. Law chegou a ser cotado para disputar a Copa do Mundo de 1958, mas só estreou meses depois, em outubro. Era o mais jovem a vestir a camisa da Tartan Army em 60 anos. Cravou logo um bonito gol na primeira partida, uma vitória por 3 a 0 sobre Gales. Já no segundo compromisso, o capitão norte-irlandês Danny Blanchflower vaticinou: "Se ele é assim aos 18, não gostaria de jogar contra ele quando tiver 24".
Bill Shankly deixou o Huddersfield rumo ao Liverpool em 1959. Tentou levar Denis Law, mas os Reds não tinham dinheiro suficiente para bancar o negócio. A saída do atacante, em março de 1960, o transformou no jogador britânico mais caro da história até então. Desembarcou em Manchester, mas primeiro para vestir a camisa celeste do City. Em sua primeira temporada completa, anotou 23 gols em 43 aparições – e isso porque os seis contra o Luton Town pela Copa da Inglaterra não foram contabilizados, depois que o jogo precisou ser abandonado aos 70 minutos.
Pouco mais de um ano depois, o Manchester City teve 100% de lucro ao vender Denis Law. O Torino dobrou o recorde de transação britânica mais cara e levou o atacante para a Itália em 1961. Law chegou ao país que se tornava o epicentro do futebol europeu, inclusive em relação aos salários pagos. Seus números não foram ruins no Calcio, com dez gols pela Serie A, mas a marcação violenta dos zagueiros e a perseguição da imprensa fizeram o jovem forçar sua saída. Mesmo com uma oferta maior da Juventus, ele preferiu voltar à Inglaterra.
Melhor ao Manchester United. Matt Busby conhecia seu compatriota há tempos, desde que avistara sua classe nas categorias de base do Huddersfield. Tento levá-lo na época, mas os detentores do passe não quiseram fazer negócio. Para tirá-lo do Torino, quebrou mais uma vez o recorde de negócio mais caro do futebol britânico. Não se arrependeu, afinal. A chegada de Denis Law marca um ponto de virada ao clube, especialmente após o trauma causado pelo Desastre de Munique – e quem fazia essa avaliação era um sobrevivente do acidente aéreo, o craque Bobby Charlton.
A primeira temporada de Denis Law em Old Trafford garantiu o primeiro título desde a tragédia: os Red Devils celebraram a FA Cup 1962/63, com direito a gol do escocês na final. O atacante balançou as redes 29 vezes naquela temporada, apenas o início de seus números avassaladores. O United, 19° colocado no Campeonato Inglês em 1962/63, saltou para a segunda colocação em 1963/64. Imparável, Law terminou a temporada com fantásticos 46 gols em 42 jogos, o que pavimentou seu caminho à Bola de Ouro. Ninguém encantava mais no futebol europeu naquele momento.
A reconquista do Campeonato Inglês após oito anos aconteceu em 1964/65, outra vez com Law virando protagonista. O luto pelos Busby Babes dava lugar à veneração da Santíssima Trindade. Bobby Charlton representava a hierarquia e a maestria de quem tinha literalmente ressurgido das cinzas. George Best ascendia como o irresistível talento precoce de dribles desconcertantes e noitadas alucinantes. Denis Law podia não ter a liderança de um ou o frenesi do outro, mas também sabia como encantar por sua técnica e seu ímpeto. E era tão valorizado que, dentre os três, acabava recebendo o maior salário.
Denis Law era “O Rei”, uma referência também às suas raízes escocesas. Ou então o “Lawman”, o atacante que fazia a lei dos gols imperar em campo. Para os adversários, era “Denis, the Menace”, a Ameaça, um trocadilho com o nome original do desenho conhecido no Brasil como “Denis, o Pimentinha”. O craque continuou em alta para reconduzir o Manchester United ao título do Campeonato Inglês em 1966/67. Aquela conquista abriu as portas da Europa definitivamente aos Red Devils, que então faturaram a Copa dos Campeões em 1967/68. Law não disputou a final, atrapalhado pelas lesões, mas se gravava como um dos heróis da epopeia inédita de um clube inglês ao topo da competição.
O Manchester United ainda tentou o bicampeonato continental em 1968/69, quando parou nas semifinais diante do Milan. Denis Law foi artilheiro daquela Champions. A virada aos 30 anos, todavia, marcou um período atravancado pelos problemas físicos. Temporadas de ausência se alternavam com outras nas quais o craque recobrava os lampejos de outrora, mesmo sem ser tão efetivo quanto no auge. Ainda assim, teve fôlego para chegar aos 237 gols pelo clube e se eternizar como terceiro maior artilheiro do United.
A saída de Matt Busby do comando técnico apontou o começo do fim daqueles anos abastados em Old Trafford. Denis Law cogitava pendurar as chuteiras no clube, mas se sentiu traído quando o técnico Tommy Docherty, a quem tinha indicado para o cargo, o dispensou do elenco. O treinador não cumpriu uma promessa ao atacante, que sentiu aquilo como uma afronta à própria família. Assim, resolveu continuar em Manchester e defender outras cores, de volta ao City depois de 12 anos.
A temporada de 1973/74 foi a única de Denis Law nesta volta ao Manchester City e a última completa de sua carreira. Foi nela que aconteceu seu gol mais famoso, o lindo toque de calcanhar em pleno clássico, que marcou o rebaixamento do Manchester United para a segunda divisão inglesa. Um tento que simboliza tanto sobre o Rei. Acima de qualquer senso de vingança, ele preferiu não comemorar e parecia um tanto quanto atordoado pela pintura, imaginando que aquele ato poderia culminar no descenso. Mesmo assim, seria aplaudido e abraçado por torcedores dos Red Devils ao final daquele embate em Old Trafford, sinal maior de sua idolatria.
E, aos 34 anos, Denis Law teve tempo de cumprir um último sonho: disputar uma Copa do Mundo pela Escócia. Mesmo sem nunca ter atuado por um clube escocês, o atacante sempre foi apaixonado por sua seleção. Dizia que defender a Tartan Army era sua maior honra. Claro, também nutria um ódio natural pela seleção inglesa – a ponto de preferir jogar golfe enquanto se disputava a final da Copa do Mundo de 1966. Após o título dos rivais, Rei Denis rotulou aquele como o “pior dia de sua vida”.
Pela seleção, Law dividiu o campo com outros dos maiores jogadores escoceses da história. Jogou com Kenny Dalglish, talvez seu maior concorrente nas listas de maior craque nascido na nação. Também fez tabelas com Jimmy Johnstone e Jim Baxter, respectivamente lendas de Celtic e Rangers. Porém, a Tartan Army se ausentou das grandes competições ao longo dos anos 1960. As principais experiências para Law no período eram os clássicos contra a Inglaterra. Esteve presente nos infames 9 a 3 aplicados pelos Three Lions em 1961. Sua vingança particular veio em abril de 1967, quando abriu o placar nos 3 a 2 sobre os ingleses recém-campeões do mundo em Wembley, numa vitória que valeu o título do tradicional British Home Championship aos escoceses e um orgulho por toda a vida.
Depois de tanto esperar por seu momento, Law ao menos teve o gosto de disputar uma Copa do Mundo em 1974. Seu último jogo pela Escócia foi a vitória por 2 a 0 sobre o Zaire, na estreia da equipe na Alemanha Ocidental. O atacante viu do lado de fora ainda os empates contra Brasil e Iugoslávia, que abreviaram a passagem dos escoceses pelo torneio. Despediu-se como o maior artilheiro da história da equipe nacional, com 30 gols, marca depois igualada por Dalglish.
A influência de Denis Law permaneceu no imaginário de muita gente. O cabelo desgrenhado virou inspiração a um torcedor fanático da Tartan Army, e um de seus compatriotas mais famosos, Rod Stewart. Já o nome Dennis, com um N a mais, foi escolhido por Wim Bergkamp para batizar seu menino em homenagem ao craque que admirava – e quem diria que o filho do eletricista também encantaria no Campeonato Inglês. Desde a última semana, Rei Denis pode ser visto materialmente apenas em bronze, eternizado em forma de estátua diante de Old Trafford – o último da Santíssima Trindade a partir, após George Best e Bobby Charlton. A história que escreveu, contudo, está gravada em ouro e será recontada enquanto a memória dos súditos resistirem. Eles atravessam gerações.
Marmoush no City, Kolo Muani na Juventus: o mercado se agita
O Manchester City anunciou a contratação do atacante Omar Marmoush, do Eintracht Frankfurt. O valor é de algo entre € 70 milhões a €75 milhões, incluindo bônus de desempenho. Nesta temporada, Marmoush fez 17 jogos, marcou 15 gols e deu nove assistências na Bundesliga. Na temporada, são 26 jogos no total, 20 gols e 14 assistências.
Marmoush assinou por quatro anos e meio, até 2029 e vestirá a camisa 7 no City. O egípcio é a terceira contratação do Manchester City, que já tinha anunciado os zagueiros Abdukodir Khusanov, do Lens, e Vitor Reis, do Palmeiras.
Enquanto isso, Kyle Walker está de saída do Manchester City. O lateral de 34 anos ainda tem 18 meses de contrato com o time inglês, mas pediu para deixar a equipe. Ele está a caminho de Milão, onde fará exames médicos pelo Milan.
O acordo neste momento é que Walker chegue por empréstimo sem custos até o final da temporada 2024/25, com uma cláusula de compra de € 5 milhões. Se o lateral inglês for contratado ao final do empréstimo, já há um acordo para um vínculo até 2027, com salários na casa de € 4 milhões por ano.
A chegada de Walker deve significar a saída de Emerson Royal do clube. O desempenho do brasileiro não agradou e ele tem interesse do Galatasaray e do Fulham para deixar os rossoneri.
A Juventus anunciou Randal Kolo Muani, que estava no PSG. O atacante chega para assumir o comando da linha de frente dos bianconeri. Será que isso torna o atacante Dusan Vlahovic disponível no mercado?
Outro que deve chegar à Juventus é o zagueiro Renato Veiga, do Chelsea. O português de 21 anos virá por empréstimo, por € 4,5 milhões, mas sem opção de compra, ou seja, será preciso negociar o preço ao final da temporada se quiserem ficar com ele.
Quem pode fazer o caminho contrário é Douglas Luiz. O meio-campista interessa ao próprio Chelsea, além do Nottingham Forest e do seu ex-clube, Aston Villa. O clube de Turim também tenta a contratação de Jean-Clair Todibo, do West Ham. O zagueiro chegaria por empréstimo com opção de compra, com valores ainda não definidos.
O Chelsea inclusive pode ter mais saídas: o meio-campista italiano Cesare Casadei, de 22 anos, é alvo de interesse da Lazio depois de ser contratado junto à Internazionale e não se firmar no clube de Londres, que tem um excesso de jogadores. Outro que pode deixar o Chelsea é o lateral esquerdo Ben Chilwell, de 28 anos, que interessa ao Everton.
Marcus Rashford se encontrou com executivos do Barcelona, que seria a alternativa preferida do atacante inglês de 27 anos para deixar o Manchester United. O problema é: como é que os catalães vão pagar? Vão emitir alguma promissória, só pode.
O Barcelona, aliás, teve uma ótima notícia com a renovação de contrato do zagueiro uruguaio Ronald Araujo. Ele fica no clube por mais seis temporadas, até 30 de junho de 2031.
Outro que renovou contrato foi o atacante Chris Wood, que assinou por dois anos com o Nottingham Forest. O atacante neozelandês fez 14 gols em 22 jogos da Premier League e é mais um a reafirmar seu compromisso com o clube, depois do zagueiro brasileiro Murillo, que renovou com os Reds até 2029.
Parece que o Arsenal está indo atrás de um atacante e ele pode ser Benjamin Sesko, do RB Leipzig. A ver se dá para sair negócio, porque o grupo Red Bull sabe negociar, ainda mais com quem está desesperado. Os Gunners se interessam também por Dusan Vlahovic, mas as negociações com a Juventus não andaram.
Alejandro Garnacho interessa a vários clubes, como o Napoli e o Chelsea, e prefere a transferência para o clube de Londres, o que certamente causaria alguns problemas com a torcida do seu atual time, o Manchester United.
O Napoli quer Garnacho, mas sabe que a concorrência é pesada e tenta levar o alemão Karim Adeyemi, do Borussia Dortmund.
Na Turquia, José Mourinho ganha reforços de peso. Diego Carlos foi anunciado pelo Fenerbahçe, em transferência de cerca de 10 milhões de libras. O brasileiro deve fazer dupla com outro nome conhecido: Milan Skriniar, liberado pelo PSG para reforçar o time do técnico português.
A janela se aproxima do fim e o desespero dos que precisam contratar e não contrataram só aumenta. Voltaremos com a porta dos desesperados na próxima semana.
Curtas
Nuri Sahin pode ou não se tornar um bom treinador, mas ele certamente não tinha as qualificações para treinar o bonde que o Borussia Dortmund se tornou. Em muitas maneiras, a atual campanha é apenas uma interpretação mais radical dos últimos anos, com rotineiros lapsos defensivos e apagões, provavelmente acentuados por um vácuo de liderança no vestiário após as saídas de Marco Reus e Mats Hummels O primeiro impulso é achar injusto que os jogadores sejam acusados de não estarem tão comprometidos, até lembrar que o Holstein Kiel abriu 3 a 0 no primeiro tempo. Outro diagnóstico recorrente é que eles não compraram a ideia do técnico, o que, agora sim, é eminentemente injusto porque nem a diretoria parece fazê-lo. A falta de convicção sobre o caminho que está sendo tomado virou outra marca registrada. Em breve, chegará o quarto treinador em quatro anos. Não tem nenhum motivo para o Dortmund não ser o segundo melhor time da Alemanha constantemente. Teve um faturamento equivalente ao do Chelsea em 2023/24, duas vezes maior que o terceiro da Bundesliga, uma torcida extremamente apaixonada, um estádio sempre lotado, camisa, tradição e histórico de excelência na formação de jogadores. Nenhum motivo além de pura incompetência. Como construiu um elenco com mais jogadores nota seis e sete em torno dos 30 anos do que candidatos a Jude Bellingham, Erling Haaland ou Jadon Sancho está além da minha capacidade de responder. A melhor qualificação de Sahin é ter sido ex-jogador do clube, como todo mundo que toma decisões no Westfalenstadion. Não é de hoje que o Borussia Dortmund parece um time perdido. Talvez estivesse à espera de algo. E agora que essa algo virou diretor global de futebol da Red Bull, o que que ele vai fazer?
Nesta sexta-feira, faleceu aos 83 anos o ex-meia Dimitris “Mimis” Domazos, considerado um dos maiores futebolistas da história da Grécia – e a maior lenda do Panathinaikos em todos os tempos. O General, como era conhecido, envergou a camisa alviverde dos 17 aos 38 anos, exceção feita a uma curta passagem pelo AEK Atenas no fim da carreira após se desentender com dirigentes. Capitão do Pana por 15 anos, Domazos usava a braçadeira no time finalista da Copa dos Campeões de 1970/71, derrotado pelo Ajax na decisão. Além da liderança, o camisa 10 baixinho e cerebral também era exaltado pela enorme qualidade técnica e criatividade – o que rendia golaços, passes cirúrgicos e dribles estonteantes. Mimis se mantém ainda hoje como o jogador com mais partidas pelo Campeonato Grego, 536 no total, com nove títulos da liga. Já pela seleção, o maestro disputou 50 jogos e também ostentou a braçadeira de capitão.
A TNT Sports do Reino Unido acha que ainda é cedo para julgar o novo formato da Champions League. Scott Young, vice-presidente sênior da Warner Bros Discovery, dona da TNT Sports, foi quem disse ao Guardian que ainda é cedo para julgar o sucesso da nova Champions. Apesar disso, ele diz que os clubes adicionais, a loucura em alguns jogos e a emoção prevista para a última rodada “adicionam valor” à competição. Os sinais são positivos, mas é bom esperar para ver antes de sair bradando que é a “maior Champions de todos os tempos” (até porque já ouvimos isso várias vezes antes).
Baita edição camaradas, tanto da newsletter quanto do podcast!
Fica apenas uma sugestão: sinto falta do quadro "Roteiro do fim de semana", utilizado na antiga newsletter, onde listavam os jogos mais interessantes para se acompanhar na semana.
Um abraço e bom final de semana a todos!