A multifacetada revolução de Raphinha
Reinventado no Barcelona de Hansi Flick, Raphinha não só se garantiu no time, como se tornou o principal jogador do clube e um dos principais da temporada na Europa
Newsletter Meiocampo #7, 17 de Janeiro de 2025
Em uma semana que tivemos um falcoeiro nazista demitido da Lazio por mostrar o pênis no Instagram, nenhuma história parece boa o suficiente, mas nós tentamos! Tem Raphinha, Arsenal e até estaduais. Boa leitura!
A multifacetada revolução de Raphinha
Por Leandro Stein
Um drible, um lançamento ou um golaço podem ser indicativos de como um jogador é acima da média. Porém, talvez o sinal mais claro seja uma mudança tática que não o faça perder a excelência. A adaptabilidade que não impacta a qualidade indica como o talento está presente. E o que dizer, então, quando a transformação ajuda o atleta a ir além? Raphinha vive esse processo no Barcelona, demonstrando partida após partida que é um extraclasse. Está evidentemente entre os melhores da atual temporada e, aos 28 anos, no pico de uma carreira repleta de bons momentos, embora nem sempre tão reconhecida.
Desde que trocou o Avaí pela Europa, Raphinha conseguiu render bem em todos os clubes que defendeu. Deslanchou no Vitória de Guimarães e se valorizou no Sporting, mesmo com menos tempo no Estádio José Alvalade. Teve bons momentos na Ligue 1 com o Rennes e virou herói do Leeds após a volta à Premier League, essencial para a boa campanha de reestreia e depois para livrar os Whites do rebaixamento. O momento mais incerto em sua carreira profissional aconteceu já no Barcelona, em suas duas primeiras temporadas. Por isso a revolução atual de Raphinha salta tanto aos olhos.
Atribuir a ascensão do camisa 11 apenas à mudança no comando técnico, porém, é perder de vista o tamanho da contribuição de Raphinha nesta temporada. É certo que Hansi Flick ofereceu um novo encaixe ao brasileiro e deu confiança, algo que não se notava nos tempos de Xavi. O trabalho do atacante, de qualquer maneira, transborda a todos os aspectos do jogo. É tático e mental, mas também técnico e físico, com boas doses ainda de liderança do capitão.
A primeira revolução de Raphinha veio na mentalidade. E os seus dois primeiros anos no Barcelona foram muito duros nesse sentido. O brasileiro não entendia a falta de minutos em campo. Independentemente do que fizesse, não jogava tanto como titular e, quando isso acontecia, os 15 minutos do segundo tempo eram sempre o fim da linha. “Não é nenhuma crítica a Xavi. Inconscientemente, eu sabia que ia sair. Tentava fazer tudo em 60 minutos e não saía nada. E, outras vezes, quando fazia as coisas, me tirava do mesmo jeito”, contou o jogador, ao jornal El País, em novembro.
A chegada de Hansi Flick ofereceu uma virada de página a Raphinha e o treinador reconheceu seu talento, algo essencial para que o camisa 11 ganhasse confiança. De certa maneira, o alemão viu que tinha uma pérola, reforçando um laço visto antes entre o gaúcho e Marcelo Bielsa no Leeds. Flick parecia disposto a transformar o brasileiro numa nova versão de Serge Gnabry, brilhante na última tríplice coroa do Bayern de Munique e principal sócio de Robert Lewandowski. Raphinha consegue ir muito além. Aproveita esse novo respaldo para ganhar impulso, utilizando ainda outros elementos em seu entorno.
Se a relação que possui com Deco desde muito antes já soou como entrave, como se não tivesse respaldo tão direto da comissão técnica de Xavi por ter o português como seu antigo agente, neste momento a ligação com o diretor esportivo até ajuda no trânsito interno de Raphinha. E aquilo que não dava certo, o brasileiro passou a usar de motivação – vide a reação diante dos pedidos para que Nico Williams fosse contratado e usasse a sua camisa 11. Posicionou-se publicamente, tratando também de dar a sua resposta dentro de campo.
“Dou o melhor: se antes trabalhava 100%, agora ofereço 200%”, apontou Raphinha, também ao jornal El País. Há uma preparação muito bem feita ao redor do atacante, tanto no trabalho físico quanto na análise tática. O camisa 11 entrega bastante ao estilo de jogo mais direto e voraz do Barça de Hansi Flick, a ponto de ser um dos mais intensos em campo e aparecer como terceiro com mais minutos nessa temporada. Já a leitura de jogo e a forma como se encaixa em diferentes partidas se dá também por um foco individual no seu papel tático, algo aprimorado no cotidiano em conjunto com a comissão técnica.
Hansi Flick explora muito bem o jogo de Raphinha porque uma das principais virtudes do brasileiro é um dos princípios do estilo do alemão: a forma de atacar os espaços. Méritos do técnico ao perceber também que o brasileiro poderia entregar ainda mais quando saísse de sua zona de conforto. Em vez de readaptar um talento puro como Lamine Yamal, Flick optou por explorar a maturidade e a inteligência de jogo de Raphinha. De início, o camisa 11 se indagou sobre o rendimento que teria em outras faixas do campo. Hoje, está mais do que evidente como ele é capaz de entregar sem ficar restrito.
Raphinha não é mais “apenas” o ponta canhoto que infernizava invertido pela direita. Ele é um armador cerebral e um ponta esquerda que não perde a característica de flutuar. O funcionamento do Barcelona depende demais dessa adaptabilidade do gaúcho. Ajuda muito, além da consciência tática, também a capacidade técnica. O repertório de Raphinha em 2024/25 é talvez o mais completo da Europa: as arrancadas fulminantes, as finalizações geladas, os dribles desconcertantes, os lançamentos precisos, os passes açucarados, as infiltrações rompedoras. Os 20 gols e 11 assistências materializam o que se nota a olhos vistos além dos lances decisivos, que são tantos.
O primor técnico de Raphinha vem com a consciência de seu trabalho como atleta. “Se você não é consciente de que precisa estar longe da noite, longe da festa… Se não você não pensa que precisa deixar isso de lado, a técnica não serve de nada. A técnica é importante, mas precisa ir de mãos dadas com o trabalho”, pontuou ao El País. Um exemplo que se nota nos treinos, diante do elogio de treinadores e companheiros sobre seu empenho máximo a cada atividade. Algo que abriu mais as portas como capitão.
A braçadeira é a cereja do bolo no impacto de Raphinha sobre o atual Barcelona. Mesmo com seus altos e baixos nas duas temporadas anteriores, o brasileiro foi apontado pelos próprios companheiros como quarto na hierarquia dos capitães. Seu posto se elevou diante das lesões e das ausências dos três à frente. A postura do camisa 11 também o catapultou neste sentido. Raphinha é elogiado pela forma como escuta os colegas, sobretudo os mais jovens. Também os defende acima da própria instituição, como foi no recente imbróglio envolvendo Dani Olmo. Joan Laporta pode ter desaprovado, mas o capitão expôs um sentimento que prevalece nos vestiários e também precisa ser considerado.
O resultado de tantas virtudes de Raphinha? Uma coleção de atuações magistrais. A vitória sobre o Real Madrid na Supercopa é mais uma na lista que já incluía a destruição do Bayern de Munique na Champions League, o Clássico do primeiro turno de La Liga e outras mais. Além do coletivo fortalecido, o Barcelona conta com vários jogadores fazendo uma temporada individualmente brilhante, em especial Lamine Yamal e Pedri. Raphinha consegue se colocar acima de todos e, na Europa, há poucos para se equiparar ao brasileiro. Títulos são importantes para sacramentar esse momento, mas a impressão é de que esta revolução de Raphinha não se limitará a apenas uma temporada.
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A diferença entre o bom e o ótimo, o ótimo e o histórico
Por Bruno Bonsanti
Durante aproximadamente 15 minutos na última quarta-feira, parecia inevitável que o Arsenal entrasse em um relacionamento sério com a crise. Estava perdendo do Tottenham, e esta é uma temporada em que perder do Tottenham é muito mais difícil do que não perder do Tottenham, logo depois de ser eliminado da Copa da Inglaterra e de sair atrás do Newcastle na semifinal da Copa da Liga Inglesa. O volume das críticas estouraria a caixa de som.
O Arsenal no primeiro patamar do futebol inglês é um fenômeno relativamente recente. Pode parecer uma piada ou uma cutucada, mas é apenas um reconhecimento de como o tempo funciona: o último título foi há 20 anos.
Depois da final europeia de Paris em 2006, sua marca foi se esforçar bastante para se classificar à Champions League e continuar pagando seu novo estádio. Quando saldou a dívida, descobrimos que Arsène Wenger não conseguia mais montar um time que fosse além de espasmos episódicos de brilhantismo e houve mais um tempinho de espera até que ele chegasse à mesma conclusão e saísse para fazer o que quer que seja que ele faz na Fifa.
Desde o gol de Belletti no Parque dos Príncipes, teve um ano em que ficou em terceiro a quatro pontos do campeão Manchester United e seu único vice-campeonato foi tomado do Tottenham apenas na última rodada, a milhas de distância do Leicester.
Nunca sustentou excelência, nunca pareceu que estava prestes a estourar, e seus fracassos carregaram um elemento de tragédia - como, por exemplo, perder uma final europeia com um gol de Belletti - que, dependendo da sua afiliação, gerava divertimento ou desespero.
Durante todo esse período, a dúvida era se o Arsenal um dia conseguiria montar um time no nível dos Invencíveis, o esquadrão liderado por Thierry Henry e Patrick Vieira que conseguiu o único título invicto do futebol inglês desde o Preston North End em 1889. Se você estava nessa expectativa, eu tenho uma ótima notícia: ele já conseguiu.
Em 2023/24, o Arsenal somou 89 pontos, apenas um a menos que 20 anos atrás, e ganhou mais partidas pela liga inglesa: 28 versus 26. Um total de vitórias, em toda a história dos Gunners, inferior apenas ao de 1970/71, a temporada em que conquistaram a Dobradinha doméstica.
Como um fenômeno relativamente recente, às vezes precisamos brigar contra a memória muscular de aplicar os mesmos diagnósticos e comentários de quando o Arsenal parecia um time mole e que fraquejava nas grandes partidas, às vezes brilhante tecnicamente, mas sem a competitividade necessária para ser campeão - ainda que de vez quando isso reapareça - somente porque a ascensão dos últimos dois anos não gerou um copo de prata para Martin Odegaard levantar.
Abre parênteses. A Copa da Inglaterra conquistada por Mikel Arteta em sua primeira temporada foi fruto mais do tudo pode acontecer em um mata-mata do que a coroação de um processo que, naquele momento, ainda estava no começo. Fecha parênteses.
Foi dura a caminhada para o Arsenal se colocar nesta posição. O momento imediatamente depois da saída de Wenger foi pior que seus últimos anos. Entre as reformulações que precisou fazer em seu elenco, arriscadas trocas de nomes famosos e acomodados por jovens com potencial e esfomeados, e a aposta em um técnico sem experiência prévia, o índice de acerto foi altíssimo.
O que impediu que esse processo culminasse na geração de um copo de prata para Martin Odegaard levantar não foram falhas do Arsenal, mas a presença de uma aberração histórica que elevou o sarrafo. O Liverpool lamenta que poderia ter conquistado mais dois títulos se não fosse o Manchester City de Pep Guardiola. O Arsenal teria levado pelo menos um. Aqueles 89 pontos seriam suficientes em 20 das 31 temporadas completas da Premier League.
E aí é simplesmente um baita de um azar que, justamente quando o castelo de cartas do City desabou, o Arsenal esteja com um departamento médico tão lotado e precise lidar com outro time aparentemente capaz de encaixar uma campanha de mais de 90 pontos. Ainda assim, está conseguindo acompanhá-lo. A diferença é de quatro pontos. O jogo a menos do Liverpool é um clássico. Faltam 17 rodadas. Há um confronto direto. A briga está longe de terminar.
O que não significa que o Arsenal é um time perfeito. Ainda tem certas dificuldades para arrancar os três pontos quando não joga muito melhor que seus adversários, em parte porque talvez tenha de fato havido negligência para ocupar o cargo de artilheiro com um profissional. Ele nem sempre é necessário. O melhor Liverpool teve Roberto Firmino com a camisa 9, e o Manchester City não tinha um antes de Erling Haaland, mas havia muitos gols nos arredores.
O Arsenal, de maneira consciente ou não, tenta replicar a fórmula. O maior investimento para a posição é um centroavante notório por fazer tudo muito bem, menos essa parte - e até que Gabriel Jesus estava embalando antes de se machucar novamente. Parece um desperdício pagar € 75 milhões em Kai Havertz apenas para tê-lo como bode expiatório quando ele não consegue ser o jogador que não é. Raheem Sterling é o 20º maior artilheiro da história da Premier League e seria ótimo como essa fonte periférica de gols se não tivesse chegado naquela fase da carreira em que uma transferência para o West Ham é iminente.
Existem níveis de formação de time: competente, bom, ótimo, histórico. Cada degrau é mais difícil de subir do que o anterior e, na maior parte do tempo, não foi necessário estar exatamente no topo para conquistar os principais títulos. O Arsenal está próximo. Talvez a última peça do quebra-cabeça seja um centroavante. Talvez não. Mas não é a hora de desanimar, mesmo que esta acabe sendo mais uma temporada em branco.
É a hora de canalizar tudo que for possível para dar esse último passo.
E se a gente aumentasse os estaduais?
Por Felipe Lobo
Quando começam os estaduais, há sempre uma discussão sobre o que fazer com eles. Há quem defenda, há quem critique, mas a gente sabe que no fundo é só uma discussão de bar porque nada irá mudar. Mas puxando uma cadeira e descendo uma cerveja aqui no nosso bar, e se a gente aumentasse os estaduais?
Sei que parece uma ideia contraintuitiva. Afinal, se fala sobre o excesso de jogos. É verdade. Só que há o outro lado da questão: e a falta de jogos? Clubes como a Portuguesa fizeram 29 jogos no total em 2024. E com grandes intervalos sem atuar.
Foram 13 pelo Paulista e 16 pela Copa Paulista. Há um detalhe cruel aqui: o último jogo pelo Paulista foi no dia 17 de março. Voltou a campo apenas no dia 15 de junho, três meses depois, pela Copa Paulista. Disputou esse torneio até o dia 28 de setembro. Mais de três meses sem atividade até voltar a campo no dia 15 de janeiro.
Não é um caso isolado. Clubes sem divisão nacional acabam por fazer poucos jogos na temporada, com grandes períodos de inatividade. Às vezes hiatos no meio do ano. É impossível manter um time profissional assim.
A história se repete até com clubes com divisão nacional. A Inter de Limeira, por exemplo, fez 33 jogos em 2024. Foram 13 pelo Campeonato Paulista e outros 20 pela Série D.
Ao menos nesse caso o intervalo entre o fim do Paulista e a Série D não foi tão grande. A Inter jogou pelo Paulista no dia 17 de março e voltou a campo pela Série D no dia 27 de abril, pouco mais de um mês depois. Mas seu último jogo foi no dia 1º de setembro. Mais de quatro meses de inatividade até que volte a campo pelo Paulista 2025.
Por isso, é preciso que os estaduais aumentem de tamanho e durem o ano inteiro. Sim, o ano inteiro. Ter 38 jogos deveria ser a meta. Até porque os clubes menores dependem mais da bilheteria do que os grandes, com intervalos de dois meses para férias e preparação para a nova temporada.
É preciso aumentar a Série C e D para que elas deem um calendário mais adequado aos clubes. Há anos os clubes querem que a Série C tenha o regulamento da Série A e B, mas a CBF resiste, porque ela não quer ter mais gastos. Veja só: gastos para que o futebol que ela tem que fomentar exista.
Com Série C e D com calendário anual, há outra medida necessária: a Série A tem que destinar parte dos recursos às divisões inferiores. E a CBF tem que destinar parte dos recursos aos estaduais.
Para terminar, times com divisões nacionais não disputam mais os estaduais, que passam a seguir o mesmo calendário anualizado, de março a dezembro, dando vaga na Série D.
Assim realmente os clubes pequenos seriam priorizados, e não marginalizados com um calendário bizarro todo ano.
PODCAST MEIOCAMPO: TEMOS DISPUTA PELO TÍTULO NA PREMIER LEAGUE?
O podcast desta sexta falou sobre a recuperação do Arsenal, em uma semana que os líderes perderam pontos, incluindo o Liverpool. Temos campeonato na Inglaterra? Este e outros assuntos no episódio #99:
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GIRO
- A Copa da França teve classificações surpreendentes nos 16-avos de final, e nem tanto pelo Stade de Reims despachando o Monaco ou o Lille batendo o Olympique de Marseille no Vélodrome. O principal conto de fadas foi vivido pelo Bourgoin-Jallieu, da quinta divisão, capaz de eliminar o Lyon. Torcedor dos Gones, Mehdi Moujetzky virou carrasco do time do coração e anotou os dois gols no empate por 2 a 2. Já nos pênaltis, o goleiro Ronan Jay se consagrou na vitória por 4 a 2, defendendo os tiros de Alexandre Lacazette e Corentin Tolisso. A cidade de Bourgoin-Jallieu, na própria região de Lyon, não passa dos 30 mil habitantes. Já o clube é mais conhecido por seu trabalho na base, ajudando a revelar nomes como Bryan Mbeumo, Amine Gouiri e Malo Gusto – os dois últimos levados depois pelo Lyon. É ver se alguém do time atual tira a sorte grande. Muitos deles conciliam as carreiras no futebol com rotinas comuns: Ronan Jay, por exemplo, teve que entrar nas aulas do curso de engenharia às 8h30 no dia seguinte. Outros quatro times de divisões abaixo aprontaram contra adversários de níveis superiores: o Troyes (segunda) eliminou o Rennes, o Briochin (quarta) superou o Annecy, o Dives-Cabourg (quinta) passou pelo Le Puy Foot e o tradicional Cannes (quarta), clube que revelou Zinédine Zidane e Patrick Vieira, deixou o Lorient pelo caminho.
- Todos os classificados às quartas de final da Copa do Rei são da primeira divisão. O Barcelona atropelou o Betis, o Real Madrid se safou com ajuda de Endrick na prorrogação contra o Celta, o Osasuna eliminou o campeão Athletic Bilbao. Uma menção especial, no entanto, fica para o Pontevedra. O time da quarta divisão caiu diante do Getafe, por 1 a 0, mas teve um domínio digno de elite. Os azarões terminaram a noite com 84% de posse de bola (!) e seis vezes mais passes que os Azulones. É bem verdade que o Getafe teve dois expulsos, um deles ainda no primeiro tempo, mas o gol logo aos dois minutos foi motivo mais que suficiente para o time de Pepe Bordalás instaurar sua conhecida retranca fora de casa. Não tiveram pudores nem contra um time da quarta divisão, que já tinha tirado Levante, Villarreal e Mallorca nas fases anteriores.
- Simon Kjaer aposenta-se aos 35 anos, com uma carreira respeitável por clubes. O zagueiro teve o privilégio de vestir camisas de relevo como Wolfsburg, Roma, Lille, Fenerbahçe e Sevilla. A passagem pelo Milan, seu último time, tende a ser mais marcante – com a conquista do Scudetto abrilhantando um período de cinco temporadas, mesmo que atrapalhadas pelas lesões. Ainda assim, a lembrança de Kjaer será mais forte com a seleção da Dinamarca, pela qual disputou três Copas do Mundo e três Eurocopas – duas de cada como capitão. Seus 132 jogos estão acima das marcas por qualquer clube e o colocam como segundo com mais jogos pela equipe nacional, só abaixo de Christian Eriksen. Pois foi exatamente com Eriksen que Kjaer protagonizou a cena mais forte de sua carreira, ao auxiliar nos primeiros socorros durante o colapso do camisa 10 na Euro 2020. O capitão acionou a equipe médica, desobstruiu as vias aéreas de Eriksen, liderou os companheiros a cobrirem a cena e consolou a companheira do meia. Num dos momentos mais assustadores já vistos num campo de futebol, Kjaer agiu como um verdadeiro herói. Seu ápice no futebol foi, na verdade, uma lição de coragem diante do momento mais delicado da vida – um ato maior do que qualquer outro que pudesse ter com uma bola.
- Se voltarmos 18 meses no tempo, o torcedor do Napoli salivava: Luciano Spalletti estava no comando, o título italiano havia sido conquistado e era a hora de imaginar qual seria o teto de um núcleo duro liderado por Victor Osimhen e Kvaratskhelia. A resposta: aquele. Spalletti, com um Fiat Panda a menos na garagem, vazou imediatamente depois do Scudetto e agora treina a Itália. Osimhen, não apenas porque foi ridicularizado e comparado a um coco (com conotação claramente racista) pelas redes sociais do próprio clube, tanto não queria continuar por lá que aceitou um empréstimo para o Galatasaray. E agora Kvaratskhelia meio que força para sair, ou meio que é forçado a sair, em pleno mês de janeiro. Isso depois de uma temporada com três treinadores diferentes e a ressurreição de Walter Mazzarri, sem falar que o atual treinador é Antonio Conte, a mais famosa bomba relógio do futebol europeu. Os méritos de Aurelio de Laurentiis em resgatar o clube da falência são inegáveis, e eu sei que o caos é meio que marca registrada de Nápoles, mas eles deveriam tentar um pouquinho de estabilidade só para ver o que acontece.
- Um dos melhores trabalhos da história da Premier League foi realizado por David Moyes à frente do Everton. Quase sem dinheiro, conseguiu uma regularidade milagrosa na parte de cima da tabela e chegou a se classificar para a Champions League. Um raro caso de um não-integrante do Big Six entre os quatro primeiros nos últimos 20 anos. Apenas Leicester, Newcastle e Aston Villa também conseguiram. Um trabalho tão bom que ele foi identificado por Alex Ferguson como o seu sucessor. Vamos ser gentis: Ferguson estava errado. Emendou desastres com Sunderland e Real Sociedad e bateu no fundo do poço antes de se reencontrar em duas ótimas passagens pelo West Ham. Conquistou seu único título e solidificou sua presença em quase todas as listas de recordes da Premier League. Não é um dos melhores, mas um dos mais importantes treinadores da era moderna do Campeonato Inglês. Enquanto isso, o Everton se queimou mais vezes do que conseguimos contar em suas tentativas de voar perto demais do Sol e, outra vez correndo risco de rebaixamento, promoveu a reconciliação. Porque se é para ter Sean Dyche, melhor ter David Moyes, um Sean Dyche com muito mais recursos. É interessante o quanto as trajetórias de Everton e Moyes se distanciaram apenas para se cruzarem novamente.
- James Rodríguez não precisa fazer mais nada em sua carreira que já está gravado entre os maiores jogadores da história da Colômbia. A Copa de 2014 fala por si, mas outros tantos momentos mágicos também ocorreram pelos Cafeteros, em especial na Copa América de 2024. Por clubes, entretanto, o ponto final parece ter acontecido faz tempo. James estourou no Banfield, se consolidou como craque em Porto e Monaco, teve belos lampejos por Real Madrid e Bayern, tirava coelhos da cartola no Everton. Mas já se vão cinco anos em que roda sem mais encantar, com decepções inegáveis sobretudo no São Paulo e no Rayo Vallecano. O León ainda deposita suas esperanças no armador, visando o Mundial de Clubes. Aos 33 anos, o camisa 10 ainda poderia mirar um ato final grandioso. Resta saber se ele quer, quando os clubes parecem uma mera pré-temporada à idolatria que recebe na seleção. Entre os novatos da Liga MX, talvez valha prestar mais atenção em Adalberto Carrasquilla, excelente meio-campista panamenho que trocou o Houston Dynamo pelo Pumas UNAM.
- O Atlético Nacional terminou 2024 em alta ao conquistar a Copa Colômbia e o Torneio Finalización do Campeonato Colombiano. O técnico Efraín Juárez, de carreira sólida como jogador da seleção mexicana, começava a se projetar na nova função. Porém, 2025 traz um grande ponto de interrogação para os Verdolagas: o treinador de 36 anos deixou o clube, apenas 12 dias antes do início da temporada. Sua renúncia acontece sem explicações claras, mas com a imprensa colombiana apontando para um conflito com a diretoria, diante da contratação e da venda de jogadores sem acordo com a comissão técnica. Juárez sai grande o suficiente para buscar bons trabalhos, enquanto os paisas perdem uma das bases principais de seu sucesso recente.
- O Valencia anunciou nesta semana que, depois de longa espera, o Novo Mestalla enfim será entregue. O estádio é o maior símbolo da crise institucional atravessada pelo clube. A maquete do Nou Mestalla foi apresentada ainda em 2006 e as obras se iniciaram no ano seguinte. Contudo, a crise imobiliária na Espanha se uniu às dificuldades financeiras do Valencia, que interrompeu a construção em 2009. Desde então, idas e vindas ocorreram, sempre com promessas não cumpridas de retomar as obras. A nova meta é inaugurar em 2027, mais de duas décadas após a pedra fundamental ser lançada. O clube se via pressionado, diante da aproximação do prazo final da licença concedida pelo poder público, enquanto o reinício dos trabalhos aproveita o horizonte aberto com a Copa do Mundo de 2030. Mesmo com o canteiro de obras voltando a funcionar, é natural ficar com um pé atrás diante de Peter Lim, o odiado proprietário à frente dos Ches desde 2014. E não é a inauguração do “monumento” (como chama a diretoria) que aliviará as tensões com a torcida, exausta da gestão desastrosa. Temores de uma nova interrupção não são infundados, sobretudo com o time sob claros riscos de rebaixamento à segunda divisão espanhola e sem informações básicas sobre os custos da construção.
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Nos vemos na semana que vem. Até lá!