A perigosa volta da Superliga
Depois do fracasso em 2021, a Superliga se reorganiza para tentar ganhar a simpatia do público e a guerra de mídia e, até por isso, é bem mais perigosa
Newsletter Meiocampo #3, 20 de dezembro de 2024
Superliga, aposentadorias, Vinícius Júnior melhor do mundo, definições na Conferece League e um amplo giro pelo mundo: a edição de hoje da newsletter Meiocampo traz panorama amplo do que rolou no futebol internacional na semana.
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A Superliga está de volta - e mais perigosa
Por Bruno Bonsanti
O primeiro lançamento da Superliga foi um desastre sem precedentes. Não pelo que ela significava - um desastre sem precedentes -, mas do ponto de vista de relações públicas e controle de narrativa. Um comunicado de imprensa na noite de domingo anunciando o fim da tradicional estrutura do futebol europeu foi seguido por 24 horas de silêncio.
Durante aquele período, todo mundo que estava perto de um microfone o colocou na mão para dizer o quanto a ideia era ruim. Não apenas dirigentes que, vendo suas posições de poder ameaçadas, acenaram com multas, punições e exclusões, mas personagens importantes de verdade, como treinadores, jogadores, ídolos, chefes de Estado e, principalmente, torcedores. Ninguém da Superliga pensou que talvez fosse uma boa ideia oferecer um contraponto até Florentino Pérez aparecer na televisão espanhola na noite de segunda-feira.
E o contraponto foi mais ou menos “temos que salvar futebol porque vocês não conseguem mais prestar atenção durante 90 minutos”, ou algo nessa linha. Foi confuso, meio cínico, meio messiânico. Talvez ele não fosse o porta-voz ideal.
Um vácuo comunicativo curioso porque eles deveriam saber que a ideia seria impopular, a menos que estivessem bêbados de arrogância, e como são dirigentes de futebol, é perfeitamente possível que estivessem bêbados de arrogância, que permitiu que se construísse um consenso de que a ideia ruim era mesmo ruim. Uma ferida fatal que levou ao inevitável colapso, à medida que os clubes participantes cederam à pressão da imprensa e de seus torcedores.
Real Madrid e Barcelona (e a Juventus, em um primeiro momento, antes de pular fora) insistiram e conseguiram uma decisão da Corte Europeia de Justiça que reconheceu a autoridade regulatória de Uefa e Fifa, mas disse que elas deveriam exercê-la de maneira “transparente, objetiva, não-discriminatória e proporcional”. Real e Barça consideraram uma vitória e, na última terça-feira, a Superliga voltou à tona com uma nova proposta para rivalizar com as competições europeias.
Foi um anúncio mais modesto. Um vídeo com uma pessoa que ninguém conhece explicando a tentativa de rebranding da Superliga para parecer uma ideia mais popular que elitista.
Começando pelo nome: “Unify League”, ou Liga da Unificação, é horrível, mas menos pomposo e mais inclusivo que Superliga. Abandonou a ideia de ter participantes fixos e, como sempre aconteceu, quer adotar um sistema de classificação baseado nos resultados anuais das ligas domésticas.
Abrigaria 96 clubes, divididos em quatro divisões. As duas principais teriam 16 participantes separados em dois grupos com jogos de ida e volta. Os quatro primeiros passam às oitavas de final. Provavelmente com 21 datas, seria apenas um pouco maior que o da Champions League atualmente (que pode chegar a 17), o que é ruim, o ano continuará tendo 365 dias independentemente de quantas competições novas os cartolas decidirem criar, mas não chega a substituir as ligas nacionais como base da temporada como sua antecessora ameaçava.
O timing foi ótimo, inclusive porque, no momento em que ainda estamos tentando decidir se gostamos do novo sistema suíço da Champions League, é oferecido um formato mais tradicional e simples de entender. O comunicado até cita que existe insatisfação entre os clubes com o “formato (…) das atuais competições pan-europeias”, o que é bastante irônico porque um dos motivos para a mudança da Champions foi justamente tentar aplacar os anseios por uma Superliga.
O comunicado fala em diálogo aberto, cita preocupações reais de pessoas reais, como o investimento do futebol feminino ou os custos cada vez maiores de assinaturas de streamings para os torcedores, e, em vez de enormes recompensas financeiras e pagamentos de solidariedade para os clubes sem explicar de onde viria o dinheiro, a única promessa é a criação de uma plataforma grátis para transmitir as partidas.
Porque não foi uma ruptura: foi uma proposta. O começo de uma conversa. Um “que tal se fizéssemos isso aqui?” em vez do “vamos fazer isso aqui e vocês que se virem” de 2021. Pediram formalmente autorização à Uefa e à Fifa para criar a nova competição, uma maneira de jogar a bola para o outro lado da quadra para ver se as entidades serão “transparentes, objetivas, não-discriminatórias e proporcionais”.
Não houve confirmação de participantes, imagino que principalmente porque não sobrou nenhum, além de Barcelona e Real Madrid. Apresentada a proposta inicial, agora os outros clubes terão que decidir se embarcam em uma aventura incerta ou ficam com as garantias da Uefa, apesar de todos os problemas, sob o risco de termos duas competições europeias paralelas em breve - o CEO que ninguém conhece disse que 2025/26 talvez seja “muito cedo”.
A primeira hipótese pode ser complicada para alguns clubes que saíram da Superliga três anos atrás pedindo desculpas de joelhos, prometendo que nunca mais cometeriam o mesmo erro e até criando mecanismos para os torcedores vetarem futuras dissidências.
Teriam que convencê-los que foram feitas mudanças suficientes para minimizar o caráter elitista, que seria uma competição tão democrática e acessível quanto a Champions League (muito pouco democrática e acessível, mas mais democrática e acessível que a proposta anterior da Superliga), apenas com uma organização diferente, agora na mão dos clubes, potencialmente mais interessante e mais rentável, o que ainda é muito cedo para afirmar.
Fato é que a Superliga voltou. E mais esperta. O que a torna mais perigosa.
Três atos finais de três heróis humanos
Por Leandro Stein
A decisão mais difícil na carreira de um jogador de futebol é escolher o dia de pendurar as chuteiras. Não existe necessariamente um “momento ideal”, mas sim aquilo que traduz o desejo mais íntimo. O adeus serve como um divisor de águas, entre aquilo que se viveu intensamente por anos a fio e aquilo que se limitará a recordações a partir da despedida. Como alguns definem, há duas mortes na vida de um futebolista, muito embora a primeira delas já possa oferecer a dádiva da memória eterna entre incontáveis torcedores.
No último final de semana, três grandes nomes do futebol deram tal passo ao que se torna apenas lembrança, não mais vivência diária. São três histórias singulares e três despedidas bastante distintas entre si. Em comum, a identificação com o lado humano que os três conseguem suscitar.
A única despedida ocorrida num jogo oficial foi experimentada por Jesús Navas. Ainda não foi seu último compromisso, tendo em vista que está relacionado para a visita ao Real Madrid no próximo domingo, mas o que perdurará realmente foi seu último ato como jogador do Sevilla no Estádio Ramón Sánchez-Pizjuán. Foi a cena final de uma vida dedicada ao clube, dando seu passo derradeiro ao reconhecimento como maior jogador da história dos rojiblancos.
Navas não foi atleta de um clube só, considerando a passagem respeitável que teve pelo Manchester City entre 2013 e 2017. A camisa do Sevilla, ainda assim, é como sua segunda pele. Sua decisão de se aposentar também teve percalços, ignorado num primeiro momento pelos dirigentes, até que seu contrato fosse prorrogado por mais alguns meses rumo ao adeus neste final de ano. O corpo afligido pelas lesões pede um descanso. E, afinal, a grandeza do capitão já está gravada.
Navas superou a marca de 700 jogos pelo Sevilla, quase 300 a mais que o segundo da lista. Ninguém envergou mais a camisa do clube ou conquistou mais títulos. O prata da casa surgiu num momento de reconstrução, após passagens dos andaluzes pela segunda divisão. Explodiu para auxiliar os sevillistas em conquistas seguidas da Copa da Uefa. Representou o clube no título mundial com a seleção em 2010. O garoto era um orgulho que os rojiblancos queriam cuidar com carinho, especialmente após a repentina perda de Antonio Puerta, outro pupilo local. Era um deles em campo.
O talento de Navas abriu as portas da Premier League. Também fez com que a torcida do Sevilla o recebesse de braços abertos quando quis voltar, em 2017. Amarraria sua história vitoriosa no clube para faturar mais duas edições da Liga Europa. O ponta insinuante e veloz se transformou num lateral eficiente e confiável. Foi tão brilhante nesta reta final que conseguiu se recolocar na seleção espanhola para se tornar o elo com uma nova geração, medalhão no banco de reservas do time campeão da Euro 2024.
A aura de Jesús Navas no Sevilla é sobre raízes e dedicação. É humana. Ainda no início da carreira, o prodígio sofria crises de ansiedade severas quando precisava deixar a cidade de Sevilha, o que chegou a limitá-lo em certos momentos. Superados os entraves psicológicos, Navas permitiu que tanto o Sevilla quanto a seleção da Espanha expandissem suas fronteiras. Em casa, seguiu recebendo o apoio dos seus, o que se notou até o ato final.
Companheiro em parte dessas jornadas, Andrés Iniesta também receberá aplausos todas as vezes em que quiser voltar para o seu lar. O manchego não nasceu em Barcelona, mas sua identidade junto ao Barça é tão forte quanto a de qualquer catalão. A imagem de Don Andrés já estava cristalizada há tempos como um dos maiores ídolos da história barcelonista e, para tanta gente, como o maior jogador do futebol espanhol.
Iniesta já tinha se afastado dos principais holofotes do futebol há alguns anos. Preferiu um final de carreira distante das pressões de Champions League e de Copa do Mundo. Seus lampejos a partir de 2018 se deram no Japão, onde também foi venerado. Já no último ano, sem ser tão aproveitado pelo Vissel Kobe, mas ainda com vontade de jogar, teve uma rápida estadia pelos Emirados Árabes Unidos.
Iniesta preferiu viver outras faces do futebol em que pudesse desfrutar o jogo e a família, ganhando também um bom dinheiro e conhecendo novas culturas, mas com menos cobranças sobre seu corpo e sua mente. Nada que apagasse o muito que já tinha feito – pelo contrário. Dá para dizer que os rumos do Vissel Kobe se alteraram com a primazia de contar com Don Andrés.
A obra de Iniesta, de qualquer maneira, tinha se feito eterna muito antes da decisão pelo adeus. É o herói aclamado em todos os estádios da Espanha, inclusive entre rivais, tamanha gratidão pelo gol que definiu o primeiro título mundial do país. É o craque que tratou a bola com uma categoria de raríssimos e brilhou em praticamente todas as grandes finais da carreira. É o profissional exemplar, que honrou o futebol com sua postura e seu companheirismo.
Iniesta nunca deixou de exibir seu lado humano, mesmo sendo mitificado tão jovem. O craque sempre foi franco sobre suas dores – de quem saiu tão cedo do seio da família para viver seu sonho no futebol, de quem perdeu um amigo de forma repentina com a morte de Dani Jarque, de quem lidou com a depressão mesmo enquanto atravessava o período de maiores feitos da carreira. Conseguiu se refazer e viver o futebol em seus próprios termos.
O ato final de Iniesta aconteceu cercado dos seus, ainda que distante da Espanha. Um amistoso entre lendas do Barcelona e do Real Madrid, realizado em Tóquio, serviu de tributo à aposentadoria anunciada meses atrás. Foi uma grande reunião de amigos, tantos deles testemunhas do auge de Don Andrés. Um abraço era o agradecimento ideal a quem tanto ofereceu ao futebol.
E também foi com uma grande reunião de amigos, inclusive nas arquibancadas do Maracanã, que Adriano colocou um ponto final à sua trajetória nos gramados. A carreira do Imperador se encerrou, de fato, há bons anos. Seus últimos grandes momentos ocorreram há mais de uma década. Ainda assim, existia uma resistência em se admitir o que já se sabia, para não deixar de se sonhar com aquele potencial que talvez nunca tenha se cumprido por completo, mas que se fez suficiente para arrebatar tanta gente.
No fim das contas, bons momentos não faltaram a Adriano. Foi o Imperador numa Internazionale que recuperava seu domínio na Itália e de um Flamengo que reconquistou o Brasileirão depois de tanto tempo. Deixou tentos inesquecíveis para ainda outras torcidas, como ocorreu no São Paulo e no Corinthians. Cravou alguns dos gols mais significativos da Seleção no clássico contra a Argentina, o que basta por si.
O “e se…” acompanhará para sempre o olhar sobre a história de Adriano. O artilheiro é apenas dois anos mais velho que Iniesta, três que Navas. O que não se pode negar é que o Imperador fez bastante para que reconheçam o que realmente ele foi em seu intermitente auge: um centroavante avassalador, um multicampeão, um ídolo de diferentes torcidas. Também, sempre, muito humano.
Adriano valorizou o futebol de outra forma em sua caminhada. A perda do pai custou muito do seu gosto de permanecer em campo, a vontade de estar na sua comunidade guiou passos além das quatro linhas. Fez a sua escolha muito antes de se decidir pelo ato final, para preservar sua saúde mental e para viver aquilo que avaliava ser mais importante – sem ligar para críticas, absorvendo a empatia de quem o entendia.
A festa no Maracanã marcou a transição entre o que foi efêmero e o que já tinha virado eterno. Foi a sublimação de Adriano, em definitivo, como a pessoa que é – com seu carisma e suas quedas, com seu talento e a coragem rara de não se importar. Foi o Didico que riu, se emocionou e não deixou de alimentar a fantasia daqueles que sempre esperaram mais. Não seria possível ser mais quando Adriano sempre foi tão ele.
O jogo de despedida serve muitas vezes como um rito de passagem. Aqueles por tantos anos vistos como super-heróis voltam a ser apenas humanos. Adriano, Iniesta e Navas fizeram tal transição, ainda que em estágios diferentes, mas da mesma forma leve. Foram super-heróis sem nunca deixarem de ser humanos – entre a dor das perdas, em comum aos três, e o gosto da glória que eles experimentaram. Tornaram o futebol palpável naquilo que o faz diferente: a capacidade de nos identificarmos. De desfrutarmos grandes alegrias, mesmo que a vida tenha seus altos e baixos.
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O melhor do mundo é nosso
Por Felipe Lobo
O Brasil voltou a ter o melhor jogador do mundo. Vinícius Júnior foi escolhido como melhor do mundo na premiação da Fifa, The Best, depois da frustração da Bola de Ouro da France Football. A premiação aconteceu em Doha, no dia anterior à final do Intercontinental, o novo Mundial de Clubes anual da Fifa.
É o reconhecimento de um jogador que foi sim o melhor da última temporada, mesmo sem grandes atuações por sua seleção. O curioso é que ele venceu entre os capitães e venceu de lavada com o público, mas perdeu entre os técnicos e os jornalistas. Deixo para vocês pensarem nas razões para isso.
Vinícius mereceu o prêmio. Ele segue um legado de Romário, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Kaká, brasileiros que já venceram o troféu. O Brasil volta a conquistar uma premiação que não vinha para jogadores do país desde 2007. Até por isso, é muito significativo.
A conquista do prêmio não significa que o Brasil voltou ao topo do mundo, como sua ausência nesses 17 anos não significa que o país estava no ostracismo. O Brasil é quem mais exporta jogadores no mundo, seguido por Argentina e França. Há muitos jogadores brasileiros espalhados em grandes clubes e grandes ligas no mundo. Isso não mudou.
O futebol sim, esse mudou. O Brasil seguiu fazendo talentos, mas há um cenário diferente hoje, com times lotados de superestrelas na Europa. Os maiores times europeus, hoje, são mais fortes que qualquer seleção. Não era assim há 20 anos.
O futebol de seleções também mudou. É muito mais comum vermos as grandes seleções sofrendo, sem conseguir mostrar um grande futebol, porque a comparação é com os clubes europeus, seleções mundiais, com muito mais tempo para treinar.
O talento individual continua existindo. O Brasil tem goleiros, zagueiros e atacantes aos montes espalhados pela Europa. Há posições carentes, mas toda seleção tem isso. A Argentina campeã do mundo também tinha. É impossível uma seleção ter 11 craques para fardar a cada data Fifa.\
O trabalho dos técnicos é importante e isso tem faltado em grande parte nas seleções. Em parte pela falta de tempo, em parte porque os grandes técnicos raramente preferem seleções aos milionários clubes europeus. E no Brasil, onde isso acontece, vivemos uma crise de formação de treinadores.
Mas os talentos continuam lá. Vini é o maior exemplo, mas não é o único. Gabriel Magalhães, do Arsenal, Murillo, do Nottingham Forest, Rodrygo e Militão, companheiros de Vini no Real Madrid, Raphinha, do Barcelona, Gérson, do Flamengo, Luiz Henrique, do Botafogo, Estevão, do Palmeiras, Savinho, do Manchester City.
O Brasil voltou a ter o melhor do mundo. Mas nunca deixou de ser um dos maiores produtores de talento do mundo. Vini conquista o prêmio depois de ser grande destaque por ao menos dois anos. E até aqui na temporada, tudo indica que ele brigará pelo prêmio mais uma vez. Mbappé e Haaland que se virem.
A Conference ganha alternatividade rumo aos mata-matas
Por Leandro Stein
Dentre as três competições continentais da Uefa, talvez a Conference League experimente o maior impacto em relação à mudança de formato ocorrida nesta temporada. Nem tanto por causa da fase de liga, e sim pelo fim da repescagem dos times que vinham da Liga Europa para os mata-matas. A tendência é que a Conference ofereça ainda mais histórias alternativas – algo evidente nesta quinta-feira, com a definição dos 24 classificados.
Ao todo, 19 países diferentes estarão representados nos mata-matas da Conference 2024/25. Tal variedade é ajudada pelo fato de que as principais ligas do continente só contam com um clube cada no torneio. Não à toa, os países que terão mais de um time na fase decisiva possuem ligas menos expressivas. O Chipre avançou com três equipes para os 16-avos de final. Bélgica, Eslovênia e Polônia emplacaram dois classificados cada.
São muitas epopeias nesta Conference, desde as preliminares. Algumas delas perdurarão um pouco mais. Bósnia-Herzegovina, Irlanda e Islândia nunca tinham se classificado a mata-matas das competições europeias de clubes desde que as fases de grupos foram criadas. Borac Banja Luka, Shamrock Rovers e Víkingur são os pioneiros, respectivamente. A Eslovênia, que não avançava desde 2014, conseguiu agora com Olimpija e Celje.
Mesmo em países mais fortes, há boas notícias. O Vitória de Guimarães avançou com a segunda melhor campanha da fase de liga e tem o seu melhor desempenho além das fronteiras desde os anos 1980. Lugano e Cercle Brugge conseguiram se colocar diretamente nas oitavas de final, já na melhor campanha da história de ambos em copas europeias. O Panathinaikos encerra um hiato de 15 anos fora de mata-matas continentais.
É verdade também que, apesar da alternatividade, a Conference League tem favoritos claros. O Chelsea é o maior deles: sobrou na fase de liga mesmo usando um time cheio de garotos e conta com um elenco acima dos demais. A Fiorentina aparece logo atrás. Vem de dois vices e faz uma temporada boa o suficiente na Serie A para acreditar em novo sucesso. Só não dá para contar que as vitórias virão sem esforço. Betis e Heidenheim, por exemplo, ficaram devendo na fase de liga entres os representantes dos principais países.
E o desfecho da fase de classificação nesta quinta rendeu boas doses de emoção. O fato de contar com seis rodadas, duas a menos que Champions e Liga Europa, permite uma dança das cadeiras mais intensa no fechamento da Conference. Molde e TSC Backa Topola se classificaram graças a emocionantes vitórias por 4 a 3, contra Mladá Boleslav e Noah. O Celje não ficou atrás, após os 3 a 2 diante do TNS. Enquanto isso, times de ligas de peso foram eliminados precocemente, a exemplo do Hearts e do Istambul Basaksehir – os escoceses, superados apenas no número de gols marcados como critério de desempate.
Os mata-matas tendem a ter uma cara distinta em relação às três primeiras edições da Conference. Atual campeão, o Olympiacos tinha sido um dos repescados da Liga Europa, por exemplo. Agora, o fim de tal atalho reduz o número de camisas mais tradicionais vindas do torneio acima e privilegia a diversidade de países já presente na própria fase inicial da Conference. É a chance de ver mais histórias inéditas e fins de longos jejuns.
O sorteio dos 16-avos de final garante uma bela previsão dos caminhos abertos ao título e dos contos de fadas que podem ser vividos. Se ainda há muito a se aprender e a se debater sobre as novidades da Uefa nesta temporada, um acerto já perceptível é essa abertura ainda maior na Conference. A capacidade de ampliar o sonho continental a mais clubes e ligas, visível nas primeiras edições da competição, cresce ainda mais neste novo modelo.
GIRO PELO MUNDO
A Atalanta foi um dos clubes mais elogiados dos últimos anos. E com motivos: mesmo tendo recursos relativamente baixos, emendou três campanhas de terceiro lugar na Serie A e chegou às quartas de final da Champions League, sempre praticando um futebol ofensivo e divertido. Mais do que reabilitou a imagem do técnico Gian Piero Gasperini depois de uma passagem de três meses pela Internazionale em 2011, mas o ciclo deu sinais de desgaste com uma significativa regressão em 2021/22, quando terminou em oitavo, e mais um ano e meio de futebol instável em seguida. Inevitável, de certa forma, porque a Atalanta se financia vendendo jogadores que encontra e desenvolve, e não dá para acertar todas as reposições - nem elas conseguem imediatamente manter o nível dos antecessores. Mas uma brilhante arrancada no fim da última temporada, que a levou ao quarto lugar, à final da Copa Itália e ao título da Liga Europa, continuou na atual campanha e colocou a Dea na liderança do Campeonato Italiano, pelo menos entre os principais candidatos ao Scudetto. E com um time novo, com nomes como Charles De Ketelaere, Mateo Retegui, Nicolò Zaniolo e Lazar Samardzic, pontuados por jogadores que precisaram de uns anos para crescerem, como Éderson e Ademola Lookman, e veteranos do projeto, líderes experientes como Marten de Roon e Rafael Tolói. Saber se reinventar é uma arte e é principalmente por isso que a Atalanta merece elogios neste momento.
A Geórgia foi tomada por protestos neste ano. O cardápio foi amplo: uma lei que ameaça a liberdade de imprensa, eleições parlamentares consideradas fraudulentas pela oposição ou a decisão de congelar negociações para aderir à União Europeia até 2028. Entre a agitação social, um ex-jogador de futebol foi eleito presidente: Mikheil Kavelashvili, um ex-centroavante revelado pelo Dínamo Tbilisi que fez alguns jogos pelo Manchester City e passou a maior parte da carreira na Suíça, conquistando o título nacional pelo Grasshoppers em 1997/98, com oito gols em 28 partidas. Líder do Poder Popular, um desdobramento mais claramente de direita e conservador que o partido governista Sonho Georgiano, ao qual segue alinhado, foi candidato único e o primeiro presidente eleito por colégio eleitoral, após o voto direto para o cargo mais cerimonial que prático ser abolido em uma reforma constitucional em 2017. Inicialmente de centro-esquerda, o Sonho Georgiano foi pouco a pouco adotando políticas alinhadas à extrema-direita nacionalista que tem ganhado terreno na Europa, inspirando-se no líder húngaro Viktor Orbán e promovendo visões anti-Ocidente, teorias da conspiração e a defesa de “valores” por meio de, por exemplo, leis que reduziram os direitos da comunidade LGBTQ+. O temor das ruas é que a Geórgia esteja sendo empurrada novamente para a órbita da Rússia. O bilionário Bidzina Ivanishvili, que como bom oligarca fez uma fortuna equivalente a um quarto do PIB da Geórgia na Rússia nos anos noventa e ocupou brevemente o cargo de primeiro-ministro entre 2012 e 2013, é acusado de ser leal a Moscou e considerado o homem por trás das cortinas do Sonho Georgiano. Foi ele quem indicou Kavelashvili à presidência. Não é uma novidade no país, que tem o ex-defensor do Milan, Kakha Kaladze, como prefeito de Tbilisi e secretário-geral do partido dominante do parlamento.
A conquista do Vélez Sarsfield no Campeonato Argentino esteve por um fio, mas o alívio de recobrar a taça após 11 anos valeu também o merecido reconhecimento à carreira construída pelo técnico Gustavo Quinteros. Embora nascido na Argentina, o ex-zagueiro fez sua trajetória como atleta majoritariamente na Bolívia e até disputou a Copa de 1994 como jogador de La Verde. Já como treinador, os primeiros louros vieram no próprio Campeonato Boliviano, campeão à frente do Blooming em 2005, antes de repetir o feito com o Bolívar e de ser bicampeão com o Oriente Petrolero. Graças aos feitos, foi técnico da seleção da Bolívia em curta passagem. Também faturou um bicampeonato no Equador, à frente de um forte Emelec, que igualmente rendeu um breve emprego na seleção local. Depois provou-se no Chile, campeão com a Universidad Católica, antes de salvar o Colo-Colo do rebaixamento para logo depois levá-lo ao topo do pódio. O Vélez representa seu nono troféu de liga em 19 anos, pelo sétimo clube distinto e no quarto país diferente. O mais notável, em seu país natal, onde seu maior sucesso até então era ter levado o San Martín de San Juan à primeira divisão em 2007, após 37 anos de hiato. Enfim, grava sua história dentro de casa.
O Campeonato Boliviano terá sua grande final neste domingo, 22 de dezembro, em Cochabamba. O surpreendente San Antonio Bulo Bulo, campeão do Apertura, será desafiado pelo Bolívar, que dominou o Clausura e confirmou a passagem nesta quarta-feira. Como de costume nos últimos anos, especialmente desde a estadia de Antônio Carlos Zago pela casamata entre 2021 e 2022, o Celeste conta com destaques brasileiros. Bruno Sávio é um velho conhecido da torcida e honra a camisa 10, com gols importantes nesta segunda passagem pelos paceños. O zagueiro Anderson chegou para o Clausura e contribuiu ao crescimento do time. Já Fábio Gomes, que começou o ano no Sydney FC, virou um dos xodós da torcida em La Paz nesta reta decisiva. São sete gols e duas assistências nas últimas cinco aparições do atacante. Balançou as redes no clássico contra o Strongest e fez três tentos no jogo do título do Clausura, contra o Oriente Petrolero. Se a taça da liga vier na final em jogo único, Fábio tem grandes chances de terminar como herói.
Ninguém esperava a saída de Kasper Schmeichel do Leicester quando ela aconteceu, em 2022. A identificação do goleiro com o clube e seu status de lenda sugeriam que sua aposentadoria ocorreria no Estádio King Power, mas uma proposta do Nice fez o capitão mudar de ares antes mesmo do rebaixamento das Raposas. As duas últimas temporadas não foram tão frutíferas ao veterano, que se saiu mal na França e ficou abaixo do radar com o Anderlecht em 2023/24. Já na atual temporada, Schmeichel volta aos holofotes, mesmo aos 38 anos. No ocaso da carreira, ainda tem gás para se provar como ídolo do Celtic. E cumpre a missão, ao ser contratado para substituir o recém-aposentado Joe Hart na meta alviverde. Assim como ocorreu com seu antecessor, Schmeichel experimenta uma redenção em Parkhead. No reencontro com Brendan Rodgers, o veterano se coloca como uma liderança natural na equipe que domina o Campeonato Escocês e briga pelos mata-matas na Champions League. Os clássicos, de qualquer forma, são um atalho para a memória coletiva – ainda mais na Old Firm, valendo taça, e numa inédita definição nos pênaltis. A loucura imperou com bola rolando na decisão da Copa da Liga, num 3 a 3 contra o Rangers em que o camisa 1 operou seus milagres. Já na marca da cal, ele deu o troféu ao Celtic após defender o penal de Ridvan Yilmaz. Kasper Schmeichel é goleiro de jogo grande e segue com ganas de ampliar sua bonita história – quem sabe, até com outra Copa do Mundo pela frente.
Dados aterradores divulgados nesta semana pela federação palestina de futebol apontam que 644 atletas locais foram mortos durante os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza nos últimos meses. São 359 jogadores de futebol mortos, incluindo 91 crianças inscritas nas ligas locais. Além disso, também foram destruídas 265 instalações esportivas, sendo nove dos dez estádios de futebol existentes em Gaza. O massacre priva os palestinos de seus escapes, de seus sonhos, de suas vidas. Gerações se perdem, enquanto o futebol se torna mais um alvo na tentativa de minar a construção de uma identidade e de uma perspectiva de futuro. E mesmo com tamanho horror, que não se faz alheio ao esporte, a Fifa e as demais entidades internacionais lavam as mãos diante dos pedidos de uma postura mais contundente contra Israel.
André Jardine fez história no futebol mexicano com o tricampeonato pelo América. Não é um feito comum. Fez sucesso pelo San Luis, foi contratado pelo América, fez uma campanha cheia de recordes no primeiro título e nos dois anos seguintes foi um time de chegada. Em 2024, foi oitavo na fase de classificação, mas soube decidir e ficou com o troféu. Jardine está sendo discutido entre os maiores técnicos da história do clube. Não será surpresa se pintar na seleção mexicana no futuro.
Precisamos acompanhar os desdobramentos dessa volta da Superliga em 2025, me preocupa saber como a maioria dos cartelas dos clubes que nunca deram um chute na bola, para aumentar seus lucros vão empilhando campeonatos em cima de campeonatos as custas da exaustão dos atletas, e ainda com preços altos nos ingressos, afastando os mais pobres e deixando o futebol somente para as elites. Para satisfazer os desejos de uns poucos que lucram em desfavor desta máquina de paixões, que cada vez mais se desconecta do seu principal produto o torcedor.