CBF, capos e a ESPN
Como foram os bastidores do afastamento de seis jornalistas da CBF após programa que criticou a CBF
Tivemos uma semana de POLÊMICAS (saudoso Roberto Avallone), especialmente pelo episódio ESPN e CBF. Trazemos os bastidores do que aconteceu. Passamos também pela Champions League, com os torcedores do Arsenal fazendo festa com arroz. Tem também as competições sul-americanas e outros destaques pela Concacaf e África. Desfrute!
Sugestões, críticas, elogios, quer só mandar um abraço: contato@meiocampo.net.
CBF, capos e a ESPN
Por Felipe Lobo

Foi na madrugada de segunda para terça que surgiram as primeiras informações: jornalistas da ESPN teriam sido afastados depois de gravarem um programa dedicado a repercutir a reportagem da revista Piauí, “Coisas Extravagantes”, sobre os desmandos do poder de Ednaldo Rodrigues. A informação chocou e foi preciso algumas horas para entender o que aconteceu.
O que aconteceu, afinal? Gian Oddi falou no seu Twitter, como já tinha falado em programa da própria ESPN, que achava que a matéria da Piauí teve menos repercussão do que deveria e que o Linha de Passe de segunda-feira (7 de abril) seria dedicado a isso.
A ESPN fechou a transmissão da Série B com a CBF (que, na verdade, só organiza a competição, porque o contrato de transmissão é com os clubes). Como o acordo de transmissão foi acertado em cima da hora, as transmissões começaram antes mesmo do contrato ser assinado. A transmissão da Série B começou na ESPN na sexta e passou pelo fim de semana.
Segundo consta, Ednaldo Rodrigues nem se incomodou com o fato de ter um programa para repercutir a matéria da Piauí, que é muito negativa para ele. Pessoas dentro da CBF, porém, quiseram agir e entraram em contato com a ESPN para saber sobre o programa, que iria ao ar mais tarde.
Os diretores da ESPN não costumam interferir no dia a dia da equipe editorial, segundo mais de uma pessoa confirmou. O que os executivos da emissora sabiam quando a CBF entrou em contato era que a reportagem da Piauí seria um dos assuntos do programa, e não seria um programa dedicado a isso. Não foi o que aconteceu.
O Linha de Passe comandado por William Tavares tinha na bancada, além de Gian Oddi, também Paulo Calçade, Vitor Birner e Pedro Ivo Almeida, todos profissionais tarimbados, competentes e experientes. O editor do programa, Dimas Coppede, também é um dos mais experientes da emissora e elogiado por colegas, com um bom tempo de casa.
O programa foi, como esperado, muito duro com a CBF, com Ednaldo e com os clubes pela situação exposta na matéria, que mesmo não sendo surpreendente, é estarrecedora.
Representantes da CBF se incomodaram e decidiram cobrar a ESPN. Ouviram dos executivos que “a emissora tem independência editorial” e por isso tratou do assunto, mas que houve um erro de comunicação da equipe sobre o conteúdo do programa.
No dia seguinte, todos os jornalistas foram afastados por 48 horas. Uma situação que gerou incômodo geral dentro da empresa e com o público, que já estava estarrecido com a CBF, agora estava também com a atitude da emissora.
Segundo pessoas com conhecimento sobre o que aconteceu, os executivos repreenderam a equipe editorial por não ter avisado à direção sobre o programa ser inteiramente dedicado à CBF, em um momento delicado da negociação dos direitos da Série B.
Diretores da ESPN temeram que a CBF roesse a corda para impedir que o acordo de transmissão fosse fechado – o que, segundo pessoas com conhecimento da CBF, nunca passou perto de acontecer e nem foi citado nas conversas com a ESPN.
Segundo pessoas informadas sobre a negociação da ESPN para transmitir a Série B, a relação da emissora com a CBF nunca foi tão boa e os números iniciais da primeira rodada de transmissão foram animadores. Por isso, houve o temor que tudo isso pudesse ruir. Afinal, na prática, o contrato de transmissão não estava assinado.
A CBF negou que tenha feito qualquer pedido à emissora nesse sentido. “A CBF respeita a liberdade de imprensa com responsabilidade e não pede interferências de nenhum tipo na linha editorial de veículos de comunicação. Qualquer narrativa diferente desta é mentirosa e leviana”, disse a CBF, em nota.
Não teria sido Ednaldo que se incomodou com a situação, mas um diretor que “quis mostrar serviço”, segundo uma pessoa com conhecimento da situação. Em um momento que Ednaldo se mostrou forte nos bastidores, foi uma tentativa de mostrar lealdade ao presidente.
Dentro da ESPN, foi garantido aos profissionais que eles continuariam tendo liberdade editorial para tratar dos temas que achassem relevantes e não foi feito nenhum pedido para amenizar discurso ou críticas. Ainda assim, o incômodo dentro da empresa ficou evidente, não só entre os afastados, mas em todo corpo de jornalistas da empresa.
A repreensão foi por terem comunicado que o programa teria a matéria da Piauí como um dos assuntos e acabou sendo o único tema. Um erro de comunicação que as pessoas envolvidas passariam a trabalhar para que não mais acontecesse. Nesta quinta-feira, os profissionais foram reintegrados normalmente.
Na quarta-feira, Gian Oddi publicou em suas redes sociais um vídeo em que confirma que voltam na quinta com a mesma liberdade que sempre tiveram, sem qualquer prejuízo nesse sentido. E que se não fosse assim, ele não voltaria – e aqui dá para dizer que nenhum dos outros voltaria se não fosse assim.
O afastamento foi um tiro no próprio pé da ESPN. A imagem da emissora acabou prejudicada no que foi visto como um gesto de subserviência à CBF. Pior ainda para uma emissora que sempre se caracterizou por ter um tom crítico – ainda que mudanças na programação tenham deixado a emissora mais leve e com mais elementos de entretenimento.
A CBF também piorou ainda mais a sua imagem. A ideia de que alguém na entidade fez o papel de capo para ameaçar, ainda que sem ameaças claras, algo que considerou que poderia ser prejudicial à entidade e seu presidente, parece algo tirado de um roteiro de filme sobre a máfia.
Se as pessoas já têm a impressão que a CBF se parece com uma máfia, esse episódio só reforçou essa sensação. O chefe da organização sequer precisa se envolver em assuntos assim: os seus imediatos tratam de defender a entidade. Tudo isso, diga-se, em um programa que não teve gritaria, xingamentos, críticas infundadas ou mesmo exageros. Foi um programa para repercutir uma matéria que trouxe informações realmente alarmantes sobre o futebol brasileiro - embora, novamente, não fossem surpreendentes.
Os jornalistas envolvidos saíram ainda maiores do episódio. Todos eles são do mais alto gabarito, trataram do assunto com a seriedade exigida, com críticas justas dentro do que se viu. Com o equilíbrio e ponderação que parece um pouco em falta em tempos de gritaria para conseguir espaço na duríssima disputa por atenção em meio a notificações sensacionalistas e gritões na internet.
Dos capos à autocensura, um episódio que a ESPN foi quem mais perdeu, que a CBF piorou ainda mais a sua imagem, já muito arranhada, e que o jornalismo pareceu ainda mais atacado – algo que está na moda nos últimos anos.
Como público, como torcedor e como jornalista, espero que a ESPN tenha aprendido a lição. Porque da CBF eu espero esse exato comportamento, mas da ESPN, e de qualquer veículo sério, eu espero mais.
O que aconteceu na Champions League
Por Bruno Bonsanti
- Declan Rice nunca havia feito um gol de falta na vida, e aí, aos 25 minutos do segundo tempo das quartas de final da Champions League contra o Real Madrid, ele pensou “agora eu se consagro (sic)” e…. se consagrou. A história diz que é necessário algo especial para derrotar o maior campeão desta competição e isso ficou por conta de duas ótimas cobranças do volante de 100 milhões de libras. A primeira gerou uma multiplicação inesperada de especialistas em posicionamento de barreira, a segunda não poderia ter sido mais no ângulo. O Real Madrid de Carlo Ancelotti se inspira na fábula da Chapeuzinho Vermelho: tem vezes que parece uma velhinha inofensiva, mas de repente tira o capuz e solta uma mordida fatal. O principal mérito do Arsenal na partida foi impedir que isso acontecesse, independente da situação do placar, com exceção de alguns contra-ataques. O segundo mérito foi sentir cheiro de sangue para chegar a um placar que mataria a eliminatória contra 99% dos times, menos o que terá que visitar na semana que vem. A maneira como os dois primeiros gols saíram foi rara - o Arsenal, como um todo, não marcava de falta há quase quatro anos -, mas eles deram justiça ao que estava acontecendo em campo.
- Como muitos treinadores que comandaram o Bayern de Munique, Hansi Flick tinha um histórico positivo contra o Borussia Dortmund. O seu, porém, era especial: havia vencido todos os seis confrontos que disputou (cinco pelos bávaros, um pelo Barcelona), com 18 gols feitos. Apenas uma vez, em maio de 2020, marcou menos de três vezes. Então, quando Lewandowski completou o cruzamento rasteiro de Fermín López, foi apenas as estatísticas lembrando que precisam ser levadas a sério. E como marcar um cara como Lamine Yamal, que não apenas é rápido e dá elástico, mas também tem um passe tão preciso que construiu a jogada dos dois gols de Lewandowski? E aos 17 anos??? O Borussia Dortmund estava desfalcado no meio-campo, mas é difícil imaginar quais jogadores podem neutralizar Frenkie de Jong e Pedri hoje em dia. Serhou Guirassy, em ótima temporada, furou uma tentativa cara a cara com Szczesny, então também não é que deu tudo certo para os visitantes, mas raras vezes se viu um time tão superior ao outro em todos os aspectos: técnico, tático, mental, físico, intensidade. Isso não deveria acontecer nas quartas de final da Champions League.
- É engraçado que tenhamos gastado tanto tempo elogiando como o Paris Saint-Germain finalmente se tornou um time coletivo apenas para seus dois primeiros gols no Parque dos Príncipes saírem do talento individual dos dois pontas. Mas o segundo, de Kvaratskhelia, ilustrou bem como Luis Enrique conseguiu misturar as duas coisas para tirar talvez o melhor desempenho do PSG em toda a Era Catar. Pelo menos o período de mais regularidade em altíssimo nível. Desiré Doué deve figurar bem em todos os prêmios de revelações ou jogadores jovens da temporada, talvez vencê-los se a gente começar a tratar Lamine Yamal como o adulto que parece ser, símbolo de um PSG que desenvolve mais do que compra. Embora o tenha comprado. Por € 50 milhões. Mas ainda está valendo. De volta às fases agudas da Champions League pela primeira vez desde 1983, o Aston Villa foi bravo e castigou no contrapé, com mais um gol de Morgan Rogers, agora seu artilheiro na temporada por todas as competições, empatado com Ollie Watkins. Estava segurando um placar que lhe deixava vivo e permitia que evocasse a mística europeia do Villa Park, mas deixou Nuno Mendes escapar, a 1min30s do apito final, e agora ficou bem mais difícil. .
- Francesco Totti “polemizou”, “provocou”, “disparou”, ao dizer que Lionel Messi não ganharia nenhuma Bola de Ouro se jogasse na Roma. Talvez tenha exagerado, mas aí alguém consegue explicar como Lautaro Martínez nunca entrou nessa conversa? Tudo bem que ele não chega aos números necessários para chamar atenção hoje em dia, mas, desde que vagou perdido pelo deserto na Copa do Mundo do Catar, é um dos artilheiros mais confiáveis do mundo. E tem recursos, como o tapa de três dedos para abrir o placar na Allianz Arena. Sendo justo com o Bayern de Munique, o primeiro gol deveria ter sido seu, pelo volume de chances criadas, e deveria ter saído pelos pés de outro artilheiro bastante confiável, mas Harry Kane tirou demais de Yann Sommer. Um dos pontos fortes da Internazionale de Simone Inzaghi, a força do apoio dos alas, apareceu nos acréscimos para estragar o que parecia caminhar para uma história previsível: Thomas Müller arrancando o empate na semana em que anunciou que deixará o clube da sua vida. O Bayern de Munique foi o Bayern de Munique na Bundesliga, mas passamos a temporada toda debatendo como se comportaria nos grandes jogos. Foi bem em alguns, não foi bem em outros e precisará ir muito bem no próximo para salvar sua campanha na Champions League.
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As novas façanhas dos desbravadores da América
Por Leandro Stein
O nome da Copa Libertadores evoca um espírito desbravador, em que a paixão pelo futebol se mistura com o passado de libertação do domínio colonial na América. Além do mais, nenhum outro continente impõe desafios geográficos tão explícitos aos seus times. Vencer fora de casa nas competições sul-americanas, quase sempre, significa também superar obstáculos da natureza ou outras barreiras oferecidas pelos adversários. E o caráter desbravador ficou em evidência numa semana inesquecível para alguns clubes que abrem seus caminhos no continente, tanto na Libertadores quanto na Copa Sul-Americana.
O Bahia é um clube enorme – por sua torcida, por sua história, pela tradição que evoca. Porém, o Tricolor ainda tenta fincar raízes mais profundas além das fronteiras, com aventuras pontuais nos torneios continentais em seu passado. Esta é apenas a quarta participação do Bahia na Libertadores, a primeira em 37 anos. Mesmo entre os “libertadores fundadores”, presentes na edição inaugural em 1960, os tricolores nunca haviam vencido um jogo fora do país pelo torneio. Nunca até esta quarta-feira, quando um capítulo se inaugurou em Montevidéu.
Não foi qualquer jogo que o Bahia venceu, afinal. O Tricolor derrotou o Nacional, um tricampeão continental, dentro do Gran Parque Central – o estádio mais antigo do continente, presente na primeira Copa do Mundo. Até pelas circunstâncias do futebol atual, o Bahia é um clube com melhores condições financeiras que o Nacional. O que não anula o peso pelo ineditismo, dentro de um verdadeiro caldeirão, em uma noite de homenagens dos uruguaios – que se despediam do ex-goleiro Manga, protagonista na conquista da Libertadores de 1971.
O Bahia pareceu disposto a tomar as rédeas para si em Montevidéu. Ser protagonista da Libertadores. O time de Rogério Ceni criou boas chances desde o primeiro tempo, até que uma pintura de Erick Pulga determinasse o triunfo por 1 a 0 na segunda etapa. Mais emblemático ainda que o placar nascesse dos pés de um jogador que sequer estreou na Série A, com sua história escrita nas três divisões de acesso do Brasil. Foi o explorador de um Tricolor valente, que conteve a pressão pelo empate e comemorou bastante o resultado ao apito final. Não poderia ser diferente, é um sinal de ambição.
Se para um clube como o Bahia esse resultado vale demais, imagina para um estreante na Libertadores, que estabeleceu sua façanha em pleno Maracanã? Foi o que alcançou o Central Córdoba, com seu Maracanazo particular ao derrotar o Flamengo por 2 a 1. Estar na primeira divisão do Campeonato Argentino já é algo especial ao Ferroviário, um time que só tinha duas aparições na elite até 2019. Vencer a Copa Argentina em 2024, então, representou um marco aos alvinegros e ao futebol de Santiago del Estero, no maior título da história da região. E a província também ganhou o direito de abrir sua história na Libertadores 2025. Destravou uma parte do mapa na competição continental.
A primeira partida do Central Córdoba, um empate por 0 a 0 com a LDU na Argentina, não chamou tanta atenção. O desafio do tamanho do Maracanã foi contra o Flamengo, num duelo de abismos financeiros e de conquistas. O mais importante é que o Ferroviário não se apequenou. Incomodou os rubro-negros desde os primeiros minutos e o pênalti precoce provocou um baque, antes que os argentinos ampliassem antes do intervalo. Os rubro-negros estiveram muito distantes da inspiração que se esperava, relembrando traumas de alguns anos atrás na Libertadores. Só foi possível também pela valentia do Central Córdoba, que se permitiu acreditar. Fez algo que nenhum outro clube argentino conseguiu: vencer o Fla no Maraca pela Libertadores.
Já na quinta-feira, seria a vez do Cilindro de Avellaneda desabar. O Atlético Bucaramanga é um clube acostumado a enfrentar grandes estádios na Colômbia, até por ter uma tradição inegável na primeira divisão local. São 79 participações dos Leopardos na elite nacional, presentes desde os tempos de Eldorado. É o décimo clube que mais disputou a primeira divisão. Só que, diferentemente dos nove times à sua frente, o Auriverde raras vezes pintou na Libertadores. Sua estreia ocorreu em 1998 e a volta se consuma 27 anos depois. A equipe, ao menos, se classificou com a honra de ser campeã do Apertura 2024, em seu aguardado primeiro título da liga. O sonho vem alimentado por um especialista na Libertadores, Leonel Álvarez, autor do gol que fez o Atlético Nacional campeão nos pênaltis em 1989 e hoje treinador.
A estreia do Atlético Bucaramanga nesta edição, com um animado empate por 3 a 3 contra o Colo-Colo, prometia à sua torcida uma participação agitada. O que ocorreu na visita ao Racing, no entanto, garantiu os melhores sonhos dos auriverdes. A Academia pode vir como melhor time argentino do momento, o atual campeão da Sul-Americana, capaz de atropelar o Fortaleza na primeira rodada. Dentro do Cilindro, quem provocou um baque foram os Leopardos, mesmo que as arquibancadas vazias por punição evitassem os gritos de lamento dos locais. O goleiro Aldair Quintana acumulou ótimas defesas, para que na frente os argentinos Fabián Sambueza e Luciano Pons garantissem o triunfo por 2 a 1 aos colombianos.
E a Copa Sul-Americana ainda brindou uma história inesquecível para os rincões do Equador, através do Mushuc Runa. O clube pode nunca ter disputado a Libertadores, mas é um dos que mais possui ligações com os verdadeiros libertadores, ao trazer um nome em quéchua e representar a comunidade indígena da cidade de Ambato. O Ponchito se acostumou à primeira divisão do Campeonato Equatoriano desde 2014, quando fez sua estreia e só teve um breve hiato de volta à segundona. Teve suas primeiras aparições na Sul-Americana em 2019 e 2022, sem passar pelas preliminares. Desta vez a fase de grupos veio, com feitos maiores logo de cara.
A estreia auspiciosa do Mushuc Runa na fase principal contou com a movimentada vitória por 3 a 2 sobre o Palestino, em Riobamba. Já na primeira viagem, um gigante de concreto pela frente, o Mineirão. Um gigante continental também, o Cruzeiro, num processo de resgatar o passado glorioso que traz consigo um vice-campeonato recente e uma coleção de atletas com muitas histórias além das fronteiras. Não foram eles a assustar o Ponchito, que anotaram 2 a 1 em Belo Horizonte. O gol no primeiro tempo já mostrou como os equatorianos estavam dispostos a aprontar. E, mesmo sofrendo o empate, arrancaram a vitória na reta final. Puniram os erros cruzeirenses para viver sua glória.
O futebol visto apenas do sofá por vezes perde a mão das sensações dos jogos fora de casa. A experiência de fazer longas travessias, se impor dentro de um ambiente hostil, celebrar quando tudo mais ao seu redor é silencioso. A Libertadores e a Copa Sul-Americana têm suas grandes histórias moldadas por esse espírito de conquista e libertação. Mais nobre quando há um senso de ineditismo que ignora a pequenez, como nos casos de Central Córdoba ou Mushuc Runa. Ou quando esta primeira vez representa, na verdade, o fim de uma longa espera, como a do Bahia e do Atlético Bucaramanga.
Num mundo cada vez mais padronizado, as supremacias também forçam o futebol a uma mesma direção. A Libertadores, sobretudo, tem sido retrato disso com seus domínios e vencedores repetidos. Por sorte, o futebol possui seus meandros para o novo – e o futebol sul-americano, tão rico culturalmente, se enriquece ainda mais por isso. De um lado os resultados podem falar sobre grandes fracassos a quem perdeu. Essas feridas, contudo, uma hora ou outra serão curadas. O que fica vivo na memória é o sabor doce da primeira vez. A primeira conquista no mapa que as torcidas de Bahia, Central Córdoba, Atlético Bucaramanga e Mushuc Runa poderão recontar.
🎧PODCAST MEIOCAMPO #122
Segunda rodada da fase de grupos da Libertadores foi ofuscada pela morte de dois jovens no Chile e invasão de campo que paralisou Colo-Colo x Fortaleza. Em campo, o Central Córdoba conseguiu uma zebra do tamanho do Maracanã, e o Bahia, sua primeira vitória como visitante. Também rodamos o começo das quartas de final da Champions League, com as impressionantes vitórias de Arsenal, Barcelona, PSG e Internazionale, além das outras copas europeias, continentais ao redor do mundo e a renovação de Mohamed Salah.
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Giro
- Cabe aguardar as investigações das autoridades do Chile para conhecer os detalhes, mas há muitos indícios de que a tragédia ocorrida nesta quinta-feira, no Estádio Monumental David Arellano, poderia ter sido evitada. Dois adolescentes (uma garota de 18 anos e um garoto de 13) faleceram nos arredores do estádio durante uma confusão para tentar entrar no local, e são averiguadas as circunstâncias – se teriam sido atropelados por um carro da polícia ou vítimas de um esmagamento. Fato é que, mais uma vez, os responsáveis por organizar um jogo de futebol se mostraram inaptos para lidar com uma multidão, das forças policiais à gestão do futebol local. A responsável pelo planejamento de segurança dos estádios no Chile (a chamada “Estadio Seguro”) renunciou ao cargo, o mínimo que se espera diante de tamanha tragédia. De quem não dá para se esperar muito é da Conmebol, que realizou a partida entre Colo-Colo e Fortaleza mesmo depois das mortes. A invasão de campo pela torcida chilena, no segundo tempo, teria sido uma reação à notícia das perdas. As cenas de violência campal chocam, mas ainda assim não expressam o tamanho do desastre do lado de fora. Enquanto isso, depois de esvaziadas as arquibancadas, a Conmebol queria a retomada do jogo. Foram os dois clubes, corretamente, que recusaram. É o sinal máximo da alienação da Conmebol em relação à realidade, mais uma vez. Uma pena que Alejandro Domínguez não vá renunciar, como deveria, depois de uma coleção de atitudes nefastas à frente da entidade.
- A Liga Europa é o torneio continental mais equilibrado da Uefa. Tal afirmação se comprovou nos jogos de ida das quartas de final, com três empates, o que não impediu fortes emoções. O Lyon evitou a derrota para o Manchester United com o empate por 2 a 2 no apagar das luzes. Foi uma partida de muitas alternativas e chances de gol na França, em que os Red Devils viram André Onana falhar (depois do bate-boca com Nemanja Matic no meio da semana) e se recuperaram para a virada, mas sofreram o gol derradeiro do ótimo Rayan Cherki nos acréscimos. Em Londres, o Tottenham lamentou o 1 a 1 com o Eintracht Frankfurt, mesmo que os alemães tenham aberto o placar logo cedo com Hugo Ekitiké. O gol de letra de Pedro Porro foi pouco, diante do bombardeio dos Spurs sobretudo no início do segundo tempo, parando duas vezes na trave e nas ótimas defesas do goleiro brasileiro Kauã Santos. Já o Athletic Bilbao poderia ter ido muito além do 0 a 0 contra o Rangers em Ibrox. Os escoceses tiveram uma expulsão aos 13 minutos e se seguraram na defesa, com um pênalti defendido por Liam Kelly na reta final.
- O único time a realmente dar um passo à frente pela classificação na Liga Europa foi o Bodo/Glimt. E mais uma vez os aurinegros apresentaram seu potencial nos torneios continentais, sem tomar conhecimento da Lazio na gelada partida na Noruega. O placar de 2 a 0 poderia ter sido mais amplo, dado o domínio do Raio e a quantidade de chances criadas. Os gols de Ulrik Saltnes, de qualquer maneira, ressaltam a qualidade do time no trato com a bola, garantindo trocas de passes envolventes e até uma linda finalização de cavadinha. Alguns dos destaques do Glimt já saíram e voltaram a Bodo, a exemplo de Patrick Berg, Jens Petter Hauge e Nikita Haikin. A grande constante no sucesso do clube é o comando de Kjetil Knutsen, desde 2018 à frente da equipe e capaz de renovar o poderio sem abdicar de seu estilo de jogo agressivo. É quem realmente faz hora extra e poderia ganhar uma oportunidade em centros maiores. Por enquanto, surfa nas façanhas do Bodo/Glimt, que pode se tornar o primeiro clube norueguês em uma semifinal europeia.
- Já a Conference League possui três favoritos cantados nos duelos das quartas de final. Todos eles venceram suas partidas de ida. O Chelsea encarou a pressão em Varsóvia, mas não se intimidou para construir os 3 a 0 sobre o Legia no segundo tempo. O Betis também não teve problemas para logo fazer 2 a 0 sobre o Jagiellonia Bialystok, com direito a gol do promissor Jesús Rodríguez diante de uma inflamada torcida no Benito Villamarín. O resultado ficou barato para o nível de domínio dos verdiblancos. A Fiorentina até permitiu que o Celje descontasse, mas o triunfo por 2 a 1 na Eslovênia também aproxima a classificação. Indefinição apenas no embate entre Djurgardens e Rapid Viena, para ver quem será o azarão nas semifinais. Dentro da Suécia, os austríacos voltaram com uma ótima vitória por 1 a 0. Deram sorte, num gol contra de Hampus Finndell que traiu seu goleiro e facilitou aos visitantes.
- Outros continentes também tiveram rodada decisiva em suas principais competições nesta semana. A Concachampions, em especial, pegou fogo. As semifinais foram definidas e terão duelos internos entre clubes da MLS e da Liga MX. A tradição fica para Cruz Azul contra Tigres. O Cruz Azul poderá igualar os sete títulos do rival América após eliminá-lo, com o triunfo por 2 a 1 no clássico definido por Ángel Sepúlveda. Já o Tigres, vencedor da Concachampions de 2020, tirou o Los Angeles Galaxy. Vitória por 3 a 2 sobre os atuais campeões da MLS, com os brasileiros Rômulo e Rafael Carioca decisivos. Do outro lado, o Inter Miami desafia o Vancouver Whitecaps, ambos em busca da final inédita. O Inter Miami virou o placar contra o Los Angeles FC, anotando 3 a 1 na Flórida após o 1 a 0 na Califórnia. Lionel Messi fez dois gols (o primeiro, uma pintura, e o segundo vencendo Hugo Lloris na marca da cal, tal qual a final da Copa do Mundo), num jogo em que os oponentes tinham aberto o placar. Aos Whitecaps, coube o gosto de derrubar um mexicano, o Pumas UNAM. Foram dois empates, por 1 a 1 e 2 a 2, com os gols fora beneficiando os canadenses. O tento decisivo na visita ao México saiu aos 48 do segundo tempo, graças a Tristan Blackmon.
- A Champions Africana terá semifinais bastante distintas, entre potências costumeiras e novos aspirantes. De um lado, se enfrentarão o egípcio Al Ahly e o sul-africano Mamelodi Sundowns. Presente em sete das últimas oito finais, com quatro títulos, o Al Ahly venceu as duas partidas contra os sudaneses do Al Hilal – que, por conta dos conflitos no país, têm jogado o Campeonato Mauritano. Já o Mamelodi foi campeão em 2016, classificando-se para todas as edições desde então. Desta vez despachou o tunisiano Espérance, com 1 a 0 em casa e 0 a 0 fora, no duelo de mais peso das quartas. Do outro lado, a chance de ascensão pinta para Orlando Pirates e Pyramids, em outro embate da África do Sul com o Egito. Os Pirates foram os primeiros sul-africanos campeões do torneio, em 1995, mas não jogam a final desde 2013. Passaram pelo MC Argel. Já o Pyramids, de forte investimento nos últimos anos, fez sua estreia na Champions durante a última temporada e agora se aproxima da final. Eliminou o FAR Rabat, com os 4 a 1 no Cairo permitindo os 2 a 0 dos oponentes no Marrocos. Menção ainda à Copa da Confederação, a “Sul-Americana da África”, que terá nas semifinais RS Berkane (Marrocos) contra CS Constantine (Argélia) e Simba (Tanzânia) contra Stellenbosch (África do Sul). Só os marroquinos possuem troféus continentais anteriores, em 2020 e 2022.
- Ainda foram conhecidos os finalistas da Champions da Oceania. A presença do Auckland City na decisão não é nenhuma surpresa, depois da vitória por 2 a 0 sobre o Ifira Black Bird, de Vanuatu. Os neozelandeses totalizam 12 títulos continentais, sendo os atuais tricampeões. O desafiante da vez é o Hekari United, de Papua Nova Guiné, que se classificou com o triunfo por 1 a 0 sobre o Tiga Sport, de Nova Caledônia. O Hekari foi justamente o primeiro clube além de Nova Zelândia ou Austrália a vencer o título continental na Oceania. O feito foi registrado em 2010, quando bateram na final o Waitakere United – neozelandês responsável por tirar o Auckland na fase anterior. Dois brasileiros defendem o Hekari atualmente: o zagueiro Erick Joe e o volante Lucas Santos.
- O Birmingham City foi o primeiro clube a comemorar seu acesso nas ligas profissionais do Campeonato Inglês em 2024/25. Na última terça-feira, os Blues consumaram seu retorno à Championship uma temporada após a queda. A festa na League One, a terceira divisão inglesa, veio com seis rodadas de antecipação. É uma campanha soberana do time, com 95 pontos em 40 partidas, a somente oito pontos do recorde da divisão. Foram somente três derrotas, num time de futebol dominante, que chega a quase 67% de posse de bola na média. O sucesso é natural, diante do investimento no elenco, com 17 reforços no verão. Treinado por Chris Davies, antigo assistente de Ange Postecoglou e Brendan Rodgers, o Birmingham possui vários jogadores com experiência na Premier League. O artilheiro do time é o atacante Jay Stansfield, que custou € 17,8 milhões junto ao Fulham (valor recorde na história da terceirona) e correspondeu com 18 gols. Em 2023, os Blues foram adquiridos pela Shelby Companies – empresa de origem americana, com o astro Tom Brady entre os acionistas minoritários, apesar do nome ser uma clara referência ao seriado Peaky Blinders. O rebaixamento em 2023/24 gerou muitas críticas à gestão, com a desastrosa aposta em Wayne Rooney no comando, mas os investimentos pesados e a guinada em 2024/25 apontam para horizontes maiores, com a construção de um novo estádio e quem sabe uma volta à primeira divisão em breve. Quem também se candidata a subir na League One é o Wrexham, de grande simpatia por seus donos (Ryan Reynolds e Rob McElhenney) e seu badalado seriado. Os galeses são os vice-líderes, com 81 pontos, três de vantagem sobre o Wycombe Wanderers, a maior ameaça.
- O futebol holandês, de tantas mentes privilegiadas, se despediu de um de seus principais treinadores nesta quinta-feira. Faleceu Leo Beenhakker, aos 82 anos. O comandante esteve à frente da Oranje na tumultuada campanha na Copa do Mundo de 1990 e também levou Trinidad & Tobago ao inédito Mundial de 2006, embora seus maiores sucessos tenham ocorrido em clubes. Beenhakker ajudou a arquitetar uma das equipes mais famosas do Real Madrid, a da Quinta del Buitre, ao dar continuidade ao trabalho que rendeu o pentacampeonato de La Liga na segunda metade dos anos 1980. Sob suas ordens, os merengues faturaram três destas taças. Já na Eredivisie, Beenhakker foi ao topo pelos rivais Ajax e Feyenoord. Dirigiu os Ajacieden primeiro entre 1979 e 1981, campeão com uma geração que renovava as conquistas do clube. Voltou para levar de novo o troféu em 1989/90, agora encerrando um jejum de cinco anos e preparando talentos que dariam um salto com Louis van Gaal. Pelo Feyenoord, Beenhakker foi responsável pela taça de 1998/99, a última antes do jejum de 18 anos amargado em Roterdã. Em seu último trabalho como técnico, dirigiu a Polônia na Euro 2008.
Roteiro do fim de semana
Campeonato Alemão: Bayern de Munique x Dortmund
Sábado, 13h30 - Sportv, Cazé TV, RedeTV, OneFootball
Der Klassiker acontece neste fim de semana, com os times em situações diferentes. O jogo é sempre atraente, muito embora o favoritismo dos bávaros seja imenso. Líder, o Bayern é um time melhor, está em melhor fase e caminha firmemente para o título, mas o Dortmund, comandado pelo ex-Bayern Niko Kovac, está em recuperação.
Campeonato Francês: Monaco x Marseille
Sábado, 12h00 - Cazé TV
Um clássico na Ligue 1, com o segundo e terceiro colocados se enfrentando em disputa direta por vaga na Champions League. O Marseille tem 52 pontos, o Monaco tem 50, Strasbourg tem 49, Lyon 48, Nice e Lille têm 47. É uma disputa acirrada por três vagas. Olho em Mason Greenwood, do Marseille, que tem 16 gols na Ligue 1 e disputa a artilharia com Ousmane Dembélé, que tem 21. No Monaco o destaque é Mika Biereth, que tem 12 gols na Ligue 1 até aqui e é o artilheiro do time.
Campeonato Inglês: Newcastle x Manchester United
Domingo, 12h30 - ESPN, Disney+
O Newcastle é uma das maiores ameaças ao Manchester City na disputa por uma vaga na próxima Champions. Com 53 pontos, os Magpies têm a mesma pontuação do Chelsea, quarto colocado, mas perde no saldo de gols. Tem um ponto a mais que o Manchester City. Alexander Isak é o destaque do Newcastle, enquanto Bruno Fernandes é quem carrega o Manchester United, apenas 13o. na tabela. O time de Ruben Amorim tenta sair da lama.
Campeonato Italiano: Lazio x Roma
Domingo, 15h45 - ESPN, Disney+
Lazio e Roma fazem o clássico eterno neste domingo, com muita coisa em jogo. A Roma vem em uma sequência positiva desde a chegada de Claudio Ranieri e sonha até com Champions League. O time tem 53 pontos e está em sétimo na Serie A, dois pontos atrás da Lazio, sexta, três pontos atrás da Juventus, quinta, e quatro pontos atrás do Bologna, quarto. Fique de olho em Paulo Dybala na Roma, sempre o jogador mais perigoso. Na Lazio, Mattia Zaccagni é o grande nome do time.
Campeonato Espanhol: Betis x Villarreal
Domingo, 13h30 - Disney+
Quer um jogo mais alternativo? Este é um excelente duelo do fim de semana. O Villarreal é o quinto em La Liga, na disputa por uma vaga na Champions, já que a Espanha deve ter cinco vagas na temporada. O Betis é o sexto, mas os dois times têm exatamente a mesma pontuação. Em La Liga, o primeiro critério de desempate é confronto direto, ou seja: o jogo vale demais. No Betis, destaque para Isco e Antony, os craques do time, mas fique de olho em Cucho Hernández, colombiano que chegou muito bem aoi time. O Villarreal tem Alejandro Baena como grande nome, além do líder do time, Dani Parejo.
Até a próxima semana!
Muito, mas MUITO bom (como sempre)👏👏👏
Vocês são incríveis ! Ótimo texto.