E aí, foi bom para você?
A nova fase de liga da Champions League acabou e trazemos impressões, ponderações, vantagens e desvantagens que o novo formato trouxe
Newsletter Meiocampo #9 -31 de janeiro de 2025
O novo regulamento da Champions League trouxe muitas opiniões exacerbadas e trazemos uma reflexão a respeito. Também falamos sobre o impacto do novo regulamento na Liga Europa. Tem também a volta de Neymar ao Santos, em um conto de fadas possível. Tem ainda um giro de notícias. Aproveite!
E aí, foi bom para você?
Por Bruno Bonsanti
Acabei adotando uma postura mais combativa do que queria em relação ao novo formato da Champions League, um pouquinho estupefato que ele teve seu sucesso decretado mais ou menos na segunda rodada, mas minha opinião, na verdade, é uma raridade nesta época de contundência algoritmizada: eu ainda não sei se ele é bom ou ruim.
O que eu sei, porém, é que a mudança adicionou quatro novas datas a um calendário que já estava espremendo os jogadores além do que é razoável e efetivamente quebrou o último vencedor da Bola de Ouro. Diante disso, as sempre sensíveis entidades administrativas do futebol decidiram que é o momento certo para aumentar as competições que elas dirigem. A Copa do Mundo foi ampliada, agora há um novo Mundial de Clubes para extinguir de vez as férias e até a Liga das Nações ficou maior. A Champions League faz parte dessa tendência contra-intuitiva.
Então, a pergunta à qual eu quero a resposta para apoiar a nova Champions League não é apenas se ela é mais legal que a anterior, o que para mim ainda é incerto, mas se ela é mais legal o bastante para justificar a ampliação do calendário.
Nunca tivemos um campeonato de futebol relevante com esse formato. Não temos parâmetros ou históricos. E a fase de grupos tinha problemas. Havia ficado excessivamente previsível e hierarquizada. Aquele filme da Netflix em que alguns detalhes até são diferentes, mas você tem a sensação de que já o viu um zilhão de vezes. Uma mudança seria bem-vinda, mas será que a Uefa escolheu o melhor caminho?
Esse formato foi uma resposta aos anseios por uma Superliga, um meio-termo oferecido pela Uefa para os grandes clubes ficarem de boa por mais alguns aninhos - e inclusive funcionou perfeitamente porque os tais grandes clubes anunciaram a criação da Superliga quase imediatamente antes de ele entrar em vigor.
O principal atrativo para o público foi multiplicar a quantidade de jogos entre esses grandes, e como alguém que não aguenta mais abrir o Sofascore durante a Data Fifa e descobrir que a Espanha jogará contra a Croácia, afirmo que esse atrativo pode de repente ficar menos atraente.
Mas, enfim: isso aconteceu? Pior que não.
Para este exercício, usei os integrantes da Superliga (Arsenal, Chelsea, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Tottenham, Atlético de Madrid, Barcelona, Real Madrid, Internazionale, Juventus e Milan), além de Borussia Dortmund, Bayern de Munique e Paris Saint-Germain. E se você olhar a tabela abaixo, houve 13 confrontos entre eles na fase da liga, mais do que na fase de grupos de duas das últimas cinco edições, aproximadamente igual a outras duas e menos do que em 2021/22.
Provavelmente dá para chegar a outra resposta se mudarmos o conceito para incluir RB Leipzig, Atalanta ou Bayer Leverkusen, mas não seria necessariamente a favor da fase da liga porque esses clubes também disputaram algumas das Champions anteriores. E o quarto representante inglês foi o Aston Villa, que enfrentou Bayern e Juventus, como na temporada passada foi o Newcastle, que jogou contra Dortmund, PSG e Milan. Mas dá para projetar que a Premier League provavelmente enviará os seus Superleaguers com regularidade, ainda mais quando receber a quinta vaga destinada às ligas com melhor coeficiente.
A tendência é que a quantidade de confrontos entre os grandes fique constantemente alta e não dependa do sorteio. E, sem jogos de ida e volta, a variedade é realmente maior.
No entanto, o que eles significam? Na fase de grupos, quando duas camisas pesadas estavam sozinhas em um grupo, geralmente os confrontos diretos não tinham um peso maior do que definir o primeiro colocado. Mas às vezes tinham, como quando o Manchester United se complicava com o Galatasaray e precisava buscar pontos em Munique. Quando dávamos a sorte de ter três no mesmo grupo, cada jogo era essencial para as vagas às oitavas de final.
O Liverpool abriu a Champions League contra o Milan. Ganhou por 3 a 1. Se não tivesse ganhado, ainda teria passado entre os oito primeiros. O Milan se classificou mesmo assim aos playoffs. Se tivesse vencido, passaria diretamente às oitavas. Se tivesse empatado, talvez. Mas apenas agora isso está claro. Na época, a partida apenas aconteceu e, independente do resultado, ainda havia muito tempo para um lado se recuperar ou para o outro perder fôlego.
Foi difícil nas primeiras rodadas entender o que cada jogo significava e provavelmente melhoraremos nisso à medida em que pegarmos mais prática com o formato. No entanto, não é que eles foram ruins (também não foram necessariamente melhores que na fase de grupos), mas pareceu haver menos senso de urgência.
Porque todo mundo se classifica. Todo. Mundo.
A Uefa escreveu um texto defendendo o novo formato antes do começo da oitava rodada. O que é normal: a ideia foi dela. Só faltava chegar agora e falar “putz, caguei”. Mas em um dos trechos diz que não se pode duvidar do “incentivo de lutar até o fim, com os clubes que terminam entre os oito primeiros evitando o risco do mata-mata dos playoffs”.
Realmente: há um incentivo. Melhor passar diretamente às oitavas de final, até pela folga no calendário, e, sim, melhor evitar um mata-mata a mais, mas não é uma questão de vida ou morte.
Pep Guardiola não está neste momento pensando em disputar a Liga Europa - ou, pelo que o City tem jogado, nem isso. Está pensando que, apesar de tudo, se acertar o time a tempo, ainda tem uma chance de ser campeão. O mesmo vale para Carlo Ancelotti, Vincent Kompany, Sérgio Conceição, Luis Enrique e Thiago Motta e para quem quer que seja o técnico do Borussia Dortmund, acho que é o Niko Kovac.
Porque, do ponto de vista da aritmética, é impossível que todos os clubes que querem terminar entre os oito primeiros terminem entre os oito primeiros. Em algumas temporadas simplesmente não vai dar e não quer dizer que eles fizeram uma campanha ruim. Passar pelos playoffs será parte da vida, de vez em quando vai acontecer. O importante mesmo é ainda estar na Champions League.
E sinceramente, para esses clubes, e todos que entram na competição pensando em ser campeão, existe uma diferença prática entre ser eliminado nos 16 avos de final ou nas oitavas? Seria uma campanha decepcionante de qualquer maneira.
Isso atinge outro dos principais argumentos da Uefa para comemorar o sucesso do novo formato: a imprevisibilidade. “Quem poderia pensar que, faltando um jogo da fase da liga, o campeão de 2023, Manchester City, precisaria de uma vitória em casa contra o Club Brugge apenas para se espremer entre os 24 primeiros?”, escreveu.
Primeiro: eles falam isso como se a dificuldade do Manchester City para se classificar emanasse do formato e não de uma temporada em que conseguiu ser goleado pelo Tottenham. Se o City é capaz de perder para o Bournemouth e perder para o Sporting e empatar com o Feyenoord e empatar com o Crystal Palace e empatar com o Everton (!), e se não fosse capaz de ganhar do Club Brugge em casa, ele poderia ser eliminado em qualquer formato.
E a imprevisibilidade existe apenas se você se importar bastante com quem terminará em 13º ou 18º colocado, ou com o ranqueamento do chaveamento, ou com quem terá o direito de decidir o mata-mata em casa, ou, claro, com quem passará diretamente às oitavas de final, o principal prêmio da lista. São todas coisas que existem e podem ou não ser importantes, mas não são uma questão de vida ou morte.
Porque, e não posso enfatizar isso o bastante, todo mundo se classifica. Todo. Mundo.
O único jogo com caráter realmente decisivo entre os grandes que nós tivemos foi Paris Saint-Germain x Manchester City e, mesmo assim, os dois acabaram passando depois de superarem desafios meramente razoáveis na última rodada. O RB Leipzig precisou de uma campanha estratosfericamente ruim para ficar fora.
Quando você cria um campeonato que classifica 24 dos 36 participantes, realmente, precisa conjurar incentivos para mantê-lo interessante, e aí depende do quanto quem acompanha quer se importar com eles. Eu prefiro quando os prêmios eram apenas estar na Champions League ou não estar na Champions League. Como tem gente que adora o caos de uma tabela em constante mutação, enquanto eu não sou tão fã assim, mas tudo bem, até aí é uma questão de gosto.
Nessa linha, não tenho receio de admitir que algumas coisas não servem para mim e podem servir para os outros e que eu talvez não seja o público alvo para um torneio que parece bastante adequado às redes sociais porque elas não costumam se importar se a imprevisibilidade é um pouco artificial ou se os jogos entre os grandes talvez não tenham tanto peso: o engajamento é o mesmo quando você tuíta “UAU A FASE DA LIGA FOI UMA LOUCURA 😍💪👊🔥🔥🔥”.
Há uma parte do texto da Uefa com a qual eu concordo 100%. É legal que haja confrontos entre times do mesmo pote para evitar, por exemplo, que o Viktoria Plzen passe uma Champions League inteira sendo saco de pancadas de Bayern de Munique, Internazionale e Barcelona. Mesmo os times mais fracos terão pelo menos alguns jogos em que, em teoria, poderão competir de igual para igual.
O Brest conseguiu até mais do que isso e foi uma história bacana dessa fase da liga. Não exclusividade dela porque já houve surpresas parecidas na fase de grupos, e no fim das contas eles não ficaram nem entre os 16 primeiros, então apenas avançaram porque a quantidade de classificados foi ampliada. Enfim, legal mesmo assim.
Mas um problema que a fase da liga não conseguiu resolver, com as evidências que temos até agora, é a hegemonia das cinco grandes ligas. Dezoito dos 24 classificados são de Inglaterra, Espanha, Itália, Alemanha e França. Portugal (2), Holanda (2), Escócia (1) e Bélgica (1) completam.
E provavelmente não resolverá porque esse nunca foi seu propósito. Pelo contrário, como uma resposta à Superliga, a fase da liga foi concebida para dar estabilidade a esses clubes que têm tanto dinheiro, gastam mal o dinheiro que têm e ficam enchendo o saco para tentar ganhar mais dinheiro em vez de só não pagar 100 milhões de euros pelo Antony.
Não seria justo colocar em um formato de competição o fardo de resolver desigualdades profundas, cada vez maiores e de longa data. Temos que avaliá-lo dentro da realidade do futebol de hoje em dia, e, depois da primeira edição, eu sigo em busca de respostas. Melhorou? Melhorou o bastante para justificar o aumento do calendário?
Não gostei dos primeiros sinais, mas eu tenho paciência. Ainda não dá para saber. Provavelmente levará algum tempo. Imagina que horror, esperar algum tempo, mais de duas rodadas, talvez anos, antes de ter uma opinião contundente?
BALANÇO DA CHAMPIONS LEAGUE
O podcast Meiocampo chegou a 100 edições (oficiais, porque fizemos muitas edições extras na Eurocopa) e completou 1 ano de existência neste dia 22 de janeiro de 2025! Obrigado a todos pelo apoio e vamos juntos em frente. A edição #101 falou sobre a Champions League, com seus classificados, como o Barcelona, e os ameaçados, como PSG e Manchester City.
O podcast Meiocampo acontece toda segunda às 17h e sexta às 14h ao vivo no nosso canal de Youtube e logo depois entra em todas as plataformas de podcast. Se você ouve o podcast pelos tocadores, como o Spotify ou iTunes, vá até o nosso canal no Youtube, se inscreva, dê like nos vídeos, mande comentários. Isso ajuda a divulgar mais o podcast e chegarmos mais longe!
Já a Liga Europa, por enquanto parece melhor
Por Leandro Stein
Quando a Uefa mudou a organização de suas competições no triênio de 2021/22 a 2023/24, oficializando a criação da Conference League, a Liga Europa conseguiu se beneficiar bastante do novo cenário. A fase de grupos foi enxugada, a quantidade de confrontos de peso aumentou, clubes tradicionais pareciam mais estimulados a focar no certame. Estas últimas três edições da LE possivelmente foram as melhores neste século até então. A edição de 2024/25, por sua vez, também passa por uma mudança abrupta por conta da nova Champions League. E, de novo, a Liga Europa pode crescer nesse processo.
Como já dito no texto acima, ainda é cedo para qualquer afirmação mais assertiva em relação às competições europeias. Não dá para saber direito nem até quando vai durar, com a sombra persistente da Superliga Europeia. Contudo, logo de cara, a Liga Europa tem um ganho bastante visível: o fim do sistema de repescagens, que levava os terceiros colocados da Champions à LE e os terceiros colocados da LE à Conference. O fato de serem agora torneios “autocentrados” valoriza a disputa em si, sem intrusos.
Desde o início, os times da Liga Europa sabem o nível das forças que encontrarão e o que os esperará nos mata-matas. Não há o risco de encarar um Chelsea ou um Atlético de Madrid frustrados porque não avançaram na Champions, sedentos por justificar a temporada. Hoje, a Liga Europa se indica como o torneio mais nivelado das três competições continentais da Uefa.
É verdade que persistem alguns clubes muito mais ricos do que outros, como são os casos atuais de Manchester United e Tottenham. Isso continuará acontecendo, até pelo degrau financeiro acima da Premier League. O Manchester City e até o Newcastle ainda podem colocar essa noção mais à prova na próxima temporada. Contudo, pegar um inglês vindo de temporada média não parece um desafio tão grande a clubes também fortes em outras grandes ligas nacionais. Lazio, Athletic Bilbao, Lyon ou Eintracht Frankfurt têm recursos suficientes, sobretudo diante das fases cambaleantes de Red Devils e Spurs. O mesmo pode se dizer de bastiões de campeonatos secundários, por mais que não vivam seus melhores dias, tal qual um Porto ou um Ajax.
A Champions League tende a continuar sendo um terreno muito fértil às superpotências, ainda que o novo formato crie aberturas e aleatoriedades nos caminhos dos mata-matas – basta ver o sorteio que acabou de rolar, com maiores chances de confrontos de peso precoces e de atalhos abertos às quartas de final. Já a Conference é riquíssima pela quantidade de países que privilegia, com 19 nações distintas representadas nos atuais mata-matas, embora as fases mais agudas tendam a ficar nas mãos de ligas maiores – como foi nas três primeiras edições, independentemente da baita história do Olympiacos. A Liga Europa é o certame que parece oferecer o meio termo ideal entre atratividade, tradição, variedade e indefinição.
Obviamente, há pontos que merecem um pouco mais de calma na análise. Não sei se foi só uma impressão minha, mas acompanhar a fase de classificação da Liga Europa foi mais difícil nesta temporada. Pode ser o excesso de jogos à disposição. Pode ser a falta de referencial sem mais grupos e confronto direto. Pode até ser a questão dos direitos de transmissão no Brasil, com poucas partidas no cardápio ao vivo da Cazé TV – mesmo que o “Euro 360” feito por eles tenha sido excelente, tanto imagens quanto em informação. Porém, ficaram mais perdidos alguns duelos que, no modelo anterior, pareciam causar mais expectativas.
Por outro lado, há também ganhos visíveis. Por exemplo, achei a rodada final da Liga Europa razoavelmente melhor que a da Champions. Ofereceu mais suspense e mais times em situação de classificação, o que adicionou dramaticidade à disputa – o Braga quase tirou o Fenerbahçe com um gol (que acabou anulado) aos 50 do segundo tempo. Outro ganho é que a distribuição de forças em relação é menos óbvia do que na Champions. Virtuais favoritos, como Porto e Ajax, correram riscos. O Braga, mesmo com tanta bagagem europeia, não avançou. Não deu também para representantes das grandes ligas, como Nice e Hoffenheim, bem como a camisas do peso de Slavia Praga e Besiktas. Que “todo mundo se classifique”, como disse o Bonsa, a LE deu a impressão de que se classificam menos.
Em termos de variedade de ligas classificadas para os mata-matas, a Liga Europa não perde muito para a Conference. Serão 16 países diferentes na fase decisiva, só três a menos que na competição mais jovem. Mesmo que haja um cenário mais amplo para as grandes ligas na LE, não é que elas sobraram tanto assim. E permanece aquele furor de permitir quebras de jejum e ineditismos, especialmente quando não há mais tantos desinteressados da Champions caindo de paraquedas.
O chaveamento dos mata-matas já abre mais portas a uma dose de alternatividade ou de redenção de clubes tradicionais um tanto quanto adormecidos. No caso da Liga Europa, a vaga direta para as oitavas de final soa como mais importante que na Champions, como são elencos mais curtos para lidar com a maratona da temporada. E times que fazem bons papéis em suas ligas nacionais conseguiram corresponder na fase de classificação, tornando factível um prêmio a mais na LE. Não será exatamente surpreendente, por exemplo, se Lazio, Athletic ou Frankfurt se assumirem de fato como favoritos em fases mais agudas.
O que me deixa com uma pulga atrás da orelha é: a gente vai ter mesmo tempo para se acostumar? É inegável a pressão que a Superliga exerce, mesmo tão atrapalhada em todas as suas tratativas, e o atual formato da Champions se sugere talvez só meramente paliativo. Por outro lado, caso a Champions emplaque, pode ser que ofusque a Liga Europa – até pelo excesso de jogos e pela disputa de atenção. Independentemente disso, para quem realmente gosta de futebol, a Liga Europa não deve deixar de ser um xodó. É uma competição que valoriza torcidas e trajetórias, agora fechada em si e sem mais ficar presa aos renegados da Champions. Esses mata-matas prometem.
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O retorno de Neymar ao Santos é o conto de fadas possível
Por Felipe Lobo
Neymar é um jogador fora de série. Seu talento é inegável – o melhor brasileiro de sua geração. E, ainda assim, sempre pairou a sensação de que ele poderia ter ido além. Seu iminente retorno ao Santos representa um conto de fadas. Ou melhor, o conto de fadas possível.
Esqueça comparações com as voltas de Romário e Ronaldo Fenômeno ao Brasil. Elas são descabidas. Romário retornou aos 28 anos, no auge, como campeão do mundo e melhor jogador da Copa de 1994. Ronaldo, além de um currículo recheado de títulos – incluindo a Copa de 2002 como artilheiro –, lidava com graves problemas físicos. Neymar está em uma situação completamente diferente.
O atacante ainda sonha em conquistar a Copa do Mundo que Romário e Ronaldo ganharam. O retorno ao Brasil pode ajudá-lo nisso, desde que lhe ofereça algo que faltou nos últimos anos: sequência de jogos. Porque em campo, Neymar sempre entregou. Foi assim por toda a sua carreira.
Aos 32 anos, prestes a completar 33, Neymar já conquistou tudo na Europa. Seus anos no PSG por vezes fazem as pessoas esquecerem o que ele fez antes. Em 2014/15, ele foi peça-chave na tríplice coroa do Barcelona, vencendo Copa do Rei, Campeonato Espanhol e Champions League. No torneio europeu, terminou como artilheiro ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo, marcando gols decisivos de forma impressionante.
Sua escolha de ir para o PSG, em 2017, foi amplamente contestada. O Campeonato Francês, sem dúvidas, é o menos atraente entre as cinco grandes ligas. Ele garante que não foi pela chance de ser o melhor do mundo como protagonista do time – até porque acabou dividindo os holofotes com Kylian Mbappé desde o primeiro ano.
Tecnicamente, Neymar manteve um nível altíssimo na França. O problema é que nem sempre esteve em campo. Aliás, nunca conseguiu disputar mais de 30 jogos em uma temporada pelo PSG. As lesões se tornaram frequentes – e, por vezes, até anedóticas –, sempre na segunda metade do calendário, nos momentos mais decisivos do clube. Virou meme o aniversário da irmã em fevereiro e o craque no Brasil de muletas no Carnaval, enquanto o PSG sofria na Champions.
Não por acaso, no único ano em que jogou até o fim, o PSG chegou à final europeia, em 2020, e perdeu para o Bayern de Munique em um jogo equilibrado. O problema é que, para os parisienses, o sucesso da temporada dependia exclusivamente da Champions League. E isso Neymar não conseguiu entregar.
Nem mesmo quando formou o trio dos sonhos com Messi e Mbappé – no qual, aliás, foi o mais sacrificado taticamente, correndo mais para compensar os companheiros. Ainda assim, seus números são excelentes: 173 jogos, 118 gols e 77 assistências pelo PSG. Mas a questão sempre foi a mesma: desde sua chegada ao clube, somou 207 partidas ausente por lesão, seja em Paris, seja no Al Hilal. É um número absurdo. Ele nunca disputou mais do que 22 rodadas numa mesma edição da Ligue 1 desde que chegou à França.
Havia a expectativa de que Neymar assumiria o posto de herdeiro de Messi e Cristiano Ronaldo, mas isso nunca aconteceu. Seu declínio coincidiu com o dos dois astros. Na Arábia Saudita, as lesões continuaram e sua passagem pelo Al Hilal se resumiu a sete jogos e um gol.
Agora, Neymar volta ao Santos como o filho pródigo, mas também como um jogador em busca de redenção. Não terá o mesmo brilho da juventude, mas pode reescrever sua história.
O retorno ao Brasil é uma boa notícia, inclusive para a Seleção Brasileira. Ainda que, a princípio, seja por apenas seis meses, essa volta pode ser benéfica para ele, para o futebol brasileiro e para sua reintegração à Seleção.
Vimos algo semelhante com Lucas Moura. Ele voltou ao Brasil inicialmente por um curto período, mas, ao ser abraçado pela torcida, se destacar em campo e conquistar títulos, decidiu ficar. Também porque não recebeu propostas de grandes clubes europeus, como esperava.
Talvez o mesmo aconteça com Neymar. Ele quer voltar à Europa, mas tudo dependerá de receber propostas relevantes. Se elas não surgirem, seguir no Santos até a Copa de 2026 pode ser o caminho mais lógico.
Se conseguir manter a forma física, Neymar tem tudo para dominar o futebol brasileiro. Talvez não com a mesma explosão e juventude de 2010 a 2013, mas com inteligência e genialidade como criador de jogadas. Sua presença tornará o campeonato mais atraente e pode ajudá-lo a chegar à Copa na melhor condição possível.
Neymar ainda tem idade para conquistar um Mundial. Mesmo com todos os problemas da Seleção – do técnico à presidência –, em uma Copa do Mundo tudo pode acontecer.
Seu retorno ao Brasil pode, sim, ser um conto de fadas para o torcedor – e para Neymar, se ele souber aproveitar. O conto de fadas possível.
CURTAS
- Um dos maiores orgulhos da Inglaterra é a sua música, com uma profusão de bandas de rock que marcaram décadas ao redor do planeta. Alguns clubes embarcam nessa referência por causa de torcedores ilustres, outros pela identificação massiva de um conjunto com sua cidade de origem. O Aston Villa tem uma mistura perfeita nesse sentido, entre a identificação do Black Sabbath com Birmingham e o carinho de alguns de seus integrantes originais pelos Villans. Algo muito bem aproveitado na atual temporada, que recoloca o clube em evidência por sua volta à Champions após 41 anos. Já tinha sido uma baita sacada a propaganda de lançamento da camisa do Villa, estrelada pelo baixista Geezer Butler e pelo vocalista Ozzy Osbourne. Só eu devo ter assistido ao vídeo umas cem vezes. Geezer é até mais conhecido por seu fanatismo pelo clube, frequentador das arquibancadas desde a infância, mas nada se compara ao carisma e à fama do “Príncipe das Trevas”. Pois algo ainda mais sensacional ocorreu nesta rodada da Champions, contra o Celtic: Ozzy figurou um bandeirão da torcida erguido no Villa Park, com Crazy Train e tudo. Melhor jeito de celebrar as raízes e os orgulhos locais, bem como de levar uma referência muito além dos gramados ao estádio. Fico ansioso para quando o Villa cruzar com o Valencia qualquer dia desses: o pobre morceguinho que serve de mascote aos valencianos será dilacerado.
- Um artigo do The Athletic colocou água no chope de quem comemora o fim do Big Six apontando o que sempre foi muito claro: o que eleva esses seis clubes a um grupo de elite não é a capacidade de terminar entre as seis primeiras posições, um desafio para alguns dos seus membros, cof cof, Manchester United, cof, cof, Tottenham, mas seu poder econômico. Segundo o mais recente estudo da Deloitte, publicado na semana passada, o mais pobre deles, o Chelsea, teve faturamento de € 545 milhões. O mais rico do pelotão de perseguidores, o Newcastle, ficou em € 371 milhões. A consultoria não conta venda de jogadores, apenas fontes de renda constantes, como bilheteria/dia de jogo, direitos de transmissão e receitas comerciais. A média de faturamento do Big Six nos últimos dez anos subiu 68,6% (de € 414 milhões a € 700 milhões), em comparação a um crescimento de aproximadamente 100% dos três clubes ingleses mais próximos (de € 165 milhões a € 334 milhões), cujas identidades variam de temporada a temporada. Em termos proporcionais, a distância diminuiu, os perseguidores tinham 40% da grana do Big Six, agora têm 47,8%, mas se dilatou em números absolutos (€ 250 milhões versus € 360 milhões). A receita para quebrar a hegemonia financeira, segue o artigo, é a “tempestade perfeita”: um deles precisa ficar fora da Champions League por um período prolongado, o que até aconteceu com Liverpool e Arsenal recentemente, mas um dos outros precisaria se classificar para ela em temporadas consecutivas - o que não rola há mais de 20 anos. Aliás, se intrusos entre os seis primeiros da Premier League são comuns hoje em dia, entre os seis ingleses que mais faturam aconteceu pela última vez em 2007/08 - o Newcastle, antes de o Manchester City ser comprado pelo Sheikh Mansour.
- Durou apenas dez partidas a passagem de Jorge Sampaoli à frente do Rennes. A escolha soava questionável desde o início, mais sustentada pela boa impressão deixada no Olympique de Marseille do que pelos fracos trabalhos mais recentes por Sevilla e Flamengo. No fim das contas, o fracasso na Bretanha reforçou o viés de baixa do argentino. O Rennes já era um time operando abaixo da qualidade do elenco que tinha, mas com Sampaoli isso piorou. Da estagnação no meio da tabela, os rubro-negros agora lidam com o risco de rebaixamento, após conquistarem apenas três vitórias nestes dez jogos. E o mais curioso é que Sampaoli parece se afastar até de seus conceitos, com uma equipe defensiva, que não saía do 5-4-1. O que não mudou foram os atritos com os jogadores (alguns criticaram publicamente o técnico) e a voracidade por reforços – que ficarão para o senegalês Habib Bèye, seu substituto na casamata, mais um dos presentes na epopeia da Copa de 2002 que emplaca como treinador. Terá bom material humano: a lista de contratações de inverno inclui o atacante Kyogo Furuhashi, o goleiro Brice Samba e o volante Seko Fofana, numa temporada em que o Rennes já desembolsou €126,3 milhões. Há potencial de sobra, considerando ainda Amine Gouiri, Arnaud Kalimuendo, Ludovic Blas, Adrien Truffert e Hans Hateboer à disposição.
- O Borussia Dortmund está perdido em seu planejamento, se é que ele existe. A escolha de Nuri Sahin como treinador era um tiro no escuro, embora com nexo, diante de seu passado no clube e da boa impressão que deixou ao integrar a comissão técnica de Edin Terzic na temporada anterior. A demissão do turco foi bem compreensível, mas deixava uma grande questão: quem será o substituto, quando não há grandes nomes dando sopa no mercado? Pois o BVB foi de mais do mesmo, ao contratar Niko Kovac, no negócio menos inventivo possível. Pode pesar a “vivência de Bundesliga” do croata, mas seu único trabalho realmente bom, no Eintracht Frankfurt, foi há muito tempo e a passagem recente pelo Wolfsburg ficou bem abaixo da média. Tem horas que os aurinegros parecem querer ser um rascunho (mal feito) do Bayern de Munique, e nessa acertaram em cheio, porque escolheram um dos piores comandantes dos bávaros em décadas. A favor de Kovac, talvez o fato de que tem personalidade forte e bate de frente com jogadores – e num vestiário sem lideranças como o Dortmund atual, ele pode assumir as rédeas. Fica a dúvida para o que acontecerá em campo, numa equipe que tem oferecido pouquíssimo. Não fossem os gols de Serhou Guirassy e as arrancadas de Jamie Gittens, a coisa estaria muito pior.
- A Copa Africana de Nações é o torneio continental de seleções culturalmente mais rico do planeta. O fato de acontecer a cada dois anos pode até gerar certa repetição excessiva, mas o caldeirão de histórias está sempre presente. Entre dezembro de 2025 e janeiro de 2026, a CAN terá mais uma edição, desta vez no Marrocos – candidatíssimo a encerrar o seu jejum, que dura desde 1976. E o sorteio dos grupos já promete uma série de confrontos interessantes logo de cara. O Grupo B ficou bastante forte com Egito, África do Sul, Angola e Zimbábue, mas também há uma mistura boa no Grupo F, ao reunir Costa do Marfim, Camarões, Gabão e Moçambique. Ocorrerão ainda embates como Marrocos x Mali, Nigéria x Tunísia, Senegal x RD Congo e Argélia x Burkina Faso. O aumento do número de participantes na CAN ocorreu por motivos políticos (como sempre) e as últimas edições não variaram tanto em relação aos classificados. Exceção feita a Botsuana, todos os demais 23 times da CAN 2025 disputaram o torneio pelo menos uma vez nas últimas três campanhas. Contudo, inegavelmente o nível técnico das partidas melhorou ao longo da última década, com uma mentalidade mais ofensiva das equipes, sem medo de arriscar em busca da maior abertura à classificação aos mata-matas. E a chance de disputar a CAN para mais países também ampliou a atratividade para os filhos da diáspora, mais presentes nos elencos. Nesse caso, o aumento no total de seleções foi um baita acerto.
- O grupo Globo acertou a compra dos direitos de transmissão da LFU para o Campeonato Brasileiro de 2025 a 2029. Isso significa que dos 10 jogos da rodada do Brasileiro, o grupo Globo terá 9 deles, sendo 8 exclusivos. Um dos jogos será dividido com Record e Cazé TV e poderá ser exibido exclusivamente no Premiere. A Amazon é a única que terá um jogo exclusivo que a Globo não poderá transmitir em nenhuma plataforma. Como dizem que a Globo planejava comprar os direitos do Brasileiro e sublicenciar um jogo para a Amazon, como já faz com a Copa do Brasil, nada mudou. O curioso é que a Amazon é a única que pode falar que sua plataforma transmitirá todos os jogos. Isso porque é possível assinar o Premiere dentro do Prime Video. Com isso, finalmente temos a definição da venda dos direitos de transmissão do Brasileiro. Como disse Bonsa em uma conversa entre nós, o resumo da história é que depois de todas as tretas, blocos, vai pra lá vai pra cá, vai quase tudo continuar passando na Globo como sempre? Sim, mais ou menos isso. Mas há uma diferença importante: o torcedor terá dois jogos na TV aberta por rodada: um na Globo e outro na Record. E necessariamente serão jogos diferentes. É uma boa notícia. Como será a distribuição dos jogos ainda não está claro, mas Allan Simon ajuda a esclarecer no UOL (vale acompanhar o canal Allan Simon no Youtube também).
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