O Flu e seu Hércules: futebol, mitologia e um sonho que segue vivo
O Fluminense se agiganta no Mundial, o Palmeiras se despede sem brilho, e a Fifa segue bagunçando tudo — tem ainda tragédia, mercado e mitologia nesta edição
Newsletter Meiocampo - 5 de julho de 2025
O Fluminense chegou à semifinal da Copa do Mundo de Clubes com futebol, coragem e um novo protagonista: Hércules. Contra o poderoso Al Hilal, o time de Renato Gaúcho mostrou que não está nos Estados Unidos a passeio — e começa a escrever sua própria mitologia. Nesta edição, analisamos a campanha tricolor, o adeus sem brilho do Palmeiras, a tragédia que abalou o futebol português e o caos das regras da Fifa no Mundial.
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O sonho parecia loucura. Agora é realidade tricolor
Comandado por Renato Gaúcho, Flu elimina o poderoso Al Hilal em Orlando e vê surgir um novo herói: Hércules, decisivo mais uma vez
Fluminense 2x1 Al Hilal
Camping World Stadium, em Orlando
Por Felipe Lobo
O torcedor do Fluminense que sonhasse em chegar à semifinal da Copa do Mundo de Clubes seria visto como um louco. Imaginar que o Al Hilal também poderia chegar até lá parecia igualmente improvável. Mas o que se viu em Orlando foi um time extraordinário, comandado por Renato Gaúcho, que se mostrou grande demais até para o gigante Al Hilal — o “Real Madrid da Ásia”.
E aqui não há qualquer ironia: o Al Hilal é um colosso que, turbinado pelo dinheiro do governo saudita, transformou-se em um elenco estrelado, repleto de jogadores com passagens importantes por grandes clubes europeus — atletas experientes que, em sua maioria, ainda poderiam atuar no Velho Continente.
Assim como contra a Internazionale, o Fluminense não se trancou na defesa, não jogou apenas por uma bola. Jogou futebol. Criou, foi perigoso e fez valer sua qualidade. John Arias, mais uma vez, teve uma atuação de destaque. E quem escreveu outro capítulo digno de mitologia foi Hércules.
Na mitologia, Hércules realizou 12 trabalhos. O Hércules do Flu já fez dois grandiosos: contra a Inter, marcou o gol que classificou o time às quartas de final e eliminou os italianos; agora, fez o gol da classificação diante do Al Hilal, assegurando o Tricolor na semifinal.
Tudo isso nasceu de um sonho. Eliminar a Internazionale foi gigantesco, mas o desafio seguinte era igualmente imenso. O Al Hilal, além da tradição, possui um elenco riquíssimo, com um time titular de nível europeu. Renato Gaúcho, antes do jogo, repetiu o que já havia dito antes de enfrentar os italianos: "O que decide é o campo".
E em campo, o Fluminense foi enorme. Em uma partida equilibrada até o fim, o Tricolor mostrou sua força. Jogou grande, mereceu seus gols e até poderia ter feito mais. Pelo conjunto da atuação, mereceu vencer — e isso ficou claro desde o início.
Golaço para abrir os caminhos, tensão e gol decisivo
Aos 40 minutos do primeiro tempo, saiu o primeiro gol do Fluminense. Samuel Xavier cruzou, João Cancelo afastou mal, Fuentes tocou para o meio, Martinelli dominou, tirou da marcação e bateu de canhota no ângulo. Um golaço para abrir o placar.
Curiosamente, o passe de Fuentes era direcionado a Facundo Bernal, que chegou a reclamar quando Martinelli dominou a bola. Mas correu para abraçá-lo assim que ela balançou as redes.
Antes do intervalo, porém, o Flu ainda precisou se salvar do empate. Rúben Neves cobrou falta e Koulibaly cabeceou com muito perigo, obrigando Fábio a uma grande defesa. Na sequência do escanteio, o árbitro assinalou pênalti de Samuel Xavier em Marcos Leonardo, mas foi corrigido pelo VAR e evitou um erro grave.
No segundo tempo, o Al Hilal chegou ao empate. Após escanteio, Koulibaly cabeceou, a bola sobrou para Marcos Leonardo, que finalizou alto, dentro da pequena área: 1 a 1.
O Flu teve uma chance de ouro aos 54 minutos. Cano recebeu livre nas costas da defesa, avançou, tentou o drible, mas o goleiro Bono foi preciso e salvou os sauditas.
Aos 25 minutos, veio o segundo gol. Hércules chutou de fora da área, a bola desviou na defesa, Samuel Xavier ajeitou de cabeça e o meio-campista apareceu na área para finalizar cruzado e marcar: 2 a 1. Festa tricolor em Orlando.
Nos minutos finais, o Al Hilal tentou pressionar no abafa, com cruzamentos, bolas alçadas e escanteios. Apesar da desorganização, o time levou perigo, mas não criou chances claras. Os sete minutos de acréscimos pareceram uma eternidade. Cada segundo custava a passar.
O Fluminense contou novamente com uma atuação segura de Thiago Silva — gigante, como sempre — e uma partida memorável de Ignácio, que parece crescer ainda mais ao lado do experiente zagueiro. É surpreendente pensar que este Fluminense, ameaçado de rebaixamento durante boa parte de 2024, está agora entre os quatro melhores do mundo.
Mas o futebol tem dessas coisas. Se no jogo contra o Dortmund foi Everaldo quem desperdiçou uma chance clara, agora foi Cano. Ainda assim, o time contou com John Arias, Martinelli e, principalmente, com Hércules. O Fluminense não apenas venceu: venceu jogando melhor, com autoridade, e saiu de campo ainda maior.
O que antes era sonho agora é realidade. A semifinal do Mundial, que há um mês parecia inalcançável, hoje é o presente do Tricolor. E quem pode parar de sonhar? Se é um sonho, o torcedor do Flu não quer mais acordar.
O Flu já superou cinco desafios. Nem precisa repetir os 12 trabalhos da lenda. Mas tem o seu próprio Hércules, que segue escrevendo a mitologia tricolor com gols e atuações decisivas.
Mitologia tricolor é algo que Renato Gaúcho conhece bem, desde seus tempos como jogador. O que ele tem feito pelo clube o coloca no Olimpo das Laranjeiras. Muito mais do que o símbolo lendário, Renato vem fazendo um trabalho gigantesco. Taticamente, tecnicamente, como líder: ele é peça-chave para o Fluminense chegar aonde está. E pode ir ainda mais longe, ampliando sua própria lenda.
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Palmeiras cumpre o roteiro, mas deixa Mundial sem marca memorável
Resultado previsível, futebol abaixo do esperado e nenhuma partida de peso marcam a eliminação por 2 a 1 diante do Chelsea nas quartas de final
Palmeiras 1x2 Chelsea
Lincoln Financial Field, na Filadélfia
Por Felipe Lobo
O Palmeiras se despediu da Copa do Mundo de Clubes sem deixar uma partida memorável. A derrota por 2 a 1 para o Chelsea, nas quartas de final, já era previsível, mas o futebol apresentado ficou bem aquém das expectativas — talvez seja essa a maior decepção da equipe nos Estados Unidos.
A atuação do Chelsea contrastou com a fase de grupos — marcada pela derrota para o Flamengo — e ganhou novo fôlego no mata-mata. Nas oitavas de final contra o Benfica, o time mostrou potencial, mesmo cometendo um vacilo que levou o confronto à prorrogação.
O Palmeiras promoveu alterações: Micael e Vanderlan substituíram Gustavo Gómez e Joaquín Piquerez (suspensos), e Facundo Torres entrou no lugar de Mauricio, com Allan permanecendo ao lado de Estevão e Vitor Roque. Já o Chelsea escalou Chalobah no lugar de Badiashile (machucado), colocou Andrey Santos após a lesão de Reece James, e recuou Enzo Fernández, abrindo espaço para Nkunku.
O Chelsea dominou todo o período inicial, abrindo o marcador aos 16 minutos: Chalobah achou Palmer, que finalizou com precisão — 1 a 0. O Palmeiras enfrentou dificuldades: passes imprecisos, falta de conexão e problemas nas transições defensivas, levando Abel Ferreira a promover ajustes durante o intervalo.
Apesar do domínio reduzido do Chelsea, o Palmeiras voltou mais organizado e melhorou o rendimento. Mesmo assim, não conseguiu se impor ofensivamente, e as substituições (Maurício, Flaco López, Raphael Veiga) não foram suficientes para mudar o cenário.
Aos 38 minutos do segundo tempo, um escanteio curto resultou no cruzamento de Malo Gusto, desviado por Agustín Giay, enganando Weverton — 2 a 1 para o Chelsea.
O resultado refletiu o desempenho geral: o Chelsea foi mais consistente, enquanto o Palmeiras teve seu pior primeiro tempo no Mundial, ainda que tenha melhorado após o intervalo.
Abel Ferreira consolida sua reputação como técnico, mantendo a equipe competitiva. Entretanto, faltou aquele passo decisivo diante de um adversário europeu, deixando o Mundial sem nenhuma vitória marcante ou jogo memorável — e com a sensação de que o Palmeiras poderia (e deveria) ter sido mais.
Fica a sensação de missão cumprida no mínimo, mas sem o orgulho de ter sido algo realmente grandioso que marque a história.
🎧PODCAST MEIOCAMPO #147
O Fluminense chega à semifinal da Copa do Mundo de Clubes com uma grande vitória sobre o Al Hilal. O Palmeiras cai para o Chelsea, em um jogo que ficou devendo. Analisamos os jogos e como foram as participações dos times até aqui.
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NA EDIÇÃO ANTERIOR DA NEWSLETTER…
A Newsletter Meiocampo conta com duas edições fixas semanais: às terças, exclusiva para assinantes, e às sextas, gratuita para o público em geral. Ocasionalmente, nossos assinantes também ganharão textos extras. Na terça-feira, comentamos sobre a fala de Karl-Heinz Rummenigge, que justificou a Copa do Mundo de Clubes como necessária pelos aumentos dos gastos com jogadores. Há muito a se falar sobre isso. Leia!
J
Por Bruno Bonsanti
Algumas tragédias nos deixam com aquela sensação de que nada faz sentido. Diogo Jota havia acabado de casar com a mãe dos seus filhos e viajava ao lado do irmão para descansar um pouco a caminho de começar mais uma temporada. Tinha um canal para atravessar, mas, após uma cirurgia, os médicos recomendaram que o fizesse de balsa, e não de avião, então ele foi de carro. De repente, o pneu furou e, pronto, acabou.
Acabou a história de um pai, de um marido, de um amigo, de um ser humano, de um jogador de futebol. Simples assim. Rápido assim. Cruel assim.
De dois, na verdade: André Silva não era tão famoso quanto Jota, mas, jogador do Penafiel, também teve todos os seus sonhos abruptamente encerrados.
Eu tenho muito, muito carinho pelo Liverpool e era fácil torcer por Jota: a personificação do jogador formiguinha, pequeno, não necessariamente forte, mas cheio de energia, corria sem parar, o tempo todo, uma máquina de pressão que perseguia todas as bolas.
Sempre me impressionou a simplicidade com que jogava futebol. Um atacante inteligente e de poucos toques na bola. Parecia sempre focado em procurar espaço para a finalização o mais rápido possível e, quando conseguia, geralmente costumava acertá-la.
Não sei detalhes da sua vida pessoal, mas todos os relatos apontam para uma pessoa alegre e agradável, amado no vestiário, e, hoje em dia, se ninguém encontrou um “a” para dizer contra ele até agora, é provavelmente porque não tem nenhum.
Pareceu realmente boa praça brincando com os filhos no gramado de Anfield durante a comemoração da conquista da Premier League.
Ele tinha três. Todos com menos de quatro anos.
Tanto aqui no Meiocampo quanto antes na Trivela, nós nos esforçamos para tentar ir além do fato, trazer o contexto, explicar em detalhes o que aconteceu.
Eu não tenho nada para vocês desta vez.
Ele foi o camisa 20 do 20º título, foi nosso rapaz de Portugal, melhor que Figo, foi, simplesmente, J.
AS HISTÓRIAS DO MEIOCAMPO AGORA EM VÍDEO
Já ativou as notificações no YouTube do Meiocampo? Além das transmissões ao vivo do podcast, agora temos também produções exclusivas de histórias para o canal. Nio último trazemos os questionamentos feitos sobre a Copa do Mundo de Clubes. Será que fazem sentido?
Giro
- É engraçado que depois de tanta conversa sobre como os europeus tratariam a Copa do Mundo de Clubes, quem parece estar se esforçando para lhe dar ares de torneio amistoso de verão é justamente quem a inventou. Como os contratos europeus costumam terminar em 30 de junho, a Fifa inseriu mais uma janela extraordinária na última semana para facilitar a movimentação de jogadores e permitiu que clubes, como o Al-Hilal (Abderrazak Hamdallah) e o Chelsea (João Pedro), inscrevessem novos reforços para as quartas de final. Deliberadamente. De propósito. A Fifa até acha legal. “Assim, os melhores nomes estarão em campo, inclusive com a possibilidade de reforços durante o próprio torneio”, escreveu em seu site. Outras competições, seja a Libertadores, a Champions League ou o Campeonato Italiano, têm janelas de inscrições no meio da temporada. A diferença é que elas duram um ano. Não um mês. Na Copa do Mundo de seleções, você não pode fazer novas convocações entre as oitavas de final e as quartas para substituir lesionados, por exemplo, então por que na de clubes você pode só sair contratando? Aliás, seria interessante se houvesse uma exceção ou um ajuste de datas para impedir situações como a de Leroy Sané, que disputou apenas metade da competição pelo Bayern de Munique antes de se apresentar ao Galatasaray. Esse entra e sai mina mais a credibilidade da Copa do Mundo de Clubes do que Pep Guardiola jogando futevôlei.
- João Pedro está gradativamente subindo na hierarquia da Premier League: três temporadas com o Watford, duas com o Brighton e agora o Chelsea. O primeiro desafio será se destacar em uma linha ofensiva que tem um zilhão e meio de jogadores. A versatilidade de também poder atuar pelas pontas ou atrás do centroavante pode ser importante porque a compulsão do Chelsea em contratar reforços o levou a pagar € 35 milhões por Liam Delap antes de € 60 milhões pelo brasileiro. Estêvão também está chegando, o elenco ainda conta com Nico Jackson e Christopher Nkunku e Armando Borja está voltando de empréstimo. Precisaremos esperar algumas semanas para ter uma noção mais clara das peças ofensivas que Enzo Maresca terá à disposição. João Pedro não é um atacante que se destaca pelos números - 11, 20 e 10 gols por todas as competições nas últimas três temporadas, muitos de pênalti -, mas tem potencial para crescer, se não for absorvido pelo moedor do Chelsea, que não é tão eficiente quanto o do Manchester United, mas ainda aparece em todas as listas de melhores do mundo.
- O Barcelona não teve uma ótima sexta-feira. Pelo segundo ano consecutivo, tentou a contratação do ponta Nico Williams, do Athletic Bilbao, e parecia que desta vez conseguiria fechar o negócio, mas não conseguiu oferecer garantias de que ele seria inscrito em La Liga, apesar das vendas de Ansu Fati para o Monaco e Clément Lenglet para o Atlético de Madrid. Indisposto a passar pela mesma situação de Dani Olmo ou outros jogadores que o Barcelona contratou sem saber se poderia usar, ou simplesmente mudando de ideia, ou simplesmente aproveitando a situação para descolar um novo contrato, Williams renovou com o Athletic até… 2035 (!). A sua cláusula de rescisão de € 58 milhões foi aumentada em 50%, logo, para aproximadamente € 90 milhões, o que ainda seria um bom negócio por um jogador de 22 anos com tanto potencial. Mais desanimador para seus futuros interessados é a declaração que deu em seguida: “A coisa mais importante é ouvir o seu coração. Estou onde quero estar, com meu povo. Esta é minha casa”. Para completar, o clube catalão foi multado em € 15 milhões pela Uefa por não cumprir as regras de Fair Play Financeiro e, sinceramente, eu não aguento mais falar sobre as contas do Barcelona.
- Madueke estava jogando pelo Chelsea contra o Palmeiras, mas deve mudar de clube. O Arsenal acertou os termos com Noni Madueke e um acordo com o Chelsea parece iminente. O inglês pode atuar tanto pela ponta direita quanto pela esquerda, como entrou contra o Palmeiras, e tem pretensão de voltar à seleção inglesa e estar na Copa do Mundo em 2026 pela Inglaterra. Chelsea e Arsenal têm uma boa relação e o negócio tem boas chances de sair.
- Kyle Walker já tem novo clube na Inglaterra. O lateral direito, de 35 anos, deixou o Manchester City, depois de passar os últimos meses da temporada emprestado ao Milan, e assinou com o Burnley, que voltou à primeira divisão inglesa. Ele assinou por dois anos com os Clarets.
- Igor Jesus foi anunciado como reforço do Nottingham Forest. O atacante deixou o Botafogo depois da Copa do Mundo de Clubes e continuará a sua carreira no clube bicampeão europeu. Aos 24 anos, ele terá a missão de continuar o bom desempenho que teve pelo glorioso na Inglaterra em um ano que o Forest terá a Conference League para disputar.
- A Juventus contratou o atacante Jonathan David. O atacante canadense chega sem custos após o fim do seu contrato com o Lille. Aos 25 anos, o jogador chega para reforçar um setor que parece ter muitos nomes, com Dusan Vlahovic ainda por lá e a Juventus tentando a contratação em definitivo de Randal Kolo-Muani, do PSG.
- Você já pensou que barulho era aquele nos Mundiais de Clubes antigos no Japão? Andrey Raychtock foi atrás para descobrir e a história é fantástica. Você pode assistir no canal dele no Youtube.
Mais uma newsletter muito boa, obrigado!