O mundo não veio, mas o horizonte se vê mais amplo ao Flamengo
O saldo da temporada rubro-negra após os pênaltis. E mais: a revolução do Hearts na Escócia e a última final da Copa do Brasil no formato tradicional
Newsletter Meiocampo #101 — 19 de dezembro de 2025
A decisão do Intercontinental foi apertada e cruel, com a taça escapando nos pênaltis para o PSG. Mas o quase do Flamengo diz muito: analisamos a consistência rubro-negra em um ano marcado por embates diretos com a elite europeia. Na Escócia, explicamos a campanha histórica do Hearts, que usa dados para ameaçar a hegemonia do Old Firm. Por fim, projetamos o duelo de nervos de Vasco e Corinthians no Maracanã — a última final de Copa do Brasil neste clássico formato de ida e volta.
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O mundo não veio, mas o horizonte se vê mais amplo ao Flamengo
Por Leandro Stein
A temporada de 2025 já tinha elementos o suficiente para ser inesquecível ao torcedor do Flamengo. Os rubro-negros cumpriram seus principais objetivos: conquistaram a Libertadores com uma sonhada revanche diante do Palmeiras, tornando-se o primeiro clube brasileiro tetracampeão continental, e uma semana depois coroaram sua consistência com a dobradinha no Campeonato Brasileiro, encerrando a espera de cinco anos na competição. A Copa Intercontinental, se viesse, ratificaria o ano mais que perfeito dos flamenguistas. E mesmo que a taça tenha escapado por pouco, na disputa por pênaltis, a decisão contra o Paris Saint-Germain concedeu algumas certezas a mais sobre a força do clube.
Foi-se o tempo em que o Mundial Interclubes / Mundial de Clubes / Copa Intercontinental era a maior baliza para os clubes do Brasil. Décadas atrás, a Libertadores soava até como um feito passageiro, em que a grandeza só seria atestada de fato com uma vitória sobre o adversário europeu em Tóquio. Existiam motivos para se crer nisso, em tempos de embates mais equilibrados e chances bem mais palpáveis de ser “campeão do mundo”. Os abismos financeiros deste século transformaram as perspectivas – e, em certos aspectos, que bom que isso aconteceu. A Libertadores, enfim, passou a ser valorizada como o objetivo maior que merecia. Custou, mas hoje está claro que, se vier, o Mundial é um prêmio especial, não o norte. E uma provável derrota não reduz em nada a mostra de qualidade já dada no contexto sul-americano.
O Flamengo demonstrou sua potência no Brasil e na América do Sul. Teve mais fôlego do que qualquer outro no Brasileirão, numa campanha que sublinhou a regularidade do time e a profundidade do coletivo. A Libertadores deixou os rubro-negros mais à flor da pele, mas a equipe de Filipe Luís também teve suas armas e seu poder de decisão em jogos no fio da navalha. A Copa Intercontinental poderia ser a coroação daquela que se transformaria na temporada mais vitoriosa do clube. Um bônus a um grupo que provou ter seu lugar na história. Contudo, por mais saboroso que fosse subjugar o poderoso europeu, as memórias de um grande time do Fla já estavam suficientemente consolidadas.
Diante de Cruz Azul e Pyramids, o Flamengo confirmou seu favoritismo rumo à final. Não fez partidas tão impositivas, mas manteve certo controle e superou as provações, sobretudo diante dos mexicanos. A equipe de Filipe Luís é incontestavelmente uma das mais competitivas do mundo hoje. E ganhou a oportunidade de desafiar o PSG, dono de uma das campanhas mais meritórias da história recente da Champions League. A chance de fechar a temporada com a chave dourada e atender seu povo, pedindo o mundo de novo.
Pelas circunstâncias, esta não é a melhor versão do Paris Saint-Germain em 2025. Gianluigi Donnarumma saiu após ser herói em várias fases da Champions League, Achraf Hakimi é um desfalque enorme por sua preponderância na lateral direita, Ousmane Dembélé tenta recuperar a forma enquanto é reconhecido pelas premiações individuais. A sequência extenuante de competições, agravada pela Copa do Mundo de Clubes no meio do ano, cobra seu preço neste segundo semestre. Mas não deixa de ser um dos melhores times do mundo. O mais bem treinado da atualidade e que joga o sarrafo de qualquer duelo lá no alto, pelo nível de intensidade que imprime em campo.
Também dá para dizer que esta não é a melhor versão do Flamengo em 2025. O planejamento do clube indicou certa intenção de chegar na ponta dos cascos fisicamente durante a Copa do Mundo de Clubes. Foi um time que exibiu seu melhor futebol em meados da temporada, mesmo que o equilíbrio durante os jogos tenha sido um tema. E que, se não tinha sua verve ofensiva mais aflorada nesta reta final do ano, ainda assim preservava outros predicados: a defesa firme, o elenco recheado, a força na bola parada. A capacidade de decidir em um lance e controlar a vitória, um diferencial em partidas fundamentais tanto na Libertadores quanto no Brasileirão.
Se as circunstâncias não eram as ideais para o melhor Flamengo x PSG possível, assim também não é mais a Copa Intercontinental no planejamento da Fifa. O torneio perdeu forças após a criação da Copa do Mundo de Clubes e no próprio tratamento conferido pela entidade internacional a ele – seja pela presença do europeu somente na final, pelo calendário todo remendado ou pela falta de ênfase diante do público. Apesar das ressalvas, diante daquilo que é possível, não deixou de ser um grande Flamengo x PSG, com seu peso no contexto. Algo comprovado em 120 minutos de futebol.
O PSG não deixou de se portar como o incensado vencedor da Champions. Teve recursos ofensivos, pressionou durante a maior parte do tempo, encaixou sua marcação sufocante no campo de ataque. O meio-campo é dos melhores do mundo, e assim se viu, bem como a versatilidade de seus atacantes em melhor forma, Khvicha Kvaratskhelia e Desiré Doué. Nuno Mendes, William Pacho e Vitinha tiveram exibições dignas daqueles que de fato estão entre os melhores do mundo em suas posições. E se a vitória não veio no tempo normal, apesar da persistência, o goleiro Matvey Safonov herdou a estrela de Donnarumma.
E não que a superioridade do PSG minimize a final que fez o Flamengo. Pelo contrário, isso não impediu que os rubro-negros pudessem vislumbrar a vitória. De um primeiro tempo ruim, com a falta de conexão no ataque e os erros de Agustín Rossi, o Fla cresceu para a segunda etapa. Contou com um sistema defensivo sempre atento, uma bola parada ameaçadora e um contra-ataque perigoso, que pecou apenas pela falta de capricho na finalização. O pênalti sofrido por Arrascaeta pode ter caído dos céus, mas a equipe de Filipe Luís criou as oportunidades para voltar ao jogo e se manter viva até o final. A se lamentar mesmo, a falta de pernas no que é consequência da maratona de partidas do pesado calendário brasileiro e as cobranças de pênalti abaixo do que a ocasião pedia.
Mas não deixa de ser um Flamengo que fecha o ano maior. Alguns jogadores se despediram da temporada com uma grande noite no Catar. Léo Ortiz foi gigante no miolo de zaga e explicitou o porquê de ser imprescindível à segurança do time, mesmo que Danilo tenha se tornado decisivo em momentos sublimes. Varela cresceu demais com a camisa do clube e se tornou uma certeza. Jogou num nível altíssimo nas principais partidas dessas semanas cruciais. Bruno Henrique não está em seu momento mais afiado no ataque, mas a entrega que teve a todo momento em Doha coloca um tijolo a mais em seu monumento como ídolo dos rubro-negros.
Já Filipe Luís se consolida como homem certo, depois de tantos outros tentarem se provar como treinadores do Flamengo. Não é o técnico perfeito e alguns questionamentos são cabíveis, embora tantas vezes as discussões ao seu redor soem excessivas. Porque, afinal, como um “mero iniciante”, o comandante conquistou praticamente todos os títulos possíveis em seu primeiro ano na função – só escapou mesmo o Intercontinental. Filipe Luís não montou a versão do Flamengo mais exuberante dos últimos anos, mas é talvez a mais confiável. Mesmo em partidas difíceis, o treinador é capaz de encontrar soluções e variações, como se viu diante do PSG. O Fla cresceu na noite a partir de seu técnico.
Para o torcedor do Flamengo, é fácil se identificar com Filipe Luís e desejar seu sucesso. É um rubro-negro como ele, no fim das contas. É mais um treinador vencedor feito em casa, tal qual a maioria absoluta daqueles que marcaram os momentos mais gloriosos do clube. E com o diferencial de indicar não só potencial para se manter durante anos no posto, como também por apresentar ideias à altura daquilo que o Fla oferece. Tem ferramentas para manejar um elenco tão vasto e lidar com os variados cenários que se impõem numa temporada tão camaleônica quanto a do futebol brasileiro. Isso sem perder o coração, a fé e a voz de mais um flamenguista no meio da multidão.
Fechadas as campanhas, a temporada de 2025 é capaz, sim, de se equiparar aos anos mágicos de 1981 e 2019. Não só pela conquista do Mundial de maneira irrepreensível, a lenda de 1981 permanece mais forte, diante dos ídolos que forjou e de um período maior de domínio que abarcou também três títulos no Campeonato Brasileiro. Já a comparação entre 2019 e 2025 pode ficar ao gosto do freguês. Jorge Jesus contava com um time mais impressionante e seus shows foram mais arrebatadores, inclusive quando dependeu do milagre na final da Libertadores. Filipe Luís tem um elenco mais qualificado e tarimbado, o que permitiu conquistas sólidas e a constância em tantas frentes. Há seis anos, o deslumbramento e o fim da espera; agora, a confirmação e as promessas mais duradouras.
Não foi um Flamengo que venceu o PSG no Intercontinental, é verdade, mas por pouco. Em compensação, também foi um Flamengo que meses antes conseguiu uma virada fabulosa diante do Chelsea, que viria a ser o campeão da Copa do Mundo de Clubes. E, até num jogo em que abusou dos erros, conseguiu manter-se no páreo com o Bayern de Munique. Conquistar o Intercontinental ou a Copa do Mundo de Clubes não deve ser o objetivo primordial dos clubes brasileiros. No entanto, estas ocasiões de luxo já pareceram mais fora de alcance num passado não tão distante. O Flamengo de Filipe Luís comprovou como, diante de superclubes com condições financeiras consideravelmente maiores, é possível competir nas circunstâncias proporcionadas pela Fifa. A taça não veio desta vez, mas o sonho parece mais palpável do que antes – inclusive do que após a final de 2019, quando o Fla deu mais calor no Liverpool, mas não tinha a mesma sensação de continuidade sobre seu projeto. A confiança se renovou, independentemente da infelicidade nos pênaltis.
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Por conta de outros compromissos, este é meu último texto na Newsletter Meiocampo. Obrigado pela companhia em mais de 100 edições. Espero ter oferecido um trabalho à altura de seu apoio. Um abraço!
PODCAST MEIOCAMPO #195
O Mundial de Clubes (agora Intercontinental) foi decidido nos pênaltis pela primeira vez desde 2004 e o PSG contou com quatro defesas do goleiro Safonov para levar a taça. O Flamengo bateu na trave novamente, mas o desempenho levanta o debate: o que isso diz sobre a distância para a elite europeia? O abismo diminuiu ou é um caso isolado de consistência rubro-negra? Falamos ainda sobre a decisão da Copa do Brasil e a obsessão da CBF com Brasília.
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Em meio à crise do Old Firm, o Hearts ascende na Escócia
Por Bruno Bonsanti
Comecei a pesquisar para tentar entender exatamente o quão ruim estava a situação do Celtic, então entrei no Daily Record, um dos principais jornais da Escócia, e topei com uma manchete que dizia “Celtic está preso em um ESPIRAL DE MORTE e conseguiu TIRAR SUAS PRÓPRIAS TRIPAS DE MANEIRA ESPETACULAR”, então parece que está bem ruim.
Perdeu do Dundee United por 2 a 1 na última quarta-feira (17), um jogo em que não conseguiu acertar um chute no alvo depois dos 13 minutos. O Dundee United, a título de informação, quebrou uma sequência de sete jogos e dois meses sem vencer com aquela virada. Contando a derrota para o Hearts em um confronto direto entre líderes do Campeonato Escocês, a sapatada que levou da Roma no Celtic Park e o vice-campeonato da Copa da Liga da Escócia, são quatro derrotas consecutivas. A primeira vez que o Celtic perdeu quatro seguidas desde 1978.
Todos esses mini-desastres foram comandados por Wilfried Nancy, o primeiro treinador de um dos dois lados do Old Firm a perder as quatro partidas iniciais. É uma temporada histórica do Celtic. Nancy foi contratado para o lugar de Brendan Rodgers e, além do empecilho de só ter tido sucesso na Major League Soccer, foi colocado em contraste com uma lenda. Entre os dois, Martin O’Neill conseguiu sete vitórias em oito jogos como interino por algumas semanas e afirmou que permaneceria se alguém tivesse pedido. Ninguém pediu.
Após a derrota para o St. Mirren na final da Copa da Liga, alguns torcedores se reuniram nos arredores do Celtic Park para expressar insatisfação com a diretoria. Isso culminou na saída do presidente Peter Lawwell, que também foi diretor executivo do Celtic durante 18 anos e ajudou a arquitetar um período sem precedentes de domínio doméstico — nove títulos consecutivos e 13 em 14 temporadas, com cinco Tríplices Coroas (liga, copa, copa da liga).
Informando sua saída, Lawwell citou um tratamento “intolerável” de parte da torcida, com ofensas e ameaças que perturbaram sua família: “A esta altura da minha vida, eu não preciso disso. Não posso aceitar e, portanto, eu deixo o clube que amei minha vida inteira”. O diretor executivo, Michael Nicholson, afirmou que “três dos seus colegas” foram agredidos na noite do último domingo durante os protestos no Celtic Park.
Lawwell estava sendo responsabilizado por um mercado de transferências tão ruim que levou à saída de Brendan Rodgers. Essa foi uma outra crise em si. Rodgers não escondia do público a sua insatisfação com a lentidão com que o clube conduz os negócios, mesmo quando acabava abrindo a carteira. Depois de perder para o Dundee (o outro) em outubro, cunhou uma boa frase: “Não dá para receber um Honda Civic e dirigi-lo como uma Ferrari”. Os chefes não ficaram tão impressionados com sua maestria da língua inglesa. O pedido de demissão foi interpretado como uma combinação de rusgas internas pelas constantes reclamações com um começo de temporada instável.
A primeira hipótese ganhou força quando Dermot Desmond, principal acionista e homem-forte do Celtic, abandonou a discrição que geralmente adota, raramente se manifestando em público, para emitir um comunicado dizendo que a conduta de Rodgers foi “divisiva, enganosa e egoísta” e contribuiu para um clima “tóxico” que alimentou “hostilidade contra executivos e diretores”, com “o desejo de auto-preservação de um indivíduo às custas dos outros”. Não acho que Rodgers volta para uma terceira passagem.
Nancy foi pego no meio de tudo isso e no fundo nem importa a sua qualidade como técnico. Não é um ambiente propício para um profissional relativamente iniciante e que nunca lidou com algumas coisas que precisa lidar na Europa. Digamos que a torcida do Celtic é mais… fervorosa que as do Montreal Impact ou do Columbus Crew, com o qual ele conquistou a MLS e a Leagues Cup.
Quer um exemplo? Houve uma enxurrada de críticas quando ele mudou a foto do seu perfil no Twitter para a imagem de um Diagrama de Venn. Um círculo continha “Coisas que importam”, o outro, “Coisas que você pode controlar”, e uma seta apontava para a intersecção dizendo “No que você deveria focar”. Ele depois explicou que queria apenas atualizar o seu avatar, que ainda o mostrava como técnico do Columbus, para a mesma imagem que usa no WhatsApp. Era uma filosofia de vida, não uma mensagem sobre a má fase do Celtic. Absolutamente razoável, mas, nessa economia, sabe?
Ele também poderia evitar dizer que o trabalho de treinador é sobre “tentativa e erro” enquanto estiver em um momento de acumulação primitiva do segundo.
Não dá risada, não, Rangers, porque apesar de todo esse caos, você ainda está três pontos atrás do Celtic. Os seus problemas são menos dramáticos, embora um torcedor com carnê de temporada e editor do Daily Express tenha escrito que a janela de transferências do Rangers “certamente é a pior que um clube já teve na história do futebol”. Pesa a tinta, a imprensa escocesa, e é mentira porque o Rangers foi o time que vendeu o Jefté, não o que o contratou. Mas de fato gastou € 30 milhões em sete jogadores, seu maior investimento desde 2000 (sem corrigir a inflação) e começou a temporada com uma vitória nas primeiras oito rodadas. O maior investimento foi no atacante Chermiti, ex-Everton, que até agora entregou um retorno de um gol em 863 minutos.
O seu principal crime foi ter se convencido que era uma boa ideia contratar um dos dois treinadores que conduziram a segunda pior campanha da história da Premier League. Russell Martin caiu depois da sétima rodada, na oitavo posição, a 11 pontos do líder. Danny Rohl assumiu em seu lugar, ainda está invicto pela liga escocesa e encostou na briga pelo título. Infelizmente, na Liga Europa, perdeu do Brann e do Ferencvaros, mas está se recuperando.
Enquanto isso, o líder é o Hearts of Midlothian, conhecido como Hearts, porque ninguém sabe escrever Midlothian. É o clube que se tornou parte do império da família Roy por engano porque o Roman é muito burro. Na vida real, está aproveitando a ligação com Tony Bloom, empresário do ramo das apostas e dono do Brighton. Em novembro do ano passado, o Hearts anunciou uma parceria com a plataforma Jamestown Analytics, empresa que fornece dados, modelos estatísticos e serviços de análise para os clubes melhorarem seu recrutamento. Além das propriedades do próprio Bloom (Brighton e Union Saint-Gilloise), ela também é usada pelo Como, na Itália.
Bloom se tornou investidor oficialmente em junho, com a compra de 29% das ações por cerca de € 11 milhões. O Hearts até gastou mais do que normalmente faz no mercado do verão europeu, mas pulou de algumas centenas de milhares de euros para € 3 milhões, a maioria deles pelo volante brasileiro Ageu, das categorias de base do Cruzeiro e ex-Santa Clara, que entrou pouco em campo até agora por sucessivas lesões musculares. É a maior contratação da sua história (€ 2 milhões). Os outros reforços foram mais baratos ou sem taxa de transferência.
E cinco deles estão tendo uma participação relevante na campanha (mais de 1.000 minutos em campo): o goleiro Alexander Schwolow, o ponta esquerda Alexandros Kyziridis, o lateral direito Oisin McEntee, o zagueiro Stuart Findlay e o atacante Cláudio Braga, empatado com Lawrence Shankland (autor de um dos gols da épica vitória da Escócia sobre a Dinamarca nas Eliminatórias Europeias) como artilheiro do time até agora com oito gols cada. Dos outros 15 jogadores mais utilizados pelo técnico Derek McInnes na liga escocesa, mais três chegaram desde a janela de janeiro, ou seja, depois do início da parceria com a Jamestown Analytics. Mais ou menos meio time, contando apenas os titulares, e uma boa parte da rotação.
Com toda essa crise do Celtic e do Rangers, na prática a sua vantagem ainda é de apenas três pontos para o primeiro e seis para o segundo porque disputou uma partida a mais. De qualquer maneira, será o primeiro clube não-Old Firm a chegar ao Natal na ponta desde 1993. Quando comprou as ações do Hearts, Bloom afirmou que queria “interromper o padrão de dominação que existe no futebol escocês há tempo demais”. Para colocar “tempo demais” em números, o último campeão não-Celtic e não-Rangers foi o Aberdeen de Alex Ferguson em 1985. Combinando a consultoria de um dos modelos mais inteligentes do futebol europeu em tempos recentes com a sorte de os dois grandes terem contraído casos severos de crise no começo desta temporada, o Hearts tem uma chance de conseguir.
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A Newsletter Meiocampo conta com duas edições fixas semanais: às terças, exclusiva para assinantes, e às sextas, gratuita para o público em geral. Ocasionalmente, nossos assinantes também ganharão textos extras. Na última terça, falamos sobre as lembranças que Corinthians e Vasco trazem de 2012, a saga do Estudiantes de Verón batendo de frente com a AFA e campeão argentino e sobre o melhor time da Premier League, que não é quem você provavelmente está pensando.
O Maracanã não negocia com o silêncio: domingo é dia de sentença final
Por Felipe Lobo
Todo jogo conta uma história. Um empate por 0 a 0 já diz algo. Alguns são de dar sono e outros de tirar o fôlego. O que vimos entre Corinthians e Vasco na Neo Química Arena não se restringiu a nenhuma das duas categorias. Mais do que um jogo de futebol, foi um exercício coletivo de neurose.
Ao contrário do estádio, que pulsava, o placar se manteve silencioso, se recusando a dar qualquer spoiler sobre o final da história. Algo que o Maracanã, no segundo jogo, não permitirá. Domingo, não haverá como calar o placar. É preciso definir, seja como for.
A memória dos grandes confrontos não vive apenas dos gols ou da qualidade técnica. Corinthians e Vasco não deveriam estar ali, na final da Copa do Brasil. Se a lógica do futebol brasileiro de 2025 tivesse sido respeitada, ambos estariam lambendo as feridas de mais um ano de crises, brigas políticas e flertes com o desastre — uma intimidade com o abismo que assustaria qualquer torcedor racional. Mas o futebol, felizmente, odeia a lógica.
Chegar à final foi quase um ato de rebeldia desses dois gigantes. Foi exatamente a consciência de que viviam um milagre não planejado que tornou a bola tão pesada. A camisa pode servir de armadura para quem trilha o caminho das pedras, mas também pode esmagar quem a veste sob o peso do mundo. Não importa se o elenco atual não viveu todas as crises passadas; ao entrar em campo, o jogador carrega o legado, para o bem e para o mal.
A torcida do Corinthians sabe disso e faz da sua voz um mantra para empurrar os seus. Na Neo Química Arena, ninguém canta mais alto que a Fiel. A arquibancada empurrava, mas o time travava. Não faltou vontade, mas faltou articulação, especialmente ofensiva. Faltou a lucidez que só a calma traz. O problema é que calma é artigo de luxo para quem passou o ano com a corda no pescoço, tendo raros momentos de alívio — como o título Paulista sobre o Palmeiras e a nova eliminação do rival no caminho para esta final.
Do outro lado, o Vasco. Calejado por anos de sofrimento que fariam clubes menores fecharem as portas, o Cruzmaltino entrou em campo com a frieza de quem já viu o fim do mundo e voltou. O time de Fernando Diniz não foi a Itaquera apenas para se defender — algo que, aliás, costuma fazer mal, sendo dono da terceira pior defesa do Campeonato Brasileiro —, mas para bater de frente. Teve a personalidade de quem sabe que o pior, talvez, já tenha passado.
O gol anulado de Rayan no primeiro tempo deixou a sensação de que tudo era possível e provocou um calafrio na espinha dos milhares de torcedores presentes. No momento em que a bola entrou, mesmo com o impedimento claro, o estádio prendeu a respiração. A tragédia estava à espreita, pronta para cobrar seu preço. E foi o time da Colina quem pareceu estar mais perto da surpresa.
O 0 a 0 persistiu não por falta de tentativa, mas porque o nervosismo paralisou as pernas dos dois lados. Ninguém conseguiu render no seu limite técnico. Ninguém quis ser o vilão ou acordar do sonho antes da hora.
Há uma poesia melancólica neste confronto. Desde 1989, a final da Copa do Brasil é disputada assim: ida e volta, casa e fora, pressão e hostilidade. Esta decisão de 2025 é o último suspiro desse formato. Uma despedida triste de uma realidade da qual certamente sentiremos falta. Ver o seu time decidir um título em casa? Não será mais possível na Copa do Brasil, como já não é na Libertadores. A partir do ano que vem, a esterilidade das finais únicas em campo neutro tentará vender um “evento”, mas jamais entregará a alma de uma guerra em dois atos.
O que vimos em São Paulo foi a primeira metade de uma batalha que só termina quando a alma sai do corpo. O empate foi justo porque prolongou a agonia e a esperança na mesma medida.
Agora, a decisão viaja para o Rio de Janeiro. O Maracanã, palco de tantas glórias e tragédias, receberá dois sobreviventes no domingo. Há quase 26 anos, Corinthians e Vasco decidiram o mundo naquele mesmo gramado. O tempo passou, os craques mudaram, as crises vieram e os dois times tiveram trajetórias muito distintas. Mas, em uma coisa, são iguais: são dois gigantes que se recusam a aceitar o papel de coadjuvantes que décadas de gestões caóticas tentaram lhes impor.
Para um dos dois, o domingo será a redenção, a glória em meio ao caos. Para o outro, a dor de nadar um oceano inteiro para morrer na praia. O 0 a 0 de Itaquera não resolveu nada, apenas garantiu que o grito — seja de campeão, seja de dor — ecoará por todo o Brasil na noite de domingo. A história será escrita, e ela promete ser cruel e maravilhosa na mesma medida.









