O que falta ao Arsenal?
A quarta-feira decisiva na Champions, o ineditismo do Betis numa final europeia, a idolatria de Antonio Juliano no Napoli, o roteiro do final de semana: a Newsletter Meiocampo chegou!
Newsletter Meiocampo - 9 de maio de 2025
As três finais continentais da Europa estão definidas. E, entre as celebrações dos classificados, há também frustrações pela chance perdida. O Arsenal lamenta bastante o deslize na Champions e fazemos algumas reflexões sobre os londrinos. Para os vencedores, destacamos o protagonismo de Fabián Ruiz no PSG (tal qual na Eurocopa) e o simbolismo da final do Betis na Conference. Vale ressaltar que também falamos sobre o sísmico Inter 4x3 Barcelona nesta semana, mas no calor do jogaço, em uma edição extra da newsletter enviada para apoiadores logo na terça-feira. Temos ainda um texto especial nesta sexta, de um convidado conhecido por muitos de vocês: Leandro Iamin, que aborda a idolatria de Antonio Juliano no Napoli. Por fim, um giro por outras competições e um roteiro das grandes partidas que acontecerão no final de semana. Aproveite!
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EXTRA! TEM EDIÇÃO EXTRA DO MEIOCAMPO!
O Internazionale 4x3 Barcelona, uma das maiores partidas da história da Champions League (bem como um dos maiores confrontos do futebol europeu em jogos de ida e volta), pedia textos imediatos após a classificação dos nerazzurri. Assim, tivemos uma ocasional edição extra do Meiocampo na última terça-feira, para apoiadores. Analisamos o jogo e falamos também sobre a atuação gigantesca de Yann Sommer. Os textos seguem disponíveis por este link. Além da assinatura, você pode fazer um teste gratuito.
O que falta ao Arsenal?
Por Bruno Bonsanti
Eu gostaria que Mikel Arteta identificasse o membro da comissão técnica do PSG que declarou que o Arsenal foi melhor na semifinal da Champions League para que o colocássemos no banco das testemunhas, sob juramento, com o Tom Cruise gritando “EU QUERO A VERDADE” até ele admitir que estava apenas sendo educado, talvez?
Não é que o Arsenal fez uma semifinal ruim. Gianluigi Donnarumma foi mais uma vez um dos destaques. Há alguns lances em que uma finalização um pouquinho mais caprichosa poderia ter mudado a história, como Martinelli e Trossard no primeiro jogo, Rice e Saka no segundo. O xG é favorável aos ingleses, e dadas as circunstâncias, algumas extraordinárias, outras auto-impostas, foi uma apresentação bastante honrosa.
Mas o outro time perdeu um pênalti, sabe? E também pode apontar para os erros de Barcola e Gonçalo Ramos no norte de Londres e para a bola na trave de Kvaratskhelia em Paris, e para as dezenas de contra-ataques que conseguiu armar com imensa facilidade quando recuperava a bola. O PSG sempre pareceu no controle. Sempre pareceu o melhor time. O que tinha uma outra marcha para engatar se fosse necessário, enquanto o Arsenal dava tudo que tinha apenas para competir.
A história da reconstrução do Arsenal sob o comando de Arteta e do diretor Edu Gaspar, agora na holding do dono do Nottingham Forest, é interessante e incomum para o alto nível do futebol europeu porque foi baseada em um artigo em desuso: paciência.
Arteta, cujo pedigree se limitava a ex-jogador e estagiário do Guardiola, assumiu o Arsenal antes do Natal de 2019 e demorou pelo menos uns dois anos para ficar claro que havia algo de especial ali, período em que o Manchester United teria trocado de técnico três vezes. Desde então, a progressão tem sido gradual: briga por vaga na Champions League; briga meia-bomba pelo título inglês; briga de verdade pelo título inglês; e agora semifinal da Champions League.
É curioso que o único título de Arteta no comando do Arsenal, tirando Supercopas da Inglaterra, tenha sido conquistado justamente naqueles primeiros 18 meses em que pouco parecia dar certo. Mas pegando apenas o recorte posterior, no qual as coisas deram certo, o trabalho dele chegará a quatro temporadas sem gritar campeão e isso passa uma sensação de estagnação.
As duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo: o Arsenal evolui regularmente, mas devagar, e ainda está faltando alguma coisa para realmente ser candidato aos principais títulos.
Em muitos momentos em que a briga pegou fogo de verdade, em que o negócio ficou realmente difícil, em que os campeonatos se afunilaram, eles não se mostraram à altura do desafio, seja nas rodadas finais da temporada 2021/22, quando entregaram a vaga na Champions League para o Tottenham, seja nos confrontos diretos com o Manchester City na campanha seguinte ou agora, perdendo 21 pontos em uma situação de vantagem na Premier League e em um confronto complicado contra o PSG.
Ao mesmo tempo, em outro confronto complicado, o Arsenal atropelou o Real Madrid. Isso é progresso. O problema é que a Champions League pede que você faça isso não apenas uma vez, mas duas, três, quatro vezes, e de vez em quando a Premier League pede que você faça mais ou menos isso todas as semanas, e esse nível o Arsenal ainda não atingiu.
O último salto, para a excelência, é o mais difícil de dar, e faz dois ou três anos que o Arsenal parece próximo de conseguir dá-lo e não consegue.
A impaciência dos torcedores é compreensível porque eles olham para outros clubes e veem Luis Enrique transformando o PSG em uma máquina em dois anos, e o que Jürgen Klopp fez no Liverpool em quatro, ou Simone Inzaghi na Inter em três, e se perguntam por que está demorando mais para o Arsenal. A resposta pode ser tão simples quanto cada situação é uma situação, os pontos de partida foram diferentes, ou que Arteta não é tão bom treinador quanto esses outros, o que não significa que não seja o treinador certo para este momento do Arsenal.
Eu deixo para o novo papa julgar as dezenas de respostas atravessadas que Arteta deu durante a temporada, as lamentações sobre a quantidade realmente excessiva de problemas físicos, ou a declaração de que o Arsenal foi melhor que o PSG na semifinal ou de que o seu time teria sido campeão inglês em outras temporadas porque a pontuação do Liverpool não é tão alta assim. Eu fico com o que eu acho que elas significam: ele também parece impaciente.
Há um fundo de verdade em dizer que ser campeão depende de circunstâncias, de estar na hora certa no lugar certo, mas também há uma diferença entre o campeão por acaso, que encaixou uma boa campanha em uma temporada fraca, e o que força as circunstâncias ao seu favor. Com o primeiro jeito, você conquista um título ou outro. Com o segundo, faz história.
Há uma outra declaração pós-jogo mais sábia de Arteta, quando ele lembra que Marquinhos está em sua 12ª tentativa consecutiva de conquistar a Champions: “Onze vezes Marquinhos caiu e teve que se levantar. Se você quiser estar neste esporte e competindo e ficando muito próximo do título, é melhor que saiba lidar com isso. Dói, mas você tem que lidar com isso”.
É… ele não soube lidar tão bem com isso.
E talvez a única coisa que falte agora é um centroavante de primeira linha e mais um ou dois reforços. As críticas, as piadas e a percepção do trabalho de Arteta neste momento talvez tenham tanta força porque não estamos acostumados com um clube que abraça uma evolução mais lenta ou o tempo provará que o Arsenal estava errado em ter paciência.
Não tem fórmula exata para reconstruir um clube. São raros os técnicos imediatamente revolucionários e temos muitos exemplos de retrocessos que emanaram de decisões impulsivas, mais de um na parte de baixo da tabela da Premier League, então talvez não seja uma má ideia tentar algo um pouco diferente.
🎧PODCAST MEIOCAMPO #130
A Inter eliminou o Barcelona em uma semifinal histórica e em dois jogos dramáticos e cheios de reviravoltas. O PSG será o adversário na final, depois de superar um promissor Arsenal. Na Libertadores, tivemos uma semana movimentada. Já na Sul-Americana, nenhum brasileiro foi capaz de vencer - e com derrotas pesadas. Acompanhe ao vivo, no YouTube do Meiocampo, excepcionalmente a partir das 15h nesta sexta!
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Antonio Juliano: O Anti-Maradona que moldou a alma napolitana
Antes do gênio argentino, um ícone local desafiou estereótipos e pavimentou o caminho
Por Leandro Iamin
(Eu vou falar com você sobre Antonio Juliano, e vou começar ajustando o ponteiro do relógio "partenopei": Juliano se despede do futebol seis anos antes de Diego Maradona desembarcar em Nápoles. Sim, havia idolatria, brio e muito futebol naquela cidade antes do gênio argentino tomar para si todas as referências)
No último dia 19 de abril o Napoli foi até Monza, na Lombardia, e venceu o time local por 1 a 0, o que permitiu ao torcedor ver o time na liderança do Campeonato Italiano. Atrás do gol da esquerda a torcida visitante lotou o seu espaço no estádio Brianteo. Mais de quatro mil adeptos foram até a cidade, mas nenhum deles saiu de Nápoles: uma punição da FIGC impede o acesso de moradores de Nápoles como torcedores visitantes pelo país. A arquibancada, então, estava tomada por napolitanos que, em algum momento da vida, passaram a morar fora da cidade em que nasceram. Uma reunião muito interessante de torcedores, portanto.
No gol da vitória, a emoção daqueles torcedores filmados pela TV parecia mais do que a emoção de um simples gol. Um brutamontes, em primeiro plano na tela, chorava em desabafo. Só quem vem de um lugar massacrado, vilipendiado, só quem ouve preconceito a vida inteira, sabe o que é viver longe do ninho e manter a cabeça erguida. O gol do Napoli ajudou em 19 de abril, como o gol de Giacomo Raspadori ajudou a manter o Napoli na liderança no último domingo. Antonio Juliano ajudou muitos anos antes.
A diáspora do napolitano pelo mapa da "bota" nos leva ao "milagre econômico" que o país viveu após a Segunda Guerra Mundial. O crescimento industrial (mas não só industrial) da Itália nos anos 1950 foi absolutamente fora da curva, em especial no noroeste do país. Entre 1955 e 1970, mais de três milhões de jovens pobres saíram do sul para tentar a vida neste tal milagre - os netos de alguns deles podem ter assistido Monza 0x1 Napoli. O país via o desabastecimento de mão-de-obra em áreas rurais, porque o fluxo para cidades do norte era intenso. Imigrantes se amontoavam de forma precária nas periferias das cidades industriais do norte. Topavam qualquer oferta. Aumentava o estigma sobre eles.
Em ato contínuo, para estancar a imigração e repartir o milagre, foi criado, em 1950, o Cassa per il Mezzogiorno, um fundo de desenvolvimento para o sul do país. Não gerou a prosperidade idêntica ao do norte, mas deu estradas honestas, água potável, escolas melhores e serviços múltiplos. A malária, mal comum da região, foi erradicada, e o desenvolvimento fabril, industrial e de infraestrutura aconteceu. Além disso tudo, e aqui a gente toca de novo o futebol, o milagre econômico precisa de um gesto de realismo social: a televisão, notadamente através da RAI, se tornou um veículo fundamental para que o italiano visse uma (sensação de) unidade nacional. Entre outras coisas, a RAI consegue direitos de difusão do futebol do país a partir dos anos 1960. Em outras palavras, é quando jogos do Calcio passam a ser transmitidos para todo o país.
Antonio Juliano estalou nas televisões desta época. Atuou pelo Napoli entre 1962 e 1978. Cria da base, "Totonno" Juliano estreou em 31 de maio de 1962, contra o Mantova. Era a semifinal da Coppa Itália, que seria vencida pelos napolitanos. A conquista tem importância no impulso institucional do clube, que virou, naquela década, uma sociedade por ações controlada por Achille Lauro, um desses tubarões da política que passam décadas colecionando poderes. Naqueles anos o Napoli era gerido pelos mesmos tipos que decidiam rumos políticos da cidade - aprendeu com quem, Berlusconi?
Antonio Juliano se tornou, dá pra dizer, o primeiro ídolo do Napoli a ser assistido, visto, pelo resto do país. E isso não é pouca coisa quando estamos falando de um jogador nascido em Nápoles, mas muito diferente do estereótipo que o país tem de um napolitano. Juliano era consciente que, no país, o napolitano é chamado de preguiçoso, indolente, sujo, malandro, razão que o forçou, em suas palavras, a fazer do sacrifício sua religião.
Foi um jogador muito dedicado e sério, literalmente para a Itália ver. Juliano tomou a sua carreira como algo importante para a coletividade. Aos poucos, desfez, em alguma medida no imaginário coletivo, o mito do jogador napolitano "de rua", sacana, desleal e sem compromisso. Fez isso se tornando um tipo ranzinza, metódico, tenaz, que não se permitia o desleixo, pois quem vem de baixo não costuma ser perdoado. Teve sempre postura invejável com os árbitros e se ocupou de falar com a imprensa em idioma italiano elegante, deixando de lado o dialeto napolitano.
Isso não te parece uma forma de desdizer tudo que Maradona seria alguns anos depois? Porque Maradona atuou no contraturno do ideário de Juliano: vindo de fora, captou a psiquê do povo napolitano, entendeu suas broncas, traumas e revoltas e fez questão de se tornar, pouco a pouco, uma caricatura justamente daquilo que o resto do país dizia de um típico morador de Nápoles. Desbocado, indisciplinado, folgado, insubordinado, caótico, apaixonado, grosseiro e sem filtros sociais muito apurados. Mais tarde, também errante, tomado pelo vício, cheio de comportamentos sombrios. Antonio Juliano tinha o apelido de "Napolitano Atípico". Maradona veio depois para reafirmar a alcunha de seu antecessor, esticando ao máximo a persona do "napolitano típico" como um Papa que chega ao Vaticano para dizer as mesmas coisas que o anterior, mas de um jeito diferente.
Antonio Juliano viu, como jogador, o surgimento da primeira "torcida organizada" do clube, fruto de uma mistura explosiva de tudo que as ruas mostravam: um submundo de violência, as periferias protegidas do roubo graças a mafiosos, a contracultura jovem que sempre emerge destes cenários e outros fenômenos de massa: a cidade tem muito desemprego e abriga gente com bagagem cultural para perfilar em postura de luta por direitos. São anos de aceso debate sobre que merda, afinal, a Itália quer e pensa do sul. Em 1975 o partido comunista chega ao poder na cidade. Antonio Juliano já está caminhando para a sua despedida.
Totonno Juliano ganhou duas Coppa Italia - na chegada e na saída do clube, curiosamente. Em 68 e 75 o Scudetto bateu na trave. Esteve nas Copas do Mundo de 66, 70 e 74, a primeira delas com a camisa 10, mas não saiu do banco de reservas em nenhum dos três Mundiais. Ele só joga um pouquinho em Itália 1x4 Brasil, na final da Copa de 1970, quando a seleção do Zagallo já está dando olé. Também como reserva, ganhou a Euro de 1968 com a Azzurra. Quando para de jogar, participa da diretoria do clube. Está na sala onde é firmado o contrato com Diego Maradona. Morreu em dezembro de 2023 e sua memória de napolitano atípico foi ovacionada no Stadio Diego Maradona, o napolitano típico.
Elena Ferrante, em sua tetralogia A Amiga Genial, retrata Nápoles dos anos 1950. Violenta e precária, simples e hostil, cheia de gente que mal consegue sonhar com uma outra vida, mais alegre e próspera. Nas décadas seguintes não ficou muito melhor, mas tanto a literatura quanto o futebol mostraram como o napolitano calcula a educação e o polimento como armas, não só como virtudes.
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A noite europeia que o Betis tanto almejou
Por Leandro Stein
Sete vezes a torcida do Betis se submeteu à desgastante tarefa de secar os maiores rivais numa final europeia. Sete vezes os verdiblancos se frustraram com títulos do Sevilla, vencedor em todas as suas decisões na Copa da Uefa / Liga Europa. Se há rivalidades muito mais díspares em outras cidades pelo mundo, talvez nenhuma outra seja mais sofrida no âmbito das competições continentais – até porque, nos demais parâmetros, há uma certa noção de igualdade, com argumentos para os dois lados. Os beticos foram campeões de La Liga primeiro, conquistaram a Copa do Rei mais recente eliminando a nêmesis, têm torcedores vistos como mais fanáticos. Além das fronteiras, porém, os louros na Andaluzia ficam todos com os sevillistas – ainda que, curiosamente, no ano do primeiro troféu rojiblanco, quem estava na Champions era o Betis. Talvez esse cenário mude ligeiramente em breve. A decisão inédita na Conference League enfim pode fazer um pouco mais de jus à grandeza verdiblanca.
Uma taça não são sete, assim como a terceira competição da Uefa está abaixo da segunda em nível de importância. Pouco importa quando existe a chance tão aguardada de cumprir uma ambição do clube, que possui mais tradição que outros tantos compatriotas com finais no currículo. Até esta campanha na Conference, o Betis somava 14 participações em copas europeias e nunca tinha passado sequer das quartas de final. Quando a barreira foi rompida, aconteceu com autoridade. A Fiorentina, adversária batida nas semifinais, possui no currículo seis finais europeias – mesmo com um só título. Após a vitória por 2 a 1 no Benito Villamarín, os beticos buscaram na prorrogação a classificação, com o 2 a 2 no Artemio Franchi.
O favoritismo na decisão será do Chelsea. E não é nem uma questão necessariamente de peso continental – por mais que os Blues tentem ser o primeiro clube europeu a faturar todos os troféus da Uefa, após terem em sua galeria Champions, Recopa e Liga Europa. A diferença no orçamento dos londrinos tem pesado em toda a Conference, inclusive ao escalarem reservas em parte da caminhada. Contudo, se havia um oponente no torneio gabaritado para bater de frente com o Chelsea, este é o Betis.
A campanha dos verdiblancos nem foi tão linear assim, com seus tropeços. O ritmo forte exibido em La Liga serve até mais para endossar a capacidade da equipe espanhola. Já seu grande diferencial é a experiência. De contar com um Manuel Pellegrini no banco de reservas. De ter um Isco como seu grande maestro. De reunir ainda figuras como Marc Bartra, Ricardo Rodríguez, Giovanni Lo Celso, Cédric Bakambu. Os beticos são mais cascudos que o jovem elenco do Chelsea e, em 90 (ou 120) minutos, isso pode pesar bastante.
E o Betis também conta com uma dose de imprevisibilidade, graças a Antony. Que, na verdade, tem sido muito previsível: em todo jogo o brasileiro arrebenta. Foi ele, com sobras, o artífice dessa classificação à final. O torpedo (de direita!) rumo ao ângulo na ida foi de aplaudir de pé. Teve mais em Florença, com uma pintura de falta que beijou a trave e entrou no ângulo. Coube, por fim, o passe açucarado para o gol decisivo anotado por Abde Ezzalzouli. Ao apito final, o camisa 7 desabou em lágrimas, ciente da reviravolta que experimenta em sua carreira. De escorraçado no Manchester United, virou um dos melhores pontas da Europa neste momento. Sem exageros, já um ídolo do Betis, a um jogo da gratidão eterna. Reforça uma legião brasileira que fincou a bandeira do país em Heliópolis, bem acompanhado por Natan e Johnny Cardoso (com sua dupla nacionalidade) no atual elenco.
Não é de hoje que o Betis monta times competitivos e com claro talento, mesmo que o orçamento curto não permita um elenco tão profundo. Manuel Pellegrini liderou os verdiblancos à conquista da Copa do Rei em 2022, enquanto o G-4 de La Liga só não veio antes por faltar um pouco mais de consistência nos pontos corridos. Dessa vez, os beticos são mais regulares e tem protagonistas que decidem partidas. A volta à Champions após 20 anos parece possível, numa briga ponto a ponto com o Villarreal pelo G-5 do Espanhol. Mais importante, um troféu europeu surge ao alcance das mãos dos beticos na Conference. Resta uma noite para botar fim a duas décadas de inveja na Andaluzia.
Fabián Ruiz e a transformação como protagonista
Por Leandro Stein
Quando Fabián Ruiz chegou ao Paris Saint-Germain, em agosto de 2022, indicava a propensão do clube em repaginar sua estratégia no mercado de transferências. Os parisienses necessitavam não só de estrelas, mas também de bons coadjuvantes que melhorassem a coesão coletiva – sobretudo no meio-campo. O espanhol atendia exatamente a esse tipo de demanda: um jogador talentoso, mas à sombra dos astros. E se a realidade no Parc des Princes virou do avesso nos últimos meses, o camisa 8 aproveitou o vácuo para se provar com uma importância além. Desde a Euro 2024, Fabián Ruiz é um também protagonista, o que se notou também nas semifinais da Champions League.
A liderança técnica não pesou a Fabián Ruiz nem mesmo em momentos precoces de sua carreira. Foi assim que o meio-campista eclodiu no cenário continental, em 2019, com a conquista do Campeonato Europeu Sub-21. Sob as ordens de Luis de la Fuente, o camisa 6 liderou a vitória na final contra a Alemanha, com o gol que abriu o placar e o chute que gerou o rebote para fechar o placar em 2 a 1. Aquela Espanha tinha Dani Olmo, Mikel Oyarzabal, Mikel Merino e outros que chegaram à seleção principal. O prêmio de melhor do torneio ficou com Fabián Ruiz.
Àquela altura, Fabián sequer continuava em La Liga. O prata da casa do Betis, que ajudara na volta do time à primeira divisão, se tornou aposta do Napoli. Teve bons anos na Serie A com diferentes treinadores e se consolidou na seleção da Espanha. Um bom passador, com qualidade para chegar mais à frente. Entretanto, sem gerar elogios maiores do que estes, sem atrair manchetes dos jornais e mesmo sem despontar como titular absoluto da Roja. Luis Enrique o manteve como reserva em boa parte da Euro 2020, sua primeira grande competição. Nem sequer foi à Copa do Mundo de 2022.
Antes do Mundial do Catar, Fabián Ruiz já tinha chegado ao PSG. Sinal da mudança na política do clube, o espanhol nem custou uma fortuna no mercado: os franceses pagaram €22,5 milhões, menos que os €30 milhões desembolsados pelo Napoli quatro temporadas antes – numa venda motivada também por entrar no último ano de seu contrato. Em tempos do trio Lionel Messi, Kylian Mbappé e Neymar, o papel de Fabián Ruiz era carregar o piano.
Foi importante o reencontro com Luis de la Fuente na seleção espanhola. Fabián Ruiz conquistou a Liga das Nações 2023 como titular na decisão contra a Croácia – torneio pelo qual, anos antes, já tinha gravado uma grande atuação nos 6 a 0 diante da Alemanha. No PSG, aconteceu também o reencontro com Luis Enrique, este não tão feliz de primeira. O camisa 8 esquentou mais vezes o banco na temporada 2023/24, visto como uma alternativa para o segundo tempo.
A mudança de perspectiva ocorreu na Euro 2024. Rodri ganhou o prêmio de melhor jogador do torneio mais por renome e centralidade no elenco do que por bola em si. Quem jogou melhor ao longo da conquista da Espanha foi Fabián Ruiz, uma máquina para dominar o meio-campo e contribuir com lances decisivos mais à frente. Foi uma peça do motor, mas também algo a mais. Descobriu uma nova vocação de referência sem deixar de ser o jogador funcional de outrora, algo que Luis Enrique aproveitou neste PSG de 2024/25.
É aberta a discussão se Fabián Ruiz se coloca como o melhor meio-campista do PSG, diante da onipresença de Vitinha e da ascensão de João Neves. O espanhol, por sua vez, oferece um extra em termos de efetividade. E quando chega a exigência dos jogos de maior pressão, ele corresponde com algo a mais também na conexão com o ataque. A classificação diante do Arsenal, se foi mais segura do que o imaginado, não dependeu somente de Gianluigi Donnarumma ou Khvicha Kvaratskhelia. Fabián Ruiz igualmente tranquilizou a equipe, sobretudo quando tirou da manga o chutaço que abriu o placar no Parc des Princes e facilitou a missão desde o primeiro tempo.
Uma das virtudes desse PSG é não contar com um jogador acima dos demais. Há vários que batem no peito durante as partidas, e alguns de forma mais recorrente, como Ousmane Dembélé. Todavia, Luis Enrique conseguiu construir uma equipe que junta uma ampla gama de recursos com diversas valências individuais. Há atacantes perigosos por qualquer lado do campo, meio-campistas tão capazes de cadenciar quanto acelerar, defensores que sabem atacar os espaços. Fabián Ruiz está entre aqueles que melhor simbolizam tal multiplicidade de recursos. E sem precisar ser visto como só mais um. Ao papel de protagonista, ele já se mostrou à vontade, num ano transformador à sua imagem.
Giro
- Considerando a pouca atenção que os clubes ingleses costumam dar à Liga Europa, é até injusto que ela possa salvar a temporada de dois deles, mas é isso que estará em jogo no Estádio San Mamés, em 21 de maio: quem vencer conquistará um título importante e terá vaga na Champions League, e quem perder terá tido apenas uma temporada desastrosa mesmo. O troféu representa mais para o Tottenham, que pode quebrar um jejum muito famoso de 16 temporadas sem gritar campeão em uma competição que já venceu duas vezes, na era Copa da Uefa. Também com uma Recopa Europeia, ele se isolaria em quarto lugar no ranking de títulos continentais dos clubes ingleses, nada mal para quem tem sua grandeza contestada com frequência. O Manchester United conquistou a Liga Europa em 2016/17 com José Mourinho e não foi exatamente um divisor de águas na sua história pós-Alex Ferguson. No entanto, alguma coisa precisa acontecer para fazer Rúben Amorim parar de dizer o quanto o seu time é ruim todas as vezes que abre a boca, ou, pelo menos, lhe dar um pouco de moral (e mais dinheiro, afinal, não tem nem para o almoço dos funcionários) para a reconstrução que terá que fazer no próximo mercado.
- Os clubes brasileiros experimentaram uma das rodadas mais amargas nas temporadas recentes das competições continentais. O desempenho na Copa Sul-Americana pode ser chamado de desastroso, sem uma vitória sequer de todos os sete clubes. O Vasco ofereceu o maior vexame, com a derrota por 4 a 1 para o Puerto Cabello, uma goleada inédita de um representante venezuelano sobre brasileiros. Mas não que sejam mais honrosas as derrotas do Atlético Mineiro para um Deportes Iquique afundado na lanterna do Campeonato Chileno ou do Fluminense para um San José que vinha de sete partidas sem vencer. Das sete equipes na Sula, nenhuma lidera seu grupo e três estão fora da zona de classificação, com o Cruzeiro ainda na lanterna de sua chave. O nível da competição pode ser relativamente baixo, com clubes menos tradicionais dos países vizinhos. Por outro lado, o catado daqueles que majoritariamente ficaram na metade inferior do Brasileirão também tem seus custos, ainda mais quando a desorganização impera em muitos deles.
- Não que a Libertadores tenha sido tão melhor assim. Palmeiras e São Paulo conquistaram os melhores resultados fora de casa e lideram suas chaves, enquanto o Fortaleza amassou o Colo-Colo e deu um passo importante para a classificação. De resto, também problemas. O Botafogo até venceu o Carabobo no apagar das luzes, mas está fora da zona de classificação. O risco é o mesmo para o Flamengo, que precisava recuperar pontos diante do Central Córdoba e cedeu o empate em Santiago del Estero. No grupo da morte, que a derrota do Inter na visita ao Atlético Nacional seja mais compreensível, o Bahia jogou fora a vantagem construída ao tomar a virada em casa para o Nacional. Ainda há condições para todos se classificarem aos mata-matas, mas não é a primeira vez que a fase de grupos traz suas cascas de banana a times que pensam que vão nadar de braçada só pela disparidade financeira. É preciso efetividade, trabalho e sua dose de preparo.
- Aliás, destaque também ao sucesso dos visitantes nesta semana de futebol na América do Sul. Dos 16 jogos da Libertadores, foram nove vitórias dos forasteiros e apenas três derrotas. Serviram para recuperar alguns tropeços surpreendentes dos mandantes na segunda rodada – as respostas incluem Universidad de Chile 0x3 Estudiantes, Barcelona 2x3 River Plate, Alianza Lima 0x2 São Paulo, Bucaramanga 0x4 Racing e Bahia 1x3 Nacional. Na Sul-Americana, os visitantes também tiveram mais sucesso que os mandantes, com seis vitórias a cinco.
- Para quem gostava dos textos do amigo Emmanuel do Valle no antigo site, fica a sugestão para acompanhar a produção de efemérides sobre conquistas históricas do futebol inglês em sua página, o “It’s A Goal!”. Nos últimos dias foram publicados artigos sobre o Everton campeão do Campeonato Inglês e da Recopa Europeia em 1984/85, o Liverpool que só levou sua primeira FA Cup em 1964/65 e o Derby County campeão no imprevisível Campeonato Inglês de 1974/75.
Roteiro do fim de semana
Por Felipe Lobo
O fim de semana tem alguns clássicos e jogos muito importantes para os rumos das principais ligas europeias. Confira:
Campeonato Italiano: Lazio x Juventus
Sábado, 13h30 - Disney+
Juventus e Lazio disputam diretamente uma vaga na Champions League e estão empatados neste momento, com 63 pontos. A briga por uma das quatro vagas para a Champions está acirrada: a Atalanta é terceira com 68, enquanto a Roma tem 63 pontos, em quinto, entre Juventus e Lazio. Ninguém pode se dar ao luxo de perder pontos.
Campeonato Português: Benfica x Sporting
Sábado, 14h00 - ESPN 4, Disney+
É praticamente uma final do Campeonato Português. Os dois times estão empatados com 78 pontos e o primeiro critério de desempate é justamente confronto direto. No primeiro turno, o Sporting venceu por 1 a 0 em Alvalade. Agora é a vez do Benfica, que passa à frente em pontos se vencer e, se o conseguir uma vitória por ao menos dois gols de diferença, fica à frente nos critérios de desempate. Tem tudo para ser um jogão!
Alemão 2ª divisão: Hamburgo x Ulm
Sábado, 15h30 - OneFootball
Pode ser um dia histórico: o Hamburgo só precisa de uma vitória para garantir o acesso à Bundesliga, depois de sete temporadas na segundona. Quatro vezes o HSV ficou em quarto e outras duas em terceiro, mas foi derrotado nos playoffs. Desta vez, o Hamburgo lidera com 56 pontos, seguido pelo Colônia com 55. O Elversberg é o terceiro com 52, mesma pontuação do Paderborn. Restam apenas duas rodadas para o final e, portanto, se o Hamburgo ganhar, terá quatro pontos de vantagem para o terceiro colocado a uma rodada do fim. Os dois primeiros sobem direto. O problema é que o Ulm está em 17º e precisa vencer para tentar alcançar o Preussen Münster, 16º, e ao menos ter chance de escapar do rebaixamento no playoff. Promessa de jogo tenso no Volksparkstadion.
Campeonato Inglês: Newcastle x Chelsea
Domingo, 08h00 - ESPN, Disney+
Se você gosta de acordar cedo, prepare um bom café e desfrute este jogo. Uma batalha por vaga na Champions League na Premier League e com os dois times com 63 pontos. O Newcastle é atualmente o quarto colocado por ter mais gols marcados, já que o saldo também é igual. Os cinco primeiros colocados vão para a Champions League, mas nem Newcastle e nem Chelsea estão a salvo, porque Nottingham Forest (61 pontos) e Aston Villa (60) estão perto e uma rodada já pode ser suficiente para perderem seus lugares.
Campeonato Espanhol: Barcelona x Real Madrid
Domingo, 11h15 - ESPN, Disney+
El Clásico que vale muito, porque é a última chance do Real Madrid tirar pontos diretamente do Barcelona na disputa pelo título de La Liga. Com 79 pontos, o Barcelona está quatro à frente do Real Madrid, que tem 75, a quatro rodadas do fim. Caso vença, abre sete pontos com apenas nove a serem disputados e coloca a mão na taça. Se perder, a distância para o Real Madrid cai para um ponto e a disputa fica bem aberta. Como será que o Barcelona vai lidar com a eliminação da Champions League para a Inter?
Campeonato Alemão: Leverkusen x Dortmund
Domingo, 10h30 - Sportv, OneFootball, CazéTV
O Dortmund vem em grande fase e precisa de pontos para chegar à Champions League, já que está um ponto atrás do quarto colocado, o Freiburg. O Leverkusen está só a passeio depois de o Bayern confirmar o título, mas é um time sempre interessante de se assistir. Além disso, após o anúncio de que deixará o comando dos Aspirinas, será uma das últimas vezes de Xabi Alonso como técnico da equipe, a última delas na BayArena.
Até a próxima semana!
Que ótima notícia a volta do “It’s A Goal!”.
Quem sabe os amigos não encorajam o Emmanuel a aderir ao Substack também hehe