Quem sabe o Boca não abra os olhos da Conmebol
Queda do Boca Juniors expõe o problema da repescagem e o excesso de vagas para a Sul-Americana, que poderia ser melhorado
Newsletter Meiocampo #13 - 28 de fevereiro de 2025
A edição desta sexta-feira da newsletter Meiocampo discute a necessidade da Conmebol repensar a repescagem dos times da Libertadores para outras competições continentais diante da queda do gigante Boca Juniors. Também fala sobre o que parecia loucura, mas já não parece mais: o retorno de Neymar à Europa. Falamos também sobre o quanto às vezes os clubes precisam de apenas alguma familiaridade, com Claudio Ranieri e David Moyes como exemplo. E ainda tem as curtas. Desfrute!
Quem sabe o Boca não abra os olhos da Conmebol
Por Leandro Stein
Não é preciso quebrar muito a cabeça para criticar a Conmebol em relação aos seus regulamentos. Dentre tantos notáveis absurdos nas competições sul-americanas, um deveria chamar especial atenção: a maneira como a temporada continental tende a ser bem mais curta aos times que entram nas fases preliminares da Libertadores, em comparação aos classificados para a Copa Sul-Americana. Equipes com melhores posições nas ligas nacionais deveriam ter alguns privilégios, como um sistema eficaz de repescagem entre os dois torneios, mas não é o que ocorre na América do Sul. E o que é visto como problema há tempos, agora fica em evidência, com o vexame do Boca Juniors na Libertadores.
Não é uma questão de passar o pano. A queda do Boca Juniors é sintomática dos percalços enfrentados pelo clube nos últimos tempos. Os xeneizes vinham de uma temporada acidentada, em que a própria vaga na Libertadores esteve em xeque através do Campeonato Argentino. Diante de um Alianza Lima que investe, o saldo da derrota por 1 a 0 no Peru poderia ter sido ainda pior, não fossem as defesas de Agustín Marchesín. Já na Bombonera, a equipe de Fernando Gago encontrou dificuldades para matar o confronto, sobretudo pela quantidade de gols perdidos. Nos pênaltis, os aliancistas infligiram o baque aos boquenses.
Méritos do Alianza exaltados e deméritos do Boca Juniors evidenciados, é preciso dizer que o caminho nas competições continentais poderia conceder uma sobrevida aos times que participam das preliminares da Libertadores. A temporada sul-americana acaba para 11 equipes em apenas 180 minutos, independentemente do que construíram em suas ligas nacionais no ano anterior. Diferentemente do que acontece na Europa, com Liga Europa e Conference League dando novas chances a quem cai cedo na Champions, a Conmebol peca em privilegiar os eleitos da Libertadores. Só quem chega à terceira fase preliminar é que consegue ser resgatado à Copa Sul-Americana após a eliminação.
O caso do Boca Juniors é notório, e o mesmo discurso poderia valer a um clube brasileiro que por ventura caísse nesta segunda fase preliminar. Os xeneizes fizeram pontos suficientes na tabela agregada do Campeonato Argentino para assegurar vaga nas preliminares da Libertadores. Seis times abaixo dos boquenses tiveram que se contentar com a Copa Sul-Americana. Todavia, todos estes vão diretamente para a fase de grupos. Terão um calendário mais extenso e poderão gerar mais dinheiro, sem falar das boas perspectivas de avançar aos mata-matas. O Boca, por sua vez, precisa lidar com a crise escancarada por uma derrota nos pênaltis.
A situação é até pior para representantes de ligas menores da América do Sul. Um exemplo flagrante também nesta temporada é dado pela Universidad Central. Os venezuelanos vinham de uma campanha marcante em seu país, com a classificação inédita para a Libertadores. O clube histórico, dono do primeiro título profissional da Venezuela, demonstrou qualidade na competição continental ao enfrentar o Corinthians. Segurou o empate em Caracas e vendeu caro a derrota em Itaquera, com o gol salvador de Yuri Alberto no final. Contudo, o sonho além das fronteiras já se encerrou aos tricolores.
A UCV chegou às competições continentais como “Venezuela 3”, após garantir a terceira colocação no Campeonato Venezuelano. Deu azar de pegar uma força como o Corinthians na segunda fase preliminar da Libertadores e se despediu precocemente. Enquanto isso, o "Venezuela 7" (Academia Puerto Cabello) e o "Venezuela 8" (Caracas) estão a 180 minutos de se garantirem na fase de grupos da Copa Sul-Americana. Para tanto, só precisam vencer os compatriotas de "Venezuela 5" (Academia Puerto Cabello) e "Venezuela 6" (Deportivo La Guaira), em confrontos diretos simples. Pior, o “Venezuela 4” (Monagas) dependia de duas classificações consecutivas nas preliminares da Libertadores para ter alguma fase de grupos. Até passou pelo Defensor, mas sucumbiu ao Cerro Porteño.
Não seria muito mais justo que a Universidad Central e o Monagas tivessem um caminho premiado para disputar a Copa Sul-Americana, mesmo caindo cedo na Libertadores? São equipes que demonstraram força no cenário doméstico e, na apresentação continental, também sublinharam suas virtudes. Porém, o regulamento ruim da Conmebol faz com que as equipes percam uma boa fonte de renda e vejam o banquete principal apenas pela televisão. O Caracas, que veio de uma temporada muito abaixo da média para os seus padrões, ainda pode se beneficiar com uma boquinha na fase de grupos da Sul-Americana.
A lista de eliminados na Libertadores 2025 inclui tanto times tradicionais quanto outros de ascensão recente. As camisas mais pesadas, de qualquer maneira, chamam mais atenção. A temporada continental já chegou ao fim para The Strongest, Independiente Santa Fe, El Nacional, Deportes Tolima, Defensor, Nacional de Assunção e Blooming. Pode ter faltado capacidade competitiva a esses times nos 180 minutos de seus confrontos na Libertadores. Todavia, eles vinham de uma temporada sólida em suas ligas que deveria receber outros reconhecimentos.
Melhorar a repescagem nas competições continentais da América do Sul ainda ajudaria a reduzir outro problema: o excesso de classificados por liga nacional. Com mais times sendo redirecionados da Libertadores, isso poderia se refletir num inchaço menor da Copa Sul-Americana e das vagas distribuídas em cada campeonato anualmente. E ganhando qualidade em campo. Da mesma forma que a UCV tende a ser mais competitiva que o Caracas neste momento, algo similar pode se dizer a qualquer outro time eliminado da Libertadores. O que poderia ser uma temporada de calendário cheio e oportunidades financeiras, no fim, se transforma num mero suspiro.
Nem que esses times também disputassem preliminares na Copa Sul-Americana, alternativas seriam muito bem-vindas. É uma maneira de melhorar a atratividade desta fase de classificação no torneio, um tanto quanto tosca com o formato doméstico adotado há anos. Mesmo a vaga automática nos grupos da Sul-Americana para brasileiros e argentinos poderia ser remanejada – até porque, sobretudo no Brasil, ter vaga na Sul-Americana tantas vezes corresponde a um mau desempenho no Brasileirão. Por outro lado, um ano especial da UCV acaba tão cedo.
Só é difícil de acreditar que a Conmebol mude esse cenário. O inchaço de vagas por liga nacional e a fase preliminar doméstica da Sul-Americana têm um motivo bastante claro: clientelismo político. Mexer no número de participantes dos torneios pode custar votos a Alejandro Domínguez dentro da entidade e colocaria em xeque seu projeto de perpetuação de poder. Enquanto ninguém realmente faz pressão, tudo parece bom para os cartolas. Quando, na verdade, se perde qualidade e se ignora méritos.
A eliminação do Boca Juniors, porém, é a deixa para que esse sistema seja balançado. Uma equipe com capital político pesado se vê prejudicada pela falha nas repescagens da Conmebol. Não é a primeira vez que isso acontece com um time de tradição, vide os brasileiros com histórico de insucesso nas preliminares da Libertadores. Não se nega, ainda assim, que os xeneizes possuem mais trânsito que a maioria absoluta dos dirigentes da América do Sul. Vale lembrar que a existência de uma competição sul-americana diferente por cada semestre no passado, como era o caso de Libertadores e Copa Conmebol / Supercopa / Mercosul / Sul-Americana, atendia exatamente à demanda da televisão argentina por mais jogos de Boca e River na TV. Agora, os boquenses não estarão na tela no meio de semana.
Esportivamente, as fases preliminares da Libertadores entregam bastante – como se nota nesta temporada. Há um relativo equilíbrio, uma abertura considerável a surpresas e uma dose de tensão pela eliminação precoce. O Boca Juniors x Alianza Lima ofereceu notável entretenimento, por exemplo. O risco da eliminação, de qualquer maneira, poderia ser reduzido com uma perspectiva de redirecionamento à Sul-Americana – algo que não diminuiria a vergonha do Boca, mas não penalizaria de forma tão contundente times com melhores resultados esportivos na temporada anterior. Pedir racionalidade à Conmebol, entretanto, é sempre querer demais.
PODCAST MEIOCAMPO #111: LIBERTADORES FAZ SUAS VÍTIMAS
Boca Juniors é eliminado na fase preliminar diante do Alianza Lima, o que causou a maior surpresa desta fase. Corinthians sofreu muito para avançar, enquanto o Bahia se classificou com facilidade. Na Recopa, o Botafogo foi atropelado pelo Racing. Na Europa, Copas nacionais tiveram destaque, além da Premier League.
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Volta de Neymar ao Barcelona passou de impensável a possível
Por Felipe Lobo
Imaginar Neymar de volta a um grande clube do futebol europeu aos 33 anos parecia impensável. E, confesso, pra mim parecia praticamente impossível. O seu retorno ao Brasil para o clube de coração, o Santos, com um contrato de apenas seis meses, já mostrava que o desejo dele era esse: retornar ao futebol europeu. Mas para onde? Talvez para o Barcelona. E se isso parecia muito improvável, talvez não pareça tanto mais.
Segundo David Ornstein, do site The Athletic, há discussões sobre o retorno de Neymar ao Barcelona entre o clube catalão e a equipe do jogador. A motivação do brasileiro é clara: a Copa do Mundo de 2026. Neymar sabe que é a sua última chance de conquistar o título pela Seleção e estar em um clube de alto nível da Europa o ajudaria a chegar bem ao torneio.
Para Romário, o craque que brilhou pela Seleção na última Copa do Mundo disputada nos Estados Unidos, em 1994, e foi a estrela do título, Neymar é fundamental para o sonho de conquistar novamente a Copa do Mundo. “Com Neymar, o Brasil terá dificuldades para ganhar. Sem Neymar, será impossível ganhar”, disse Romário em entrevista à ESPN.
A motivação de Neymar, porém, vai além da Copa do Mundo. Neymar já tentou voltar ao Barcelona diversas vezes desde que deixou o clube em 2017 para seguir para o PSG naquele que ainda é o recorde de maior transferência da história: € 222 milhões. Apesar da grana, Neymar nunca se sentiu tão bem em Paris quanto em Barcelona e o sonho de voltar ao Camp Nou é antigo.
Ainda em 2019, o então presidente do Barcelona, hoje em desgraça por acusações graves de corrupção e de uma má gestão crônica, Josep Maria Bartomeu, tentou levar o jogador de volta, sem sucesso. Neymar forçou a volta ao Barcelona, o que o levou a ser punido pelo PSG. Ele falou publicamente na época sobre o desejo de sair.
Quando estava para deixar o PSG em 2023, Neymar sondou uma possível volta ao Barcelona novamente. O clube, afogado em suas próprias contas, não tinha condição nem de pagar o valor de transferência ao PSG, nem de pagar um salário relevante ao astro. Neymar, então, aceitou ir para o Al Hilal, que pagou € 90 milhões pelo brasileiro.
Há um ponto importante a ser levado em consideração: o relacionamento do presidente do Barcelona, Joan Laporta, com o representante de Neymar, Pini Zahavi. O israelense é também representante de Robert Lewandowski e do técnico Hansi Flick e o relacionamento dele com o presidente blaugrana foi fundamental para que os dois fechassem com o clube.
Zahavi também é representante do zagueiro Jonathan Tah, do Bayer Leverkusen, que fica sem contrato ao final da temporada e tem sido muito especulado no Barcelona. Seria mais um reforço que chegaria sem custos ao clube catalão e liga ao empresário. O bom relacionamento com Laporta pode facilitar e até ajudar a convencer Flick, que deve olhar com desconfiança um jogador que atuou pouco em campo e foi mais notícia pelo que fazia fora de campo.
Pelo Al Hilal, foram só sete jogos, um gol e uma lesão que deixou Neymar mais de um ano afastado dos gramados. Sua passagem pela Arábia Saudita foi encerrada seis meses antes do fim do seu contrato, que seria em junho. Ele voltou ao Santos neste início de 2025 para tentar retomar a sua forma física e o seu prestígio, abalado com esses últimos dois anos de mais filhos do que gols.
O seu retorno ao Santos, seu clube de coração e formação, tem sido positivo. Seis jogos, dois gols, assistências e as atuações estão melhorando. Fisicamente, ele já tem aguentado mais, jogado 90 minutos e dado mostras da sua capacidade. Ele é o grande ídolo de uma geração inteira de jogadores, desde os seus modestos adversários no Campeonato Paulista até os companheiros de Seleção, como Rodrygo.
Mesmo com tudo isso, por que o Barcelona recontrataria Neymar, agora com 33 anos, se o clube continua com graves problemas financeiros, tendo que rebolar para conseguir registrar seus principais jogadores dentro da rigorosa política de sustentabilidade financeira de La Liga? Bom, talvez essa não seja a pergunta, seja a resposta.
O diretor esportivo do Barcelona, Deco, procura reforços para a próxima temporada que possam atuar do lado esquerdo do ataque e pelo meio – justamente onde atua Neymar. Mas os alvos são outros: Luis Díaz, do Liverpool, Rafael Leão, do Milan, e Alexander Isak, do Newcastle. Todos são nomes que fazem sentido, mas em todos eles há o mesmo problema: a concorrência.
Os três jogadores são bem cotados no mercado e têm diversos outros clubes interessados em seus serviços, dispostos a pagar por isso. O Barcelona, com seus problemas financeiros, talvez não consiga concorrer sequer no pagamento do valor de transferência e menos ainda em salários.
O que significa que esses problemas financeiros do Barcelona podem servir para ajudar Neymar. Porque o brasileiro chegaria sem custos de transferências e estaria disposto a um salário que se encaixasse no que o clube precisa, porque quer voltar à cidade e ao clube que foi feliz e se preparar da melhor forma possível para a Copa do Mundo.
Nessa situação, Neymar se torna uma opção mais viável do que as citadas e ainda tem um bônus que Joan Laporta certamente gostaria: o impacto da sua contratação na venda de carnês de temporada para o retorno ao Camp Nou. Inicialmente, o estádio teria capacidade para 60 mil lugares na próxima temporada, antes de chegar ao total de 110 mil lugares quando a reforma estiver completa.
Neymar é um jogador que atrairia o torcedor, por tudo que ele já representou pelo clube. O brasileiro foi destaque na Tríplice Coroa de 2014/15, quando o Barça foi campeão de tudo. Em termos de marketing, seria um reforço importante. Mas e em termos de futebol?
O time de Hansi Flick trabalha com pressão alta e Neymar não é o jogador mais adequado para esse tipo de jogo. Ele teria que se adaptar. É preciso lembrar aqui outro aspecto: Neymar sempre foi o jogador que mais se sacrificou na época do trio com Kylian Mbappé e Lionel Messi. Mesmo no Barcelona do trio MSN, com Messi e Luis Suárez, ele sempre foi o que mais recompôs.
É claro que Neymar não é mais um jogador jovem, capaz de fazer o que fazia naquela época. Mas Hansi Flick pode ter, por exemplo, Neymar pelo meio, com Lewandowski à frente, e Raphinha e Yamal fechando pelos lados para recompor. Algo similar ao que vemos o Real Madrid fazer com Vinícius Júnior e Mbappé pelo meio e Jude Bellingham e Rodrygo fechando os lados do campo.
Tecnicamente, Neymar é um craque, com visão de jogo, ótimos passes e finalização, e pode se entender muito bem com outros ótimos jogadores do Barcelona. A questão para o brasileiro nos últimos anos é menos a parte técnica e mais a parte física: ele aguenta uma temporada inteira sendo confiável?
Até junho não teremos a resposta. Saberemos se ele estará em forma e o Barcelona terá que decidir se faz a aposta. Hansi Flick certamente terá um papel decisivo e Neymar não chegará ao Camp Nou sem a sua aprovação. Por ter transformado o Barcelona em candidatíssimo ao título espanhol e forte concorrente também na Champions League, o alemão terá um peso fundamental.
Diante da provável falta de reforços de peso, já que o Barcelona não terá como gastar muito, Neymar pode se tornar uma opção atrativa na mesa. Mesmo que não fizesse sentido lá no começo da temporada, a situação mudou em fevereiro e pode mudar novamente até junho. Com o Barcelona, é sempre difícil saber como será o amanhã.
Às vezes é tudo que você precisa
Por Bruno Bonsanti
Eu ainda acho surreal lembrar que Claudio Ranieri é técnico da Roma. Eu não sei por quê. É, afinal, a terceira vez que isso acontece, e a Roma trocou tantas vezes de treinador desde o começo do ano passado que, por pura probabilidade, uma hora chegaria a Ranieri. Talvez porque eu achasse que ele tinha se aposentado. Talvez porque essa parecia uma ideia sensata depois dos seus trabalhos desde o Leicester. Mas Ranieri parece ser assim: quando você não espera nada, ele surpreende, e quando você espera, ele também surpreende, mas do jeito errado.
Entre todas as instituições geridas por americanos, o 2024 da Roma só não foi pior que o da Boeing e o do governo dos Estados Unidos. José Mourinho foi demitido em janeiro, depois do título da Conference e duas finais europeias, campanhas que minimizaram (ou mascararam) resultados ruins na Serie A. Seis temporadas fora do G4 e da Champions League causaram complicações financeiras graves a um clube que, durante esse período, até que investiu bastante.
A diretoria procurou Daniele De Rossi para ser uma mistura de treinador e escudo e, como ele se provou bom nas duas funções, teve seu contrato renovado. O anúncio foi feito com a fanfarra que se espera, um vídeo bonitinho que mostrava alguns golaços e o ex-volante gritando com as pessoas, tanto de chuteiras quanto de terno, destacando a “simbiose natural” entre De Rossi e o clube da sua vida.
De Rossi foi demitido em setembro. E assim, tudo bem: nem sempre você consegue antecipar qual será a reação da torcida, mas, a essa altura, quase cinco anos depois, os Friedkins deveriam saber que não se mexe com uma lenda como De Rossi - até porque eles compraram o clube imediatamente depois da gestão anterior mexer com Francesco Totti. Enfim, rolou um certo caos.
Depois disso, Ivan Juric com certeza foi um dos técnicos da história da Roma, e a diretoria procurou Claudio Ranieri para ser uma mistura de treinador e escudo. Sim, existe um padrão. Voltaremos a isso. Aconteceu semanas depois de Ranieri criticar a gestão, principalmente a incompreensível demissão de De Rossi depois da quarta rodada do Campeonato Italiano: “A Roma parece uma alma fria sem personalidade. Falta um ponto de referência dentro do clube”.
Entre apanhar das Ilhas Faroe e organizar o maior milagre do futebol moderno, a carreira de Ranieri será um desafio para os historiadores, mas se tem uma coisa que ele consegue fazer é esquentar a alma de um clube. Não tem jeito. O cara é muito simpático. Em campo, adotou a abordagem menos simples do que parece de escalar os seus melhores jogadores e dar liberdade para Dybala ser Dybala. Preservou o bastante criticado capitão Lorenzo Pellegrini nos primeiros jogos e soltou o Kraken no clássico contra a Lazio. Ele abriu o placar em 10 minutos.
A Roma é o time italiano em melhor forma no momento. Está invicta há dez rodadas, com sete vitórias, compete por vagas europeias e vislumbra até voltar à Champions League se conseguir tirar nove pontos da Juventus nas 12 rodadas restantes. Ainda é uma possibilidade um pouco remota, mas o cenário é muito mais promissor do que antes.
Porque às vezes tudo que você precisa é de um pouco de familiaridade.
Os Friedkins compraram outro clube em dezembro e, se você acha que a Roma estava em maus lençóis, permita-me lhes apresentar o Everton Futebol Clube. Depois de anos de austeridade, o Everton gastou o PIB de um pequeno país na tentativa de deixar de ser associado ao sétimo lugar, informalmente batizado de Everton Cup. Foi um empreendimento extremamente bem-sucedido: agora ele é associado à briga contra o rebaixamento.
Sean Dyche conseguiu evitá-lo duas vezes. É sua especialidade da mesma maneira que abrir garrafas é a especialidade de um abridor de garrafas. Se não estiver fazendo isso, não faz mais nada. No entanto, diante da rolha mais resistente da sua carreira, Dyche foi demitido em janeiro e não parecia haver multiverso em que o Everton evitaria a queda, nem tanto por ter vencido apenas três das primeiras 19 rodadas, mas pelo pouco que estava jogando e por parecer um clube absolutamente deprimido.
E aí, os Friedkins pensaram: e se a gente fizer a mesma coisa de novo?
Em muitos aspectos, David Moyes é um Sean Dyche com muito mais recursos. Os dois gostam de times bem estruturados e fortes defensivamente, mas Moyes, não é adepto da abstenção ofensiva e entende que marcar gols tem um papel importante em jogos de futebol.
Esta é a lista de jogadores que de maneiras diferentes disseram, em um único artigo do The Athletic, que a principal mudança é que agora eles também podem atacar: Jake O’Brien (“Estamos começando a tentar jogar um pouco de futebol”), Iliman N’Diaye (“Estamos mais perto do gol e uns dos outros”), Jarrad Branthwaite (“Estamos criando muito mais chances”), Beto (“Ele disse que nós temos qualidade para jogar”), Idrissa Gueye (“O técnico mudou muitas coisas, estamos trabalhando mais passes curtos”) e Jesper Lindstrom (“Liberdade”).
O Everton marcou 15 gols em 19 jogos com Sean Dyche.
O Everton marcou 15 gols em oito jogos com David Moyes.
Moyes, um importante técnico do Everton e entre os principais da história da Premier League, também tem sido elogiado por injetar mais confiança em seus jogadores, passar feedbacks táticos mais detalhados e individuais, e no geral revolucionar o clima do clube. Nada muito elaborado, mas suficiente para vencer o Tottenham, derrotar o Brighton fora de casa, arrancar um empate emocionante e valioso no dérbi com o Liverpool e outro em que merecia ter vencido contra o Manchester United. Somou 15 pontos nas últimas sete rodadas, rapidamente exorcizando mais um fantasma do rebaixamento.
Não sei se Ranieri ou Moyes conseguirão concretizar os resultados que Roma e Everton desejam nos próximos anos. Mas eles foram as pessoas certas na hora certa e, principalmente, no lugar certo. Ninguém os acusa de serem modernos ou geniais, mas ambos tem uma personalidade singular e estatura para assumir as rédeas de clubes em turbulência e colocá-los no caminho certo. Principalmente em lugares que conhecem tão bem.
Porque às vezes tudo que você precisa é de um pouco de familiaridade.
Giro
O melhor jogo do meio da semana (e talvez da temporada) foi o Barcelona 4x4 Atlético de Madrid. No entanto, os dias de copas nacionais chamaram mesmo atenção pela quantidade de surpresas. O maior feito foi protagonizado pelo Empoli. Tudo bem que é um time da primeira divisão, contra uma Juventus mal das pernas, mas tirar a Velha Senhora nas quartas de final da Copa da Itália é valoroso. A classificação veio nos pênaltis, após o empate por 1 a 1. Se de um lado as semifinais oferecem um Milan x Inter, o adversário alternativo virá de Empoli x Bologna. Os rossoblù não disputam uma decisão desde 1974, quando levaram a taça. Já os azzurri buscam uma final inédita.
Na Copa da Alemanha, o intruso é o Arminia Bielefeld, que despencou nos últimos anos e atualmente milita na terceira divisão. Nesta semana, a equipe tirou o Werder Bremen das quartas de final da Pokal, com a vitória por 2 a 1. Junta-se a Bayer Leverkusen, Stuttgart e RB Leipzig nas semifinais. Se avançar à final, os Azuis registrarão um feito inédito. Já na Copa da Holanda, os méritos são do Go Ahead Eagles, que encerrou a campanha do PSV em Eindhoven com a vitória por 2 a 1 e passou à decisão. Atual sétimo colocado na Eredivisie, jogará sua primeira final desde 1965. Pegará o AZ, que levou seu troféu mais recente em 2013.
A Copa da França, sempre um prato cheio em alternatividade, terá dois semifinalistas de fora da elite. Um deles é o Cannes, de campanha louvável enquanto milita na quarta divisão. Tirou o Guingamp, da segundona, e ganha o direito de desafiar o Stade de Reims. Do outro lado, o Dunkerque foi capaz de superar o Brest com uma emocionante virada por 3 a 2, em que partida fora de casa que perdia por 2 a 0 até meados do segundo tempo. O time da segundona agora vai enfrentar o Paris Saint-Germain. O Cannes possui um troféu da Copa da França, em 1932, enquanto o Stade de Reims não ergue a taça desde os tempos de seu esquadrão, em 1958.
A Taça de Portugal desta vez tem o grande momento do Tirsense, da quarta divisão. Eliminou o Elvas, outro time da quarta, e se tornou a primeira equipe de sua divisão a chegar tão longe no torneio. O problema será medir forças com o Benfica nas semifinais, enquanto Sporting e Rio Ave se medem na outra chave. A Copa da Suíça deixou em evidência o Biel-Bienne, da terceira divisão, que despachou o Lugano, atual vice-líder da elite, nas quartas de final. Menção ainda o Osijek, que já ganhou a Copa da Croácia em 1999 e tirou o sempre favorito Dinamo Zagreb nas quartas de final.
O Palmeiras anunciou a contratação de Vitor Roque. O atacante, de apenas 20 anos completos neste dia 28 de fevereiro, chega por 25,5 milhões de euros, pouco a menos que os 30 milhões de euros pagos pelo Barcelona ao Athletico Paranaense em janeiro de 2024. Teve poucos minutos no Barcelona (353, pouco menos de 4 jogos completos), em um total de 16 jogos e dois gols marcados. Foi emprestado ao Betis, onde teve mais tempo em campo, mas o desempenho não foi bom. Em 33 jogos, sete gols. Ele ainda é muito jovem e é possível reverter o quadro. No Palmeiras, chega em um time que precisa exatamente de um jogador como ele e pode reconquistar o seu espaço de destaque. Pode ser um caminho para voltar à Seleção e, quem sabe, até à Europa mais adiante, se ele assim quiser. Parece um caminho interessante para o jogador buscar voltar ao seu melhor e Abel Ferreira terá o centroavante que precisava.
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