Como a Fifa foi de ter um governo paralelo a refém dos países-sede da Copa
A Newsletter Meiocampo desta sexta fala sobre a posição fragilizada da Fifa em relação à organização da Copa, a redução de brasileiros nas cinco grandes ligas europeias e os dilemas da seleção inglesa
Newsletter Meiocampo - 17 de outubro de 2025
A Copa do Mundo virou um circo caro demais para se montar. E a Fifa, que antes ficava no centro do picadeiro fazendo países inteiros de palhaços, agora se vê amarrada à mercê dos atiradores de facas que topam bancar a brincadeira. A Newsletter Meiocampo discute a transformação desse cenário, bem como fala sobre os dilemas da Inglaterra classificada à Copa do Mundo e discute a redução de jogadores brasileiros nas cinco grandes ligas europeias — o que, na verdade, tem reflexos positivos no Brasileirão.
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Como a Fifa foi de ter um governo paralelo a refém dos países-sede da Copa
Por Felipe Lobo
A Fifa capitulou para o governo dos Estados Unidos. Diante da ameaça do ex-presidente Donald Trump de realocar jogos da Copa do Mundo de 2026 de cidades como Boston por questões de segurança, a entidade máxima do futebol se esquivou. Em comunicado, a Fifa afirmou que a segurança pública e a decisão sobre a aptidão das cidades-sede são responsabilidade exclusiva do governo americano.
É o mais recente e claro ato de subserviência da Fifa, que se colocou em uma posição de fragilidade crescente diante do que se tornou a Copa do Mundo.
Trump usou o tema da segurança para pressionar a entidade: “Se eu achar que não está segura, iremos mudar para fora daquela cidade,” afirmou o presidente em setembro. Ele prosseguiu, garantindo que “ligaria para Gianni Infantino e eu diria ‘vamos mudar para outro local’. E ele faria isso.”
Teoricamente, a gestão das cidades-sede é uma prerrogativa da Fifa, estabelecida em contratos assinados diretamente com as municipalidades. A prefeita de Boston, Michelle Wu, chegou a rebater Trump publicamente, afirmando que os acordos estavam “trancados por contrato” e que “nenhuma pessoa sozinha, mesmo que viva atualmente na Casa Branca, pode desfazê-lo”.
No entanto, a posição oficial da entidade — que transferiu a decisão para a “responsabilidade do governo” federal — serviu como um passe livre para a pressão política. Em um sinal ainda mais grave dessa fragilidade institucional, a Fifa se alinhou à visão de Trump e desautorizou seu próprio vice-presidente e presidente da Concacaf, Victor Montagliani.
Montagliani havia dito que a Fifa tinha a “jurisdição” sobre os locais dos jogos e que, “com todo o respeito aos líderes mundiais atuais, o futebol é maior do que eles e o futebol sobreviverá ao regime e aos seus slogans.” A entidade máxima, ao se curvar a Trump sob o pretexto da segurança, esmagou essa retórica de autonomia.
O contraste de poder: de 2014 a 2034
Essa postura é um contraste brutal com a FIFA que vimos em ação no Brasil, em 2014. Naquela época, a entidade agia como um governo paralelo, impondo de forma autoritária o famigerado “caderno de encargos” e suas exigências caras e suspeitas. Os embates eram grandes, mas a Fifa sempre se impunha.
Essa mudança não é por acaso. Ela foi pavimentada por dois fatores: a pressão externa e a política interna. O Fifagate, comandado pelo Departamento de Justiça dos EUA em 2015, desmantelou a velha guarda e forçou a mudança de gestão, trocando o desgastado Joseph Blatter por Gianni Infantino.
Houve algumas mudanças em busca de mais transparência, como o fim do Comitê Executivo para a criação do Conselho da Fifa e a mudança na forma como as sedes da Copa do Mundo são escolhidas — agora, todos os países membros votam, em vez de apenas o antigo Comitê Executivo. Parecia uma mudança na direção certa, mas a politicagem para direcionar para onde vai a Copa tem sido feita em uma etapa anterior à votação: nas candidaturas, e impulsionada pela política de expansão.
Com 48 seleções, a Copa do Mundo se tornou um circo ainda mais caro e complexo de sediar. A consequência é que o evento exige uma infraestrutura monumental, inviável para a maioria dos países.
Foi essa exigência que permitiu a manobra da Copa 2034: a Copa 2030 celebra o Centenário, e a América do Sul era uma candidata óbvia. A Fifa, contudo, costurou um acordo político mambembe para que apenas três cidades sul-americanas recebessem jogos — um aceno que foi aceito pelo presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, com agenda própria para levar ao menos um jogo de Copa ao seu país, Paraguai. Com o Centenário “celebrado” em três continentes (Europa, África e América do Sul), a regra do rodízio continental eliminou a América do Sul como candidata em 2034. A Austrália desistiu por problemas internos. Sobrou apenas a Arábia Saudita, que recebeu a Copa sem concorrentes em 2034. A votação foi mais aberta, mas se não há outros candidatos, o que adianta?
O efeito colateral da expansão
Agora, só nações gigantescas, capazes de sediar em conjunto (como 2026 e 2030), ou regimes com recursos financeiros ilimitados e interesse geopolítico podem arcar com os custos da Copa com 48 times. E esses países não são dóceis ou facilmente gerenciáveis.
O primeiro sinal claro da inversão de poder ocorreu no Catar, em 2022. O governo, em uma decisão de última hora e movido por interesses próprios, proibiu a venda de bebidas alcoólicas nos estádios. Não importou que a Fifa fosse patrocinada por uma gigante cervejeira, ou que os contratos prevessem a liberação. Simplesmente disseram “não”, e a Fifa ficou refém da decisão, cedendo na espinha dorsal do seu produto.
Essa é a situação atual: a Fifa se tornou refém dos países que aceitam sediar seu evento.
Ao priorizar a política de expansão, a entidade criou uma Copa do Mundo que exige um tipo de país que tem muito mais poder que ela: os Estados Unidos de Donald Trump agora, e a Arábia Saudita em 2034. A Arábia Saudita, aliás, será o primeiro país a sediar o formato de 48 seleções sozinho. Para garantir isso, a Fifa já estuda fazer mais uma grande concessão de calendário, como fez no Catar, e mover o torneio para janeiro de 2035 para evitar o calor e o período do Ramadã.
Se por décadas a Fifa torceu o braço dos governos, agora o que vemos é a entidade tendo o braço torcido por líderes que perceberam: a Copa do Mundo está tão grande e cara que a Fifa precisa deles muito mais do que eles precisam da Fifa.
PODCAST MEIOCAMPO #177
A Seleção Brasileira perdeu para o Japão na Data Fifa e deixou algumas lições. Entre quem ganhou espaço e quem perdeu, como fica a disputa por vaga no elenco que vai à Copa do Mundo? Tem ainda a Inglaterra, primeiro dos europeus classificados. São 28 garantidos na Copa até aqui, mas ainda faltam 20 para chegar lá.
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As cinco grandes ligas da Europa nunca tiveram tão poucos brasileiros neste século – e isso também é um sinal positivo
Por Leandro Stein
Ao longo das últimas temporadas, o número de jogadores brasileiros caiu em algumas das principais ligas nacionais da Europa. É comum ver reportagens discutindo a redução de atletas do Brasil em certos campeonatos, como La Liga e Bundesliga, onde o cenário é mais evidente. De fato, o processo ocorre por lá e é ainda mais profundo: baixas significativas também aconteceram na Serie A e na Ligue 1. Ampliando um pouco mais o escopo, até o Campeonato Português, maior reduto da comunidade de futebolistas brasileiros expatriados, vive sua maior baixa no século. No entanto, é interessante perceber que o declínio reflete aspectos positivos, sobretudo olhando para o futebol brasileiro.
O fluxo de transferências no futebol internacional depende de uma série de variáveis. Influencia o momento da economia do país vendedor e do país comprador; a estrutura financeira dos clubes e campeonatos envolvidos; o surgimento de fenômenos específicos que expandem o interesse de uma certa liga pelos jogadores vindos de determinado país. Tudo isso causa impacto nos movimentos dos futebolistas brasileiros. Neste momento, a corda pende mais para dentro do Brasileirão do que para fora.
Somando as cinco grandes ligas europeias, atualmente 78 jogadores brasileiros defendem clubes de Premier League, La Liga, Serie A, Bundesliga e Ligue 1. Segundo dados do site Transfermarkt, este é o menor número desde 2000/01 – num momento de fortalecimento econômico do continente europeu, através da criação da zona do euro. O ano não parece mero acaso, vide que na atual temporada do Campeonato Português atuam 89 brasileiros, também a menor quantidade desde 2000/01.
O vai-e-vem de jogadores brasileiros rumo à Europa possui marcos específicos. Em idos tempos, dependia da abertura pontual de campeonatos aos jogadores estrangeiros – como ocorreu na Serie A durante as décadas de 1930 e 1980, ou então em La Liga na virada dos anos 1950 para os 1960. A partir de 1995, entretanto, criou-se um cenário comum para aumentar as contratações de jogadores do Brasil pelos clubes da Europa, com a Lei Bosman. Além de derrubar as barreiras de trabalho dentro da comunidade europeia, o novo marco na legislação expandiu a contratação de atletas extracomunitários – e isso num momento de pleno fortalecimento financeiro das ligas europeias nos anos 1990, através do dinheiro que passou a jorrar dos novos contratos de direitos de transmissão.
Se em 1995/96 apenas 30 jogadores brasileiros atuavam nas cinco grandes ligas europeias, esse número se multiplicou nas temporadas seguintes, chegando a 80 futebolistas em 2000/01. La Liga liderou este movimento ao abrir seus clubes, numa iniciativa que refletia tanto a facilidade de adaptação dos brasileiros quanto o sucesso que alguns futebolistas do país já faziam na Espanha desde o início dos anos 1990. A Serie A logo aumentou seus investimentos em brasileiros, o que ocorreu pouco depois na Bundesliga e na Ligue 1. Somente a Premier League permanecia relativamente fechada.
A década de 2000 possui novos impulsos, como a consolidação do euro e também o enfraquecimento do real como moeda. Some a isso alguns baques que grandes clubes brasileiros sofreram na virada do século, após um período de bonança com investimentos estrangeiros que não se sustentaram por tanto tempo. Não havia condições de segurar os melhores jogadores (assim como os não tão melhores) e a debandada se tornou mais evidente do que nunca. Com a Seleção em alta pelo pentacampeonato mundial e os sucessos nos Mundiais de base, o interesse no pé-de-obra brasileiro se catapultou.
Em 2002/03, pela primeira vez, mais de 100 brasileiros jogavam nas cinco grandes ligas da Europa. O recorde viria com os 157 atletas de 2007/08, também a temporada em que ocorreu um salto na Inglaterra. Àquela altura, eram 15 brasileiros na Premier League, 29 em La Liga, 43 na Serie A, 33 na Ligue 1 e 37 na Bundesliga. É o recorde de futebolistas do Brasil na primeira divisão da França; na Espanha, o recorde tinha vindo na temporada anterior; na Alemanha, viria na seguinte; também foi a terceira maior marca na Itália neste século.
Embora os números nunca tenham sido tão altos de novo, não se reduziram tanto ao longo da década seguinte. Ficaram sempre entre 110 e 153 brasileiros nas cinco grandes ligas, com altas e baixas que acompanhavam crises econômicas (algumas globais), enquanto as finanças do futebol de uma maneira geral se fortaleceram tanto na Europa quanto no Brasil. Na atual década de 2020, contudo, se nota um movimento de queda mais abrupto, com contextos mais amplos e realidades específicas.
A Premier League é a única das cinco grandes ligas que ampliou o número de brasileiros nos últimos cinco anos. Passou dos 20 pela primeira vez em 2019/20 e chegou ao ápice com os 36 de 2022/23. Embora o recorde não tenha sido batido desde então, sempre foram mais de 30 brasileiros em atividade no campeonato, com os atuais 31 de 2025/26. De resto, apenas quedas nos vizinhos poderosos:
La Liga está na maior baixa desde o advento da Lei Bosman, em 1995/96, com 12 brasileiros na atual temporada. Houve um decréscimo paulatino desde os 28 atletas de 2022/23.
A Serie A, com 16 brasileiros, está em seu menor número desde 1998 e nota sua queda acentuada desde os 39 de 2019/20.
A Bundesliga chegou ao menor número desde 1998 um pouco antes, em 2022/23, com cinco brasileiros, uma pequena parcela dos 17 que atuavam na elite alemã em 2016/17.
Já na Ligue 1, os 11 brasileiros atuais são a menor comunidade desde 1999/00, para um campeonato que reunia 27 atletas do Brasil até 2021/22.
Analisando também Portugal, é a menor quantidade desde 2000/01, com 89 brasileiros, quase metade dos 173 que povoavam a liga no recorde de 173 futebolistas visto em 2018/19.
O necessário olhar de fora para dentro
Um diagnóstico raso e sensacionalista sobre o tema poderia bradar o “enfraquecimento do talento brasileiro no futebol internacional”. Uma balela que pode ser contraposta com os números da Premier League, afinal, onde a liga mais competitiva do mundo amplia seus olhares para os jogadores do Brasil – e em diferentes estratos da tabela de classificação. As teorias sobre “as dificuldades do jogador brasileiro em se adaptar a esse ou aquele país” também não devem ser tratadas como 100% de verdade, apesar de casos específicos. O decréscimo se nota mesmo em Portugal, onde o idioma não é um empecilho e os brasileiros historicamente sempre se deram bem. A economia da bola traz razões mais convincentes.
O principal marco desta década no futebol, em termos de organização dos clubes, é a pandemia. Num primeiro momento, houve uma clara redução de investimentos, em especial nas transferências. A recuperação aconteceu em estágios distintos em diferentes países. A força financeira dos clubes da Inglaterra se tornou ainda mais notável. Times das outras grandes ligas precisaram adotar medidas mais racionais e contidas. Competir pelo talento brasileiro no mercado se tornou uma tarefa dura, sobretudo quando times da metade inferior da tabela na Inglaterra têm mais grana e se tornam mais atrativos que clubes de outras ligas que figuram até na Champions.
Os clubes da Bundesliga, que não fazem transferências tão exorbitantes, deixaram de ser um destino recorrente aos jogadores do Brasil. Melhor investir em centros menos visados. A Serie A teve dificuldades para se reorganizar financeiramente além da pandemia, diante do modelo de seus clubes, o que também impactou. La Liga perdeu relevância e não só fechou as torneiras para as contratações de brasileiros, como o número de estrangeiros no campeonato caiu substancialmente sob suas duras regras de Fair Play Financeiro – de 288 para 215 só entre a temporada passada e a atual. A Ligue 1 absorveu perdas significativas em relação aos seus contratos televisivos, enquanto seus clubes se caracterizam mais como formadores do que como compradores. Já Portugal diversificou mais os países de origem de seus atletas, com os brasileiros indo de 43% para 26% no total de estrangeiros presentes na primeira divisão durante os últimos anos. Ficou mais difícil até de buscar talentos em times menores do Brasil.
Paralelamente, outros destinos surgiram. Não é só a Premier League que se tornou atrativa aos jogadores do Brasil, mas a própria Championship virou um caminho mais comum, ainda que sem uma comunidade tão ampla na segunda divisão inglesa. Países como os Estados Unidos e os Emirados Árabes Unidos ampliaram o número de atletas brasileiros, em especial os mais jovens, recém-saídos das categorias de base, com ofertas mais robustas em termos de qualidade de vida e/ou realidade financeira. Destinos mais recorrentes há uma ou duas décadas voltaram a ficar em alta, a exemplo de Rússia e Ucrânia, com os jogadores brasileiros menos restritivos em relação à guerra entre os países – especialmente quando são recompensados em seus altos salários. Já a Arábia Saudita, que até teve um boom maior de brasileiros na virada da década e sofreu uma queda nos números mais recentes, em compensação virou um país mais visado pelo “pé-de-obra qualificado” e atraiu futebolistas que, em outros momentos, prefeririam a Europa.
Ainda assim, com tantas ponderações e explicações paralelas, o motivo mais forte para entender a queda de jogadores brasileiros nas cinco grandes ligas europeias está no próprio Campeonato Brasileiro. A força econômica de vários clubes da Série A do Brasileirão reduziu as distâncias financeiras em relação a La Liga, Bundesliga, Serie A italiana e Ligue 1 – principalmente quando não se fala das forças dominantes destes países, onde o talento brasileiro é mais abundante. As condições também se tornaram melhores para times menores do Brasil, em comparação com os antigos destinos de Portugal.
Este não é o momento mais reluzente da economia do Brasil nos últimos 30 anos, assim como a distância do real para outras moedas continua considerável. O que mudou, sobretudo desde a última década, são as finanças internas dos clubes brasileiros. As receitas cresceram a partir da construção de novos estádios e das mudanças nos acordos televisivos, mesmo com os temas trazendo consigo um leque de debates. Também houve uma expansão de acordos comerciais e novas possibilidades de patrocínios. E, ainda que nem todos os gigantes do país tenham condições estáveis em suas contas, os balanços são bem menos problemáticos do que os de décadas atrás. Há um saneamento que impulsionou vários clubes.
Se por um tempo o reflexo mais evidente da força econômica do Brasileirão era o aumento de jogadores estrangeiros nos clubes do país, primeiro com vizinhos latinos e depois com as nacionalidades mais diversas, a diminuição de jogadores brasileiros nas principais ligas europeias talvez demarque uma nova etapa. Há uma repatriação cada vez mais ampla e intensa, que não se restringe a atletas que se encaminham para o final da carreira. Muitos futebolistas no auge da forma vêm preferindo o Brasileirão, especialmente quando os clubes do país têm condições de pagar bons salários e serem até mais competitivos que os europeus no mercado de transferências. Não são muitos europeus com condições de desembolsar o que o Palmeiras gastou em Vítor Roque ou o que o Flamengo pagou em Samuel Lino – menos fora da Premier League, menos ainda fora da Champions.
É claro que o futebol europeu conta com outros trunfos para atrair os melhores jogadores do Brasil, como o próprio glamour e o status financeiro dos principais clubes do continente. A Série A não deixará de ser uma liga formadora, até porque o dinheiro da venda de atletas é importante dentro da estrutura financeira dos clubes e viabiliza outros investimentos. Todavia, as promessas surgidas aqui precisam sair por um dinheiro cada vez maior, diante do fortalecimento da situação econômica. E os times do Brasileirão têm condições mais favoráveis para trazer parte daqueles que desejam voltar, mesmo que sigam com mercado na Europa. Que a redução de brasileiros nas cinco grandes ligas seja evidente, ela não se centra apenas em si. Ela também indica como este é provavelmente o momento mais forte do futebol do Brasil desde a virada do século, quando a gangorra do mercado de transferências realmente começou a pender para a Europa.
A Inglaterra está na Copa. Mas e o Bellingham?
Por Bruno Bonsanti
A Inglaterra se classificou à Copa do Mundo. Nenhuma surpresa. É uma grande leoa de Eliminatórias A goleada por 5 a 0 sobre a Letônia na última terça-feira manteve o 100% de aproveitamento da sua campanha e apenas confirmou a vaga. Até por isso, talvez, o que dominou a conversa foi uma pergunta muito específica: tem alguma chance de Thomas Tuchel não levar Jude Bellingham?
A resposta é (provavelmente) não, mas foi notável a ausência do meia do Real Madrid na última Data Fifa. A justificativa oficial é plausível. Ele passou por cirurgia no ombro durante a pré-temporada e acumulou um combinado de apenas 126 minutos em campo até agora. Não está realmente em sua melhor forma física. O que chamou a atenção, porém, é que Tuchel não tem parado na justificativa oficial.
Respondendo sobre Bellingham, também faz questão de exaltar a força coletiva, especialmente na pausa internacional anterior, na qual a Inglaterra teve a sua melhor atuação sob seu comando até agora, goleando a Sérvia em Belgrado. Falou que o espírito de equipe é um fator chave, que os torcedores estão percebendo que o time adora jogar junto e correr um pelo outro e que tomou uma decisão consciente de repetir o máximo de convocados possíveis para fortalecer o grupo.
Não é incomum que treinadores lembrem que futebol é um esporte coletivo quando são questionados sobre um jogador específico, mas a ênfase foi tamanha que gerou uma pequena pulga atrás da orelha: então, ele está querendo dizer que Bellingham não necessariamente se encaixa nisso?
A única evidência é uma entrevista que Tuchel deu em junho ao TalkSport dizendo que Bellingham precisava aprender a canalizar suas emoções contra o adversário e a favor dos objetivos da equipe, e não para intimidar seus companheiros ou ser agressivo com eles ou com os árbitros, acrescentando que às vezes “a sua raiva, a sua fome, o seu fogo podem ser um pouco repulsivos” para o espectador médio. Tuchel admitiu, dois meses depois, que não deveria ter usado a palavra “repulsivo”.
É mais difícil desenvolver continuidade e coletivismo no futebol de seleções, com os jogadores se reunindo apenas uma vez por mês. Alguns atingem um nível tão alto que são convocados sempre que possível, mesmo que não estejam em perfeitas condições, porque todos, inclusive o treinador, sabem que serão parte da espinha dorsal nas competições para valer.
Saka, por exemplo, também começou a temporada um pouco baleado (completou 90 minutos apenas duas vezes até agora), apesar de ter atuado mais. Também não esteve na Data Fifa de setembro. Mas esteve na de outubro.
É um pouco estranho que isso não tenha se aplicado a Bellingham.
Na hora da convocação, Tuchel afirmou que está ciente que seu time é mais forte com Bellingham e concordou que ele é um dos melhores meias do mundo. Também disse que precisa estar preparado caso um jogador desse calibre não esteja disponível na Copa do Mundo. E adivinha o que veio a seguir? “Este é um esporte de equipe. Todos têm um papel específico e (problemas) podem acontecer às vésperas do torneio e teremos que encontrar soluções. A solução nunca pode depender de um único jogador”, disse.
Após selar a classificação contra a Letônia, naturalmente voltou ao assunto. Confirmou que manterá contato com Bellingham, mas também com outros nomes importantes que não foram chamados, como Phil Foden e Cole Palmer. Disse que os convocados de outubro foram recompensados pelo desempenho nas partidas anteriores e ressaltou que as ausências não foram nenhum tipo de punição. Mas também avisou: “Se nós os convidarmos, temos que ter certeza de que eles vão comprar a ideia. Ou eles não serão convidados. Isso não é negociável”, acrescentou.
Pera aí, quem disse que havia dúvidas?
Curiosamente, logo no começo da Data Fifa, Steven Gerrard afirmou em entrevista a Rio Ferdinand que a famosa geração dourada da Inglaterra não deu certo porque eles eram um bando de “perdedores egocêntricos” que nunca se conectaram como companheiros de equipe, nunca ficaram amigos e nunca conseguiram deixar as rivalidades dos clubes de lado, citando a cultura da seleção inglesa como um dos fatores agravantes.
Nem de longe existem sinais de problemas de relacionamento ou comportamento como naquela época, responsável pelo maior boom de venda de tabloides esportivos da história. Além disso, um dos pontos a favor do trabalho de Gareth Southgate foi justamente ter conseguido montar uma Inglaterra bem mais discreta fora de campo. Tuchel herdou um time que, até onde se sabe, já praticava uma cultura de vestiário mais coletiva que os seus predecessores.
A quantidade incomum de sinais mistos ao responder sobre Bellingham pode ser apenas o jeito de Tuchel para fortalecê-la, assegurar que ela não se perca e mostrar que ninguém tem lugar garantido e todos terão que se adequar ao sistema, aproveitando a ausência do seu jogador com mais perfil de estrela para mandar um recado. Se parece um pouco truculento e atrapalhado é porque a gestão de grupo de Tuchel é, no geral, realmente truculenta e atrapalhada.
Apesar de ter conduzido o período mais vitorioso e estável da seleção inglesa desde Alf Ramsey, Southgate foi criticado por não praticar um futebol tão agradável quanto os nomes à disposição indicavam que poderia. Tuchel assumiu com a missão implícita de fazê-lo, mantendo a competitividade de um time que chegou às quartas de final das suas últimas quatro grandes competições, com duas finais e uma semifinal. Nada fácil, mas justamente por isso foram atrás de um treinador tão qualificado.
A Inglaterra parece menos badalada do que nos torneios anteriores, mesmo ainda tendo um dos melhores, e mais profundos, elencos do futebol de seleções. Talvez porque o trabalho de Tuchel não mostrou muita coisa até agora. Também é difícil de imaginar o que poderia mostrar em oito jogos, cinco deles contra Andorra, Letônia e País de Gales. É verdade que poderia, por exemplo, ter feito mais do que três gols contra Andorra em 180 minutos. Mas se fizesse… bom, quem se importa? É Andorra.
Houve poucas oportunidades de testes difíceis de verdade para a Inglaterra depois da Eurocopa. Pela campanha ruim na edição anterior, esteve na segunda divisão da Liga das Nações ao lado de Irlanda, Finlândia e Grécia no fim do ano passado, sob o comando do interino Lee Carsley. Caiu em um grupo sem outro cachorro grande europeu nas Eliminatórias e ocupou as datas de amistosos com jogos contra Senegal, a única derrota de Tuchel, e Gales.
O maior desafio, a Sérvia fora de casa, foi tirado de letra. E se nomes como Bellingham, Palmer, Foden, Saka e Rashford estão precisando lidar com problemas físicos, ou de outra natureza, Morgan Rogers apareceu muito bem como uma alternativa na camisa 10 (alternativa a, por coincidência, o próprio Bellingham), o volante Elliott Anderson tem se firmado em uma posição sem tantas opções para a Inglaterra e Harry Kane nunca esteve melhor.
Bons sinais, mas ainda pouco para confiar em uma seleção que passou décadas fazendo um trabalho meticuloso para construir a fama de que não é confiável.
NA EDIÇÃO ANTERIOR DA NEWSLETTER…
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Giro
- O maior clube do mundo pode abrir seu modelo de sócios para investidores. O Real Madrid estuda a possibilidade de fazer uma mudança gigantesca na sua estrutura: sair do modelo de sócios para o de ter investidores. O Real Madrid é um quatro casos na Espanha de clubes que não são empresas e continuam no modelo associativo, junto com Barcelona, Athletic Bilbao e Osasuna. Discute-se como seria o modelo, mas a ideia é que os sócios mantenham o controle. Por isso, foi citado o 50+1 da Bundesliga como possibilidade. A ideia é separar em duas entidades diferentes, uma com o clube e outra como uma unidade de negócios que os investidores podem entrar. O principal argumento do presidente Florentino Pérez é que a competição com clubes de donos bilionários ou fundos de países é difícil mesmo para uma entidade como o Real Madrid. Para que uma mudança aconteça, ela precisa ser aprovada pelos sócios com direito a voto em assembleia, que deve acontecer em novembro. É uma transformação que pode causar um abalo sísmico no mundo do futebol, já que é o único clube que ultrapassou a marca de € 1 bilhão anuais, segundo o relatório anual da Deloitte. (Felipe Lobo)
- Durante dois ou três mercados, Frenkie de Jong e Barcelona brincaram de cabo de guerra. O clube o identificava como a salvação da lavoura, uma grande venda que poderia (finalmente) acertar as contas e minimizar os problemas com o Fair Play Financeiro. O jogador, porém, não quis ir embora, e como uma das especulações mais fortes era o Manchester United, dá para culpá-lo? Como o tempo, e às vezes mudar de técnico, é o melhor remédio, o Barça anunciou a renovação do seu contrato até 2029. Ele tem sofrido com problemas físicos há cerca de dois anos, e curiosamente foi titular apenas nove vezes na última temporada de La Liga (com 26 partidas no total). Mas jogou quando importava - no mata-mata da Champions League. O time ideal do Barcelona de Hansi Flick tem o holandês ao lado de Pedri na dupla de volantes e, ao contrário do que parecia, isso não deve mudar em um futuro próximo. (Bruno Bonsanti)
- Nós geralmente esperamos que as notícias sejam oficiais para comentá-las, mas achei interessante demais para ignorar que Graham Potter pode ser o próximo técnico da seleção sueca. Não é uma associação aleatória: o seu primeiro trabalho relevante foi com o Östersunds, que levou da quarta divisão à primeira e ao título da Copa da Suécia de 2017. No ano seguinte, chegou a bater o Arsenal no mata-mata da Liga Europa (no primeiro jogo, depois levou 3 a 0). Ele até mantém uma casa no país, de onde deu uma entrevista para o veículo local Fotbollskanalen dizendo que está bastante interessado. “Eu tenho sentimentos pela Suécia. Amo o país e amo o futebol sueco. Seria uma oportunidade fantástica para mim”, afirmou. O cargo ficou vago após a demissão de Jon Dahl Tomasson, que conseguiu apenas um ponto nas quatro primeiras rodadas das Eliminatórias europeias para a Copa do Mundo. A Suécia não tem mais chance de classificação direta, mas está garantida na repescagem por causa da Liga das Nações. Após o seu excelente trabalho pelo Brighton, Potter caiu no triturador de técnicos do Chelsea e passou brevemente pelo West Ham, sem fazer nada demais. (Bruno Bonsanti)
- A federação da Indonésia não tinha motivos plausíveis para demitir Shin Tae-yong do comando da seleção, mas optou pela grife quando anunciou a chegada de Patrick Kluivert em janeiro – e o tamanho do erro fica expresso com a demissão do holandês nesta semana. Treinador da seleção de seu país na Copa do Mundo de 2018, o sul-coreano dirigiu os indonésios por cinco anos e foi responsável pela transformação de perspectivas do time, com o sonho de voltar à Copa do Mundo pela primeira vez desde 1938. Shin conduziu o bom início das Eliminatórias, com vitória sobre a Arábia Saudita, além de empates contra sauditas e australianos. Contudo, perdeu o emprego em janeiro, após uma campanha fraca no Campeonato do Sudeste Asiático. Kluivert chegou com mais fama que currículo. Vitórias apertadas sobre Bahrein e China levaram a Indonésia à quarta fase das Eliminatórias, mas o nível de desempenho caiu. Já na etapa decisiva, o treinador foi mal em suas escolhas e viu o sonho do Mundial ruir. Depois das derrotas para Arábia Saudita e Iraque, pesando a mão na crítica aos jogadores, a demissão era aguardada. O problema mesmo tinha sido a contratação. (Leandro Stein)