No fim, só faltou o futebol
Não tem camisa no mundo que pesa sem um mínimo de futebol, e o Real Madrid não conseguiu ser competitivo diante do amplo domínio do Arsenal no confronto
Os estádios pela Europa fervilharam durante a semana, com a definição dos semifinalistas das três competições continentais. A Champions League evidenciou os méritos de todos os quatro classificados, assim como de quase todos os eliminados. A exceção ficou para o Real Madrid, que, sem funcionar como time, não foi amparado pela mística. Já no confronto mais equilibrado, a Inter ressaltou o valor do trabalho de Simone Inzaghi. Liga Europa e Conference ofereceram também seus épicos, em especial a virada monumental do Manchester United sobre o Lyon, que talvez tenha efeitos além do clube. Nesta edição da Newsletter Meiocampo, listamos ainda um breve histórico dos semifinalistas e giramos por outros continentes.
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No fim, só faltou o futebol
Por Bruno Bonsanti
A palavra mais presente no complexo midiático de Madri durante uma semana foi “remontada”. Jude Bellingham admitiu tê-la ouvido um milhão de vezes. Qualquer outro time que precisasse reverter uma desvantagem de 3 a 0 no segundo jogo de um mata-mata poderia fazer o auê que quisesse na imprensa, com a torcida, nos vestiários, que não colaria. Com o Real Madrid cola. Porque com o Real Madrid na Champions League, tudo é possível.
Uma das poucas remontadas desse tamanho na história da Champions ou da Copa dos Campeões foi do Real Madrid, depois de perder a ida para o Derby County por 4 a 1 em 1975/76. Houve mais duas na Copa da Uefa nos anos oitenta. E os caras ganharam o bagulho 15 vezes, então, sabe, as regras normais não se aplicam a eles.
Não era apenas mística: era mística apoiada em fatos que gerou uma expectativa acima do comum para uma partida que, em condições normais, seria pouco diferente de um amistoso. Como se fosse garantido que veríamos algo especial porque, afinal de contas, era o Real Madrid.
E aí, o jogo começou.
E é difícil quantificar o quanto ele acabou sendo ordinário. Chato, até. O primeiro tempo foi tomado por discussões sobre arbitragem. No segundo, o Real Madrid se limitou a cruzar bolas na área. Sempre que parecia que um velho roteiro começava a se repetir… nada acontecia.
Bukayo Saka tentou converter um pênalti de cavadinha, errou, e a reação foi imediata: cutucou a onça. Lá vem o Real Madrid. Mas… nada aconteceu.
O Arsenal entregou um gol logo depois de abrir o placar. Mesma coisa: ressuscitou o Real Madrid. E… nada aconteceu.
Não aconteceu porque o Real Madrid não conseguiu fazer que acontecesse. Não tem camisa no mundo que pesa sem um mínimo de futebol e eles não conseguiram nem chegar perto do sarrafo necessário para ter uma chance ao longo dos 180 minutos.
Após toda uma bem orquestrada e até louvável tentativa de evocar a história, no fim o Arsenal foi simplesmente melhor.
Os ingleses tiveram seus principais méritos no jogo de ida. Criaram o suficiente para vencer por 3 a 0, apesar de dois gols terem saído em cobranças de falta. No Santiago Bernabéu, ciente de onde estavam pisando, adotaram uma postura mais cautelosa e defenderam a maior parte do tempo. E ainda foram melhores. Conseguiram um pênalti cedo, fecharam muito bem a sua área, ameaçaram nos contra-ataques.
Com tanta qualidade individual em campo, assustou o quanto o Real Madrid foi previsível. Mbappé procurava Bellingham, a bola nunca chegava ou nunca voltava. Vinícius Júnior e Rodrygo dominavam e tentavam o drible, mas nunca encontravam espaço. Então, bola para a área. Muitas bolas foram para a área. O Real Madrid não parou de mandar a bola para a área, mesmo sem ter, como lembrou Courtois, “um centroavante de nascença como Joselu”.
Pois é, um dos diagnósticos depois da partida foi “se pelo menos nós tivéssemos Joselu…”
Mais do que um Joselu - que, por ser apenas o Joselu, tem um bom histórico de gols decisivos - faltou um Toni Kroos. Alguém para bolar um plano diferente antes de todos aqueles cruzamentos. Existe muita qualidade no meio-campo do Real Madrid, mas após a saída de Kroos e com o envelhecimento de Modric, é uma qualidade diferente. Aurélien Tchouaméni, Federico Valverde, Eduardo Camavinga e mesmo Jude Bellingham são, ofensivamente, meias de chegada na área, movimentação e chutes de longa distância.
E quando você olha para a linha de defesa, a zaga foi formada por Raúl Asencio, um garoto em sua primeira temporada entre os profissionais, e Antonio Rüdiger, um condecorado veterano de 32 anos. David Alaba acabou de retornar de um ano parado por causa de uma ruptura dos ligamentos do joelho e, na outra lateral… bom, ainda Lucas Vázquez.
O Real Madrid sofreu com desfalques. Dani Carvajal, Éder Militão e Ferland Mendy certamente o teriam ajudado. Mas você quer falar de desfalques com o Arsenal? Eles têm pelo menos quatro titulares ou jogadores importantes - Gabriel Magalhães, Gabriel Jesus, Kai Havertz e Takehiro Tomiyasu - que estão fora da temporada já há algum tempo. Acontece.
Ao mesmo tempo, é justa a crítica de parte da torcida e da imprensa (em Madri formada por parte da torcida) de que Florentino Pérez errou no mercado de transferências. Não houve substituto para Kroos e o último defensor pelo qual o Real Madrid pagou alguma coisa foi Mendy, seis anos atrás - com exceção de Fran García, que já tinha 50% dos seus direitos federativos associados aos merengues.
Mas a vida é feita de escolhas. A prioridade total foi Mbappé. O Real Madrid faz um ótimo trabalho em atrair grandes jogadores ao fim dos seus contratos. Deve conseguir mais um com Alexander-Arnold. Isso pode passar uma percepção enganosa de que são reforços baratos, mas geralmente as taxas de transferências são substituídas por luvas ou bônus de assinatura, e jogadores do calibre de Alaba, Rüdiger ou Mbappé recebem salários altíssimos. Talvez desse para contratar mais alguém, mas, sem se arriscar com as regras de fair play financeiro ou o rígido teto salarial de La Liga, provavelmente não tanto quanto a torcida imagina.
A expectativa era alta para esta temporada porque o Real Madrid havia finalmente realizado o sonho de trazer Mbappé. E o acréscimo de um dos melhores jogadores do mundo a um time já campeão europeu era palpitante. Nem sempre é simples assim. O encaixe do quarteto ofensivo melhorou em relação aos primeiros meses, mas é um projeto em andamento. O futebol trabalha com compensações: o que você ganha com Mbappé no ataque, perde com um homem a menos no meio-campo, e a conta pode demorar um pouco para fechar.
Ancelotti é bom nisso. Tenho confiança que, com tempo, ele conseguiria achar uma solução. Ao mesmo tempo, está há quatro anos no Real Madrid e não seria absurdo se os dois lados decidissem que chegou a hora de uma separação. Foi uma passagem extremamente bem sucedida, muito mais do que se imaginava quando ele foi contratado do Everton meio emergencialmente. Essa temporada não foi o seu melhor trabalho. As anteriores foram.
Como o próprio resumiu: “O futebol tem um rosto feliz e um triste. Nós vimos o feliz muitas vezes. Agora, temos o triste”.
Uma rara noite europeia em que o Real Madrid foi simplesmente comum.
🎧PODCAST MEIOCAMPO #124
A análise completa da rodada da Champions League está na nova edição do Podcast Meiocampo, excepcionalmente gravada nesta quinta-feira! Falamos sobre os méritos de Arsenal, Inter, Barcelona e PSG, bem como a dignidade que fica para Aston Villa, Borussia Dortmund e Bayern de Munique - menos para você, Real Madrid. No final, uma pincelada sobre Liga Europa e Conference.
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Simone Inzaghi fez da Inter um dos times mais competitivos da Europa
Depois de anos sendo coadjuvante na Europa, Inzaghi fez da Inter um dos times mais difíceis de serem batidos no continente e é candidato ao título da Champions
Por Felipe Lobo
A Internazionale chega às semifinais da Champions League pela segunda vez em três anos e, desta vez, com muito menos estranhamento. Os nerazzurri se tornaram respeitados e pintam na semifinal contra o Barcelona em pé de igualdade. Em parte, porque têm Lautaro Martínez, que faz mais uma grande temporada, mas o principal responsável é outro: Simone Inzaghi.
O técnico não é o Inzaghi mais famoso em campo. O que todo mundo conhecia era Filippo Inzaghi, atacante histórico da Serie A por Juventus e Milan. Simone era o irmão mais novo, atacante como o mais velho, mas em uma carreira menos badalada, sendo um bom jogador e quase sempre reserva da Lazio.
Como técnico, Simone Inzaghi conseguiu muito mais. Se o irmão, Filippo, não se estabeleceu no Milan e desde então roda por times pequenos tentando se firmar, Simone teve sucesso logo de cara pela Lazio e foi escolhido para ser o sucessor de Antonio Conte na Inter.
Uma responsabilidade imensa que Simone Inzaghi encarou e sofreu. A primeira temporada teve problemas, mas acabou bem: título da Copa da Itália. Na temporada seguinte, foi finalista da Champions e novamente campeão da Copa da Itália. Um time muito elogiado pela defesa, mas visto, de maneira geral, como um acidente por ter chegado tão longe na Europa. O tempo mostraria que não.
Na temporada seguinte, conquistou o título italiano de forma implacável na Serie A e caiu muito precocemente na Champions, diante do Atlético de Madrid nas oitavas de final, quando parecia jogar até mais do que no ano anterior, quando foi finalista. Não teve a mesma sorte nos confrontos? Pode ser, mas a equipe mostrava ainda mais recursos.
A Inter da atual temporada não começou como favorita na Champions, mas era favorita na Serie A. Teve problemas, se estabilizou, lidera o campeonato e tem boas chances de ficar com a taça. Na Champions, teve que enfrentar um adversário de peso. O Bayern de Munique sentiu na pele que a Inter de Inzaghi é mesmo muito forte na defesa, mas é muito mais do que isso.
O time de Milão é versátil. Capaz de fugir da pressão na sua saída de bola e também de atuar empurrando o adversário que se defende mais atrás. Tem zagueiros que são parte do movimento ofensivo, seja rodando a bola para sair da pressão, abrindo espaço para os meio-campistas, seja aparecendo na área ou pelas laterais.
Tem no meio-campo um time capaz de controlar o jogo de maneira como poucos conseguem. Tem Hakan Çalhanoglu, um camisa 10 transformado em regista, tal qual Carlo Ancelotti fez com Andrea Pirlo no Milan anos antes. Tem Nicolò Barella, um dos melhores jogadores italianos, feroz sem a bola e um maestro com ela. Tem Henrikh Mkhitaryan, um trabalhador incansável cheio de técnica.
E tem um ataque com o peso de Lautaro Martínez, estabelecido como um dos mais completos atacantes da Europa, e Marcus Thuram, um ponta que se tornou um camisa 9 letal. Nenhum deles se define de maneira simples. Lautaro não é um centroavante, é um jogador capaz de flutuar, armar, finalizar e trabalhar pela equipe. Thuram também. Sua força e altura por vezes são usados também na defesa e sua capacidade de cair pelas pontas quando necessário o torna mais perigoso.
Nada disso funcionaria sem Simone Inzaghi e suas extensas rotinas de funcionamento do time. Da saída de bola às bolas paradas. Do meio-campo mais marcador sem a bola ao ataque veloz quando é preciso. Se a Inter fosse definida por apenas uma palavra, seria eficiência. Já era assim em 2023, mas está muito melhor em 2025.
Até por isso, é uma ameaça também maior aos adversários. O Barcelona joga um futebol de encher os olhos nos seus melhores dias, mas tem problemas sérios na defesa que o Dortmund expôs.
A Inter não tem a mesma capacidade de controle dos blaugranas, que têm em Pedri um craque, nem a velocidade e habilidade dos pontas Lamine Yamal e Raphinha. Mas tem não só um, mas dois atacantes perigosos como Robert Lewandowski – ainda que o polonês, individualmente, seja melhor.
Coletivamente, a Inter é um dos melhores times da Europa. E individualmente, tem jogadores capazes de fazer as mesmas funções dos titulares no banco. Como Davide Fratesi, no meio-campo, ou Matteo Darmian, na lateral (que jogou no lugar do machucado Denzel Dumfries). Ou mesmo Carlos Augusto, que substitui muito bem o melhor lateral esquerdo da temporada, Federico Dimarco.
O time tem seus problemas e nem sempre a Inter consegue manter a consistência. Diante do Bayern, teve momentos de precisar resistir à pressão e correr riscos. Há mecanismos que precisam ser polidos, como em todas as equipes. Apesar disso, a Inter de Inzaghi não pode ser subestimada. O Barcelona, a essa altura, sabe disso. Arsenal e PSG também.
Até por isso, tem tudo para serem semifinais das mais interessantes. Os duelos em Barcelona e Milão prometem ser táticos, técnicos e emocionantes. Se Hansi Flick faz uma grande primeira temporada no Barcelona, Simone Inzaghi chega ao seu quarto ano com uma Inter que é uma das mais competitivas da Europa.
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Um épico para, quem sabe, ressignificar a Liga Europa aos ingleses
Por Leandro Stein
Old Trafford, de tantas noites europeias grandiosas, experimentou uma de suas maiores nesta quinta-feira. Mesmo para um clube como o Manchester United, acostumado a negar o impossível, a classificação sobre o Lyon na Liga Europa tem ares sobrenaturais. Obviamente a façanha não está na prateleira da final da Champions de 1999, mas reverter um 2 a 3 para 5 a 4, e isso já depois dos nove minutos do segundo tempo da prorrogação, soa milagroso até para quem instituiu o Fergie Time. E talvez esta vitória seja importante não apenas para reverter a percepção ao redor do sofrível United atual, mas também para ressignificar a relação dos clubes ingleses com a Liga Europa.
Afinal, não é segredo que muitas vezes os representantes ingleses parecem a contragosto nas competições secundárias da Uefa. Não são poucos os casos em que tentar uma colocação melhor na Premier League parecia mais importante do que os mata-matas da Copa da Uefa ou da Liga Europa. A Inglaterra se sente o centro do mundo não é de hoje, especialmente no futebol, mas esse desdém a torneios que o restante dos europeus se esfola para conquistar até aumentou nas duas últimas décadas – seja pelo fortalecimento crescente do Campeonato Inglês, seja pelo aumento da importância da Champions League, seja pelo dinheiro substancialmente superior que os dois torneios oferecem. Fato é que se importar de verdade com a Copa da Uefa / Liga Europa era coisa de quem não frequenta a Champions – um Middlesbrough da vida, um Fulham da vida.
Mesmo fazendo cara de nojinho para jogar a Liga Europa, muitos dos ricaços ingleses foram bem na competição durante os últimos anos. A disparidade financeira permitiu boas campanhas por osmose, até se esses times viessem de campanhas pífias da fase de grupos da Champions e acabassem repescados. Não pareceu um esforço hercúleo do Chelsea para ser campeão em 2012/13 e em 2018/19 (nesta com o Arsenal de vice), assim como o Manchester United chegou à taça em 2016/17 apesar da entressafra. A Liga Europa só interessava como um prêmio menor, como consolação a uma temporada continental que saiu dos trilhos ou até como um atalho à vaga para a própria Champions.
O ponto é que as coisas mudaram nos últimos três anos. Primeiro, dentro da Premier League, onde o Big Six não tem mais a tranquilidade de outros tempos para sobrar no topo da tabela. Times como Newcastle e Aston Villa se intrometeram na Champions nas duas últimas temporadas, enquanto o Nottingham Forest tem condições de ser o próximo, ao lado de novo dos Magpies. Estar nas competições secundárias se torna até mais difícil, também pelo incômodo causado por um Brighton da vida ou outro clube em ascensão.
Além disso, as próprias competições europeias mudaram. A Liga Europa, sobretudo, se fortaleceu bastante desde a criação da Conference League e a redistribuição dos clubes dentro dos diferentes torneios. Desde essa reformulação em 2021/22, a LE se tornou mais equilibrada, mais interessante e mais imprevisível. A fase de grupos ganhou uma rotação maior e o nível competitivo também deu um salto nos mata-matas. Não parece coincidência que nenhum inglês foi finalista nestas últimas três temporadas. Mesmo com mais dinheiro, os representantes da Premier League não tiveram facilidade diante da qualificação e da ambição ainda maior da concorrência. Só um time conseguiu ser semifinalista neste triênio, o West Ham, em 2021/22. Tal disparidade econômica acaba pesando mais na Conference, como se nota desta vez com o domínio exercido pelo mistão do Chelsea até as semifinais.
A tendência é que as novas mudanças da Uefa em 2024/25 valorizem mais a Liga Europa. É o que se nota de novo nesta temporada. A imprevisibilidade e o equilíbrio seguem ditando a tônica. Algo benéfico ao próprio sistema do torneio, não há mais a repescagem dos eliminados da Champions na fase principal de classificação, o que às vezes fazia algumas forças caírem de para-quedas nos mata-matas da LE. E a oferta de uma quinta vaga na Champions às ligas nacionais cria um efeito imediato à necessidade de conquistar pontos no Ranking da Uefa. Vencer os jogos continentais desde o início gera uma janela à Champions a quem também corresponder na Premier League.
Não dá para dizer que o Manchester United representa todo esse discurso ao longo de sua campanha na Liga Europa. Longe disso, num clube caótico há anos, é difícil imaginar que exista um planejamento interno tão prático. Mesmo nesta campanha, os Red Devils pareciam satisfeitos em fazer o suficiente na frente continental, enquanto o mundo desabava na Premier League. Ainda assim, a trajetória do United ganha um significado diferente a partir da apoteótica virada sobre o Lyon.
O Manchester United segue como um time pouquíssimo confiável, independentemente da troca no comando técnico. Os problemas são muito mais profundos, como a péssima gestão atual dos Red Devils faz questão de lembrar a cada anúncio de cortes de despesas. A própria partida contra o Lyon é um retrato das oscilações de um clube sem rumo. Após abrir dois gols de vantagem com certa facilidade e ter condições de fazer mais, o United permitiu o empate dos franceses e a prorrogação. Pior, deixou que os visitantes fizessem mais dois gols no tempo extra, e isso quando tinham um jogador a menos.
A ressurreição do Manchester United na noite mágica de Old Trafford é feita mais de uma conjunção de fatores do que de um sistema projetado para a reação. Veio na base de um líder técnico que carrega a equipe nos ombros, Bruno Fernandes; da hierarquia de um especialista em desbravar o continente, Casemiro, que bateu no peito durante o momento decisivo; de um talento com capacidade de desequilibrar, Kobbie Mainoo; até da redenção do mais execrado, Harry Maguire. Contudo, não é com esse 5 a 4 verdadeiramente épico que se imagina uma transformação repentina dos Red Devils, um time que passou vergonha em tantos momentos da temporada e protagoniza a pior campanha do clube na era Premier League – só a salvo do temor de rebaixamento porque a concorrência no Z-3 conseguiu ser muito pior.
O que deve mudar, desde já, é a percepção que o Manchester United tem desta Liga Europa. Não deveria ser visto como um torneio menor, a um clube que não é campeão da Premier League há 12 anos e não pega nem semifinal de Champions há 14. Por seu nível de investimento, os Red Devils despontam com uma vantagem imediata na Liga Europa. Só que isso precisa se provar em campo e o fortalecimento da competição exige ainda mais. O Lyon foi não só uma ameaça de hecatombe, mas também aquele responsável por despertar o United àquilo que o título pode representar. Não tem que ser um prêmio de consolação, um atalho à Champions ou uma borracha sobre os vexames recentes. Pode ser uma grande história, contada por muito tempo, em memória já assegurada com esses 5 a 4.
Essa chance de um inglês se orgulhar da Liga Europa, aliás, não é exclusividade do United. O Tottenham também tem uma grande chance após passar às semifinais. De novo, o torneio não deveria ser um atalho ou uma consolação, mas o sonho de um troféu que não vem há tempos aos Spurs e até mesmo um resgate da tradição continental do clube – dono de uma Recopa e de duas Copas da Uefa no século passado. Pelo poderio financeiro de ambos, podem não ser contextos que empolguem tanta gente que vê de fora, como são o ineditismo do Bodo/Glimt, o primeiro norueguês semifinalista europeu, ou a tradição do Athletic Bilbao, que poderá faturar seu primeiro troféu continental na final em San Mamés. De qualquer maneira, os ingleses valorizarem de verdade o torneio é o que garante mais brilho à própria história que escrevem.
O Manchester United tem para si o vanguardismo de ser o primeiro clube inglês a valorizar a antiga Copa dos Campeões, em mentalidade incutida por Sir Matt Busby desde as primeiras edições e que culminou no título em 1967/68. Já em 1990/91, quando os ingleses voltaram às competições continentais após a suspensão de cinco anos provocada por Heysel, o United reviveu os velhos sonhos continentais na Inglaterra ao conquistar a Recopa – antes do degrau maior escalado na Champions 1998/99. Quem sabe a Liga Europa 2024/25 não ofereça aos Red Devils a oportunidade de também ressignificar o torneio aos ingleses. A virada sobre o Lyon é um passo. Talvez o título enfatize essa noção, embora hoje o futebol apresentado pelo United não o coloque como favorito. É preciso também provar seu valor como time, algo que ocorreu nos inacreditáveis minutos finais em Old Trafford.
Um breve histórico de cada um dos semifinalistas europeus de 2024/25
Por Leandro Stein
- Arsenal: O Arsenal soma 11 aparições em semifinais europeias. Curiosamente, as seis primeiras tentativas renderam classificações às finais. Os Gunners foram campeões da Copa das Cidades com Feiras em 1969/70 e da Recopa em 1993/94, além de terem dois vices na Copa da Uefa, um na Recopa e o célebre na Champions 2005/06. Depois disso, o Arsenal conseguiu ser semifinalista na Champions 2008/09, mas perdeu o retrospecto ao ser eliminado pelo Manchester United. Não repetiu uma campanha entre os quatro melhores do torneio desde então, mas teve três semifinais de Liga Europa – incluindo a que rendeu o vice em 2018/19, superado pelo Chelsea.
- Paris Saint-Germain: O PSG alcança semifinais europeias pela nona vez. Sua era de ouro aconteceu nos anos 1990, quando os parisienses foram semifinalistas em cinco temporadas consecutivas, de 1992/93 a 1996/97. A equipe teve uma semifinal de Champions neste ínterim, derrotada pelo Milan em 1994/95, enquanto logo depois celebrou um título e um vice na Recopa. As outras semifinais vieram na era catariana do PSG. Todas se deram na Champions, com destaque à campanha de 2019/20, que rompeu o hiato de mais de duas décadas fora das semis e valeu o vice-campeonato continental.
- Internazionale: A Inter contabiliza 20 semifinais continentais, metade delas só na Champions. A primeira ocorreu na Copa das Cidades com Feiras, em 1960/61, antes da fase dominante na antiga Copa dos Campeões. De 1963/64 a 1966/67, os nerazzurri foram semifinalistas da Champions em quatro temporadas consecutivas, com dois títulos e um vice. Voltaram ainda às semifinais do torneio em 1971/72 e 1980/81, com mais um vice na primeira destas. Durante a virada do século, a força da Beneamata se expressou na Copa da Uefa. De 1984/85 a 2001/02, os interistas chegaram a sete semifinais, com três títulos e um vice. A Champions voltou ao horizonte com outra campanha semifinalista em 2002/03, antes do título em 2009/10. Desde então, os melhores resultados foram as semifinais (antes dos vices) na Liga Europa 2019/20 e na Champions 2022/23.
- Barcelona: O Barcelona vai para sua semifinal europeia de número 31. Na Champions são 17 semis, numa conta que poderia ser maior: quando foi campeão em 1991/92, o Barça passou por uma fase de grupos que valia como quadrangular semifinal e se classificou diretamente à decisão. A conta começa em 1959/60, antes da caminhada que rendeu o vice em 1960/61. A volta se deu com Johan Cruyff, em 1974/75, antes de novos vices em 1985/86 e 1993/94. A partir da virada do século, o destaque fica às seis temporadas consecutivas chegando nas semifinais da Champions, de 2007/08 a 2012/13, com dois títulos. Desde então, o Barça foi só semifinalista mais duas vezes, para a conquista em 2014/15 e na última aparição em 2018/19 – sofrendo a incrível virada do Liverpool. Nas demais competições, são seis semifinais de Recopa, quatro de Copa das Cidades com Feiras e quatro de Copa da Uefa.
- Athletic Bilbao: O Athletic Bilbao tem três semifinais continentais, todas na Copa da Uefa / Liga Europa. A primeira vez aconteceu em 1976/77, numa campanha em que os Leones já tinham eliminado Milan e Barcelona. Passaram pelo RWD Molenbeek para avançar à decisão, mas perderam o troféu para a Juventus. O retorno se viu em 2011/12, quando o time de Marcelo Bielsa já havia despachado Manchester United e Schalke 04. Os bascos superaram também o Sporting, com o vice desta vez diante do Atlético de Madrid.
- Manchester United: Esta é a semifinal 19 do Manchester United em competições europeias. O primeiro momento de destaque foi logo nos primórdios dos torneios, com seis semifinais de 1956/57 a 1968/69, cinco delas na Copa dos Campeões e uma na Copa das Cidades com Feiras – com uma final, a que rendeu o título da Champions 1967/68. Curiosamente, a primeira semifinal aconteceu após uma classificação sobre o Athletic Bilbao em 1956/57, antes da queda diante do Real Madrid. A volta do United às semifinais ocorreu na Recopa 1983/84, torneio que o clube conquistou depois de mais uma grande campanha em 1990/91. Outra fase dourada se desenrolou de 1996/97 a 2010/11, com sete semifinais de Champions, que garantiram mais dois títulos e dois vices. Por fim, a era recente relegada à Liga Europa. Os Red Devils chegam à quarta semifinal do torneio desde 2016/17, com um título na primeira delas.
- Bodo/Glimt: Uma história totalmente nova se escreve: o Bodo/Glimt é o primeiro clube norueguês a ser semifinalista das competições europeias. Outras quatro agremiações do país tinham batido até as quartas de final, sem conseguir ir além. O Rosenborg foi quadrifinalista da Champions 1996/97, superado pela Juventus, enquanto Lyn, Brann e Valerenga tiveram suas melhores campanhas na Recopa. O Bodo/Glimt também tinha parado nas quartas de final uma vez, diante da Roma na Conference 2021/22, antes que a história fosse reescrita dentro do próprio Estádio Olímpico diante da Lazio nesta quinta-feira.
- Tottenham: O Tottenham está em sua nona semifinal continental. A primeira foi na Copa dos Campeões 1961/62, eliminado pelo Benfica, antes de iniciar seus sucessos nas competições secundárias. De 1962/63 a 1983/84, os Spurs tiveram seis semifinais entre Recopa e Copa da Uefa, com um título na primeira e dois títulos (além de um vice) na segunda. A partir de então, os londrinos conviveram com um longo inverno, até que a escrita fosse quebrada com a caminhada à final da Champions 2018/19, graças ao épico diante do Ajax nas semifinais.
- Chelsea: O Chelsea soma 16 semifinais continentais, exatamente metade de suas 32 participações. O histórico bem sucedido começa na Copa das Cidades com Feiras de 1965/66, que precede o título da Recopa em 1970/71. Os Blues tiveram mais três semifinais de Recopa nos anos 1990, incluindo nelas o título em 1997/98. Já o grosso das semifinais ocorre após o início dos investimentos de Roman Abramovich. São oito semis de Champions de 2003/04 a 2020/21, com dois títulos e um vice. Além disso, nas duas vezes em que os londrinos bateram nas semifinais da Liga Europa no período, acabaram campeões.
- Djurgardens: Esta é a primeira semifinal europeia do Djurgardens, que até então tinha como sua melhor campanha as quartas de final da edição inaugural da Copa dos Campeões, eliminado pelo Hibernian em 1955/56. Além disso, a equipe de Estocolmo quebra um jejum de 38 anos sem um clube sueco em semifinais continentais. Antes disso, só dois representantes do país tinham alcançado essa fase. O Malmö foi o pioneiro, rumo ao vice da Champions em 1978/79. Já o IFK Göteborg conseguiu três semifinais nos anos 1980. Caiu nesta fase uma vez na Champions, em 1985/86, mas foi além a Copa da Uefa em 1981/82 e 1986/87.
- Betis: Esta já é a melhor campanha continental da história do Betis, tão pressionado pelos sucessos do rival Sevilla na Copa da Uefa / Liga Europa. Os verdiblancos tinham antes duas participações até as quartas de final como melhor desempenho, sem dar um passo além. Na Recopa 1977/78, o algoz foi o Dínamo de Moscou. Já na Recopa 1997/98, os beticos sofreram duas derrotas para o Chelsea. Para efeito de comparação na Andaluzia, o Sevilla tem sete semifinais europeias: todas tiveram classificação e terminaram em título.
- Fiorentina: A Fiorentina disputa semifinais europeias pela décima vez. As três primeiras ocorreram nas três primeiras participações: o vice da Champions 1956/57, o título da Recopa 1960/61 e o vice no mesmo torneio em 1961/62. Depois disso as aparições foram mais esporádicas, na Copa da Uefa 1989/90 (com vice), na Recopa 1996/97, na Copa da Uefa 2007/08 e na Liga Europa 2014/15. Por fim, o período dominante na Conference, com três semifinais consecutivas. O desafio da Viola agora é ter um desfecho diferente, após os vices em 2022/23 e 2023/24.
Giro
- Ainda sobre as competições europeias, um dado interessante: dos 12 classificados, oito deles ficaram entre os quatro primeiros colocados na fase de liga – ou seja, eram “cabeças de chave” no caminho até as semifinais. A Champions reúne o 2° (Barcelona), o 3° (Arsenal) e o 4° (Inter), enquanto o 15° (PSG) tinha eliminado o 1° (Liverpool). A Liga Europa preserva o 2° (Athletic Bilbao), o 3° (Manchester United) e o 4° (Tottenham), com o 9° (Bodo/Glimt) despachando o 1° (Lazio). Por fim, a Conference tem o 1° (Chelsea) e o 3° (Fiorentina), além do 5° (Djurgardens) e do 15° (Betis) – que tiraram, respectivamente, o 4° (Rapid) e o 2° (Vitória de Guimarães).
- A Champions Asiática Elite realizará sua etapa decisiva na virada do mês, com o torneio disputado em sede única a partir das quartas de final. Antes disso, a AFC definiu os finalistas de seus outros dois torneios de clubes, e com sucesso de países pouco tradicionais. A rebatizada Champions League Two, antiga AFC Cup, é a “Copa Sul-Americana / Liga Europa” deles e agora envolve também times das principais ligas – até a temporada passada, era reservada a ligas secundárias. Mesmo assim, as surpresas deram as caras. Nas semifinais, o Lion City Sailors tirou o Sydney FC e garantiu um feito histórico ao futebol de Cingapura, que disputará pela primeira vez uma decisão continental. O clube fundado pela polícia local se tornou o primeiro do país a ser privatizado, em 2020, e desde então recebe investimentos massivos de um bilionário de origem chinesa. Seu desafiante é o Sharjah, dos Emirados Árabes Unidos, que tirou os sauditas do Al Taawoun graças a dois gols nos acréscimos do segundo tempo do jogo de volta. Os clubes dos EAU possuem dois títulos continentais, ambos na Champions Elite com o Al Ain – o atual campeão da competição principal.
- A Ásia agora também tem sua versão da “Conference League”, a chamada Challenge League, direcionada a países de menor ranking na confederação. A final de 2025 reunirá um duelo entre Camboja e Turcomenistão. Os cambojanos do Preah Khan Reach Svay Rieng tiraram os indonésios do Madura United e recolocam seu país numa final após 14 anos – quando foram vice-campeões do mesmo torneio. A decisão será contra os turcomenos do Arkadag, que perderam a ida para o kuwaitiano Al-Arabi por 2 a 0 e garantiram a remontada por 3 a 0. Ver o Turcomenistão numa final não é novidade, com dois títulos consecutivos de times do país antes que a antiga President's Cup (precursora da Challenge League) fosse descontinuada em 2014. O detalhe que chama mais atenção (e gera suspeitas) é a ascensão meteórica do Arkadag. O clube foi fundado em 2023 pelo repressor ex-presidente do país, Gurbanguly Berdimuhamedow, que deixou o cargo um ano antes para seu filho assumir. O Arkadag entrou logo na primeira divisão nacional e é o atual bicampeão, invicto. Somando as duas campanhas, os alviverdes somaram 54 vitórias em 54 partidas, com 230 gols marcados e 37 sofridos – além, é claro, de acusações de benefícios das arbitragens. Agora, se provam além das fronteiras.
- O futebol do Gabão lamentou nesta semana o falecimento de um dos principais jogadores da seleção local nos últimos anos. Aaron Boupendza faleceu aos 28 anos, ao sofrer um acidente e cair de um edifício na China, país onde atuava pelo Zheijang. O centroavante rodou por clubes de França, Portugal, Turquia, Catar, Arábia Saudita, Estados Unidos e Romênia ao longo de sua carreira. Seu auge aconteceu no Hatayspor, se sagrando artilheiro do Campeonato Turco em 2020/21. Já pela seleção, Boupendza somou oito gols em 34 aparições por Gabão. Presente na Copa Africana de Nações de 2022, anotou o gol da vitória na estreia contra Comores. Embora não fosse convocado desde 2023, Boupendza conviveu com vários jogadores que atualmente lutam por uma vaga inédita na Copa do Mundo. O Gabão é o vice-líder do Grupo F, um ponto atrás da Costa do Marfim, com o confronto direto em setembro sob mando de campo dos gaboneses.
Bom feriado e até a próxima semana!
Fui pego de surpresa com notícias do futebol do Gabão, ainda mais surpreso com a idade do finado artilheiro. RIP.
Gostei da informação das colocações dos 12 semifinalistas
Perfeitos!