O que está acontecendo com a Itália?
A Newsletter Meiocampo fala sobre a Itália de novo afundada na repescagem, o renascimento da seleção do Iraque, a República Democrática do Congo de volta como força e a final da Copa Sul-Americana
Newsletter Meiocampo — 21 de novembro de 2025
A Data Fifa se encerrou, mas não as repercussões de dias tão intensos no futebol de seleções. A Copa do Mundo está cada vez mais próxima no horizonte e, antes dela, repescagens que mexerão com o planeta inteiro em março. A Newsletter Meiocampo desta sexta-feira reflete sobre os problemas da Itália há três edições nas Eliminatórias, o ressurgimento do Iraque diante de sua calorosa torcida, a revolução de República Democrática do Congo de volta como força e os caminhos da repescagem em março. Tem ainda uma prévia de Atlético Mineiro x Lanús, na final da Copa Sul-Americana.
Vale lembrar: as edições de terça-feira e eventuais extras são exclusivas para assinantes. Às sextas-feiras, continua o conteúdo gratuito aberto ao público. Sugestões, críticas, elogios, quer só mandar um abraço: contato@meiocampo.net.
E atenção: pelos muitos textos desta edição da newsletter, provavelmente ela não chegará completa ao seu e-mail. Confira tudo através da página do Meiocampo no Substack.
O MEIOCAMPO PRECISA DE VOCÊ!
O Meiocampo é um projeto feito por quem é apaixonado por futebol e quer mergulhas nas boas histórias do futebol. A cada edição, buscamos produzir o conteúdo com a qualidade que nós mesmos gostaríamos de consumir. Acreditamos no conteúdo independente e financiado pela nossa comunidade. E queremos que você faça parte dela!
Se você lê e gosta do que produzimos, nós precisamos do seu apoio. Assine gratuitamente para receber o conteúdo toda sexta no seu e-mail. Compartilhe com quem gosta de futebol tratado com categoria. E considere se tornar um assinante pago. Por R$ 10 por mês ou R$ 100 por ano, você apoia para que o Meiocampo siga existindo.
Agradecemos demais o seu apoio!
O que está acontecendo com a Itália?
Por Bruno Bonsanti
A Itália precisa ganhar da Irlanda do Norte e depois de Gales ou da Bósnia para chegar à Copa do Mundo, e Gattuso pode reclamar o quanto quiser do formato das eliminatórias, mas se não conseguir ganhar da Irlanda do Norte e depois de Gales ou da Bósnia, não precisa da Copa do Mundo para apenas passear nos Estados Unidos.
Se eu ganhasse um real cada vez que a Itália disputou a repescagem desde o seu último título mundial, eu teria três reais, o que não é muito, mas é estranho que tenha acontecido três vezes. Até porque, se me perguntarem, como eu mesmo estou fazendo neste texto, eu não sei explicar exatamente qual é o problema.
Não que não haja alguns. A Federação Italiana não ganhará nenhum prêmio de excelência em governança, nem todos os técnicos que passaram pela seleção foram um acerto, o campeonato nacional, deficiente em infraestrutura e financeiramente defasado, está longe dos seus anos dourados e existem travas ao desenvolvimento de jovens jogadores pelos principais clubes e, ainda assim, nada disso parece tão grave a ponto de tirar a Itália de três Copas do Mundo consecutivas.
Em um universo em que a Argentina conquista a Copa, a incompetência administrativa não é um impeditivo para o sucesso esportivo. A Serie A não está em seu melhor momento, nem em seu pior momento. É uma liga atraente, apesar dos problemas, altamente equilibrada, e não que seja um argumento definitivo de saúde da competição, teve mais finalistas da Champions League nos últimos 10 anos que Alemanha e França (e Espanha, se excluirmos o Real Madrid).
A primeira campanha classificatória sem sucesso foi colocada na conta de Gian Piero Ventura, que ninguém nunca entendeu o que estava fazendo no comando da seleção italiana, mas as seguintes foram com Roberto Mancini e Luciano Spalletti (quando Gattuso chegou, meio que a vaca já tinha ido para o brejo), dois técnicos comprovadamente competentes.
Quando estava na seleção, Mancini batia na tecla da falta de oportunidade para jovens italianos nos principais clubes da Serie A com tanta frequência que chegava a ser chato, e se é indiscutível que dá para fazer um trabalho melhor, o problema da Itália não é material humano. É um caso parecido com o do Brasil. Tudo bem: não tem Baresi, não tem Totti, não tem Baggio, mas tem Donnarumma, Tonali, Barella, Bastoni, Dimarco e jogadores suficientes para formar um time relativamente forte, além de alguns garotos surgindo bem, como Pio Esposito.
Sabe como eu sei? A Itália passou 31 jogos invicta. Nenhum time com jogadores ruins passa 31 jogos invicto, mesmo se enfrentar Liechtenstein 31 vezes seguidas. Nesse intervalo, conquistou a Eurocopa, a última de uma sequência de três campanhas fortes, com final em 2012 e quartas em 2016, quando teve um elenco bem pior que o atual. Não dá para creditar a dificuldade de se classificar à Copa do Mundo exclusivamente, ou em grande parte, à deficiência técnica. Uma dessas campanhas parou na Macedônia do Norte, que, do ponto de vista técnico, é muito mais deficiente.
Pode ser que tenha sido tudo circunstancial. Caiu no grupo da Espanha e uma delas necessariamente não conseguiria vaga direta. Entrou mole contra a Bulgária, na ressaca do título europeu, e perdeu um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo contra a Suíça. Pegou exatamente a hora em que virou a chave da Noruega e não teve nenhum espaço para se recuperar depois de perder o confronto direto.
O problema com esse argumento é que, ao mesmo tempo, estava no segundo pote do sorteio das Eliminatórias para 2018 porque era apenas a 17ª do ranking, atrás de Gales, Romênia e Eslováquia, nem conseguiu ganhar da Irlanda do Norte na última rodada da campanha seguinte e demorou 88 minutos para fazer um gol na Moldávia no jogo em que precisava golear por dois dígitos, sem nem falar das tragédias contra Suécia e Macedônia do Norte.
Não pode ter sido circunstancial porque aconteceu três vezes, e antes, quando chegou à Copa do Mundo, foi eliminada na fase de grupos, ficando atrás de Nova Zelândia e Costa Rica. É um padrão. Faz quase 20 anos que a Itália tem sido irregular, mais para o lado do ruim com alguns bolsões de bom futebol. A longevidade da sua irrelevância na principal competição do futebol pode chegar a cinco edições consecutivas.
Talvez seja um pouco de tudo. Há rachaduras em todos os pilares que sustentam uma seleção nacional que não são enormes, mas grandes o bastante para abalá-la. Talvez a primeira derrota, aquela para a Suécia, tenha gerado uma bola de neve psicológica para os jogos decisivos que só será interrompida quando for interrompida. A maneira como desabou no San Siro, onde poderia pelo menos recuperar um pouco de honra, fortalece essa hipótese. Talvez seja apenas a natureza volátil do futebol internacional.
Eu gostaria de ter uma resposta mais contundente para a pergunta que eu mesmo fiz, mas é que eu realmente não sei.
PODCAST MEIOCAMPO #187
A Copa do Mundo ganhou cara após a última Data Fifa. São 42 classificados e só restam as seis vagas de repescagem para definir todos os países participantes. Falamos sobre como fica a cara da Copa com os classificados, com algumas histórias incríveis como da Escócia e Curaçau, estreante na competição.
Ouça também no Spotify, iTunes ou no seu tocador de preferência.
A repescagem é símbolo de um Iraque que busca se reerguer
Por Leandro Stein
Os 40 anos de ausência do Iraque em Copas do Mundo não representam apenas o intervalo temporal de quatro décadas. Para tantas famílias, o hiato pode simbolizar uma eternidade dolorosa. Guerras, invasões, atentados. Mortes, sequestros, desaparecimentos. O desterro de uma vida como refugiados. O suor do recomeço constante. E o futebol também como reflexo de uma nova vida, quem sabe ao país todo, com a chance de classificação na repescagem intercontinental. Poucos povos asiáticos são tão apaixonados pela bola e a tratam tão bem quanto os iraquianos. Mas demorou para que isso se notasse novamente de forma tão expressa nas Eliminatórias, agora a um jogo do Mundial.
A geração que levou o Iraque à Copa do Mundo de 1986, na estreia do país no torneio e naquela que ainda hoje é sua única participação, marca a dicotomia entre o orgulho e o medo que se viveu desde então. O talento daquele grupo dos Leões da Mesopotâmia é inegável, mesmo que a campanha no México tenha se encerrado com três derrotas. Foi também na década de 1980, porém, que tanto a federação de futebol quanto o comitê olímpico do Iraque passaram a ser presididos por Uday Hussein, filho do ditador Saddam. O esporte nacional tinha sua própria ditadura, sádica, com inúmeros casos de torturas a atletas que não atingissem resultados satisfatórios. Inclusive contra futebolistas que disputaram aquele primeiro Mundial.
Não só as guerras que explodiriam no país, como também a gestão nefasta da federação, minaram os talentos do Iraque em suas próximas tentativas de jogar uma Copa do Mundo. Os Leões da Mesopotâmia caíram na primeira fase das Eliminatórias em 1990 e 1998, enquanto a presença na fase final em 1994 ficou mais marcada por tirarem o Japão na famosa “Agonia de Doha” do que propriamente pelas chances iraquianas. Em 2002, apesar do retorno à fase decisiva, o time passou longe da vaga. Já a partir de 2003, com a invasão americana, o futebol iraquiano virou um refugiado constante.
Mesmo sem mais as perseguições de Uday, as condições para se praticar futebol no Iraque passavam longe do ideal. Se por um lado o sucessor na presidência da federação era o antigo camisa 10 iraquiano na Copa de 1986, por outro lado Hussein Saeed era antigo aliado do regime e enfrentaria outros tipos de acusação na entidade, como corrupção e ingerência. O pouco que os jogadores conseguiam já representava muito ao resto do país, e eles registraram feitos incríveis naquela década – as semifinais dos Jogos Olímpicos em 2004 e, sobretudo, a impensável conquista da Copa da Ásia em 2007.
A conquista continental foi um feito imenso para uma seleção que ela própria funcionava como refugiada na Jordânia, com jogadores ameaçados de morte pelo sectarismo e de sequestros pela relativa riqueza. Uma campanha que ainda quase foi interrompida após a histórica classificação sobre a Coreia do Sul nas semifinais, depois que um homem-bomba aproveitou a festa em Bagdá para um atentado que matou 60 pessoas. O time dirigido pelo brasileiro Jorvan Vieira só aceitou jogar a final depois de assistir à mensagem gravada pela mãe de uma das vítimas, que pediu para honrarem o filho. Ganharam por ele.
O Iraque teve seu maior símbolo de esperança através do futebol, num título que atenuou as divisões do país e a dor da guerra por um instante. Mas que não encerrou os conflitos e as dificuldades para reorganizar a nação. A própria federação passava longe de ser um exemplo de gestão. A Copa do Mundo seguia como um sonho distante, com campanhas que acabaram cedo nos qualificatórios para 2006 e 2010. Em 2014, apesar da lanterna do grupo, os Leões da Mesopotâmia voltaram à fase final. Não é coincidência que, no mesmo período, de forma breve, as guerras deram uma trégua suficiente para que jogos da seleção voltassem a ocorrer em cidades iraquianas. Não durou muito, mas reaproximava o futebol de sua gente.
A partir daquele momento, o futebol do Iraque também ganhou um grande símbolo de sua reconstrução: o estádio de Basra. O palco inaugurado em 2013 se tornou o mais moderno do país e, a partir de 2017, passou a abrigar os jogos da seleção de maneira mais constante. A cidade, localizada no sudeste do território, estava distante dos focos de conflito (sobretudo com a disputa territorial contra o ISIS ao norte), embora nem sempre o cenário fosse estável o suficiente para ganhar sinal verde da Fifa na realização dos compromissos das Eliminatórias. Os iraquianos, embora jogando a fase final longe de casa, voltaram a ser mais competitivos no qualificatório para a Copa de 2018. Já em 2022, ainda como uma seleção desterrada, ficaram a três pontos da repescagem.
Em paralelo, o Iraque voltou a fazer boas campanhas de forma constante na Copa da Ásia. Sempre alcançou os mata-matas e foi semifinalista em 2015, enquanto alguns desempenhos recentes deixaram a impressão de que poderia ir além, com eliminações doloridas para Catar e Jordânia nas oitavas. Apesar dos problemas de gestão na federação e da sombra da guerra contra o ISIS até 2017, uma geração de talentos voltava a ser formada pelos Leões da Mesopotâmia. A questão eram os entraves que por vezes ocorriam nos vestiários, com uma clara divisão. Cada vez mais o elenco absorvia os filhos da diáspora, refugiados das guerras que nasceram em outros países. Não eram sempre aceitos por aqueles que permaneceram no Iraque e reergueram o futebol de clubes, com conquistas internacionais importantes – especialmente na Copa da AFC, segundo torneio mais relevante da Ásia, com um tricampeonato do Al-Quwa Al-Jawiya entre 2016 e 2018.
O atual ciclo da Copa do Mundo marca um ponto de virada para o Iraque, algo refletido pelos resultados. O primeiro sinal promissor veio na Copa do Golfo, realizada em janeiro de 2023. Primeiramente, porque o torneio foi sediado em Basra, algo que não ocorria no país desde 1979 e que sinalizava tempos mais pacíficos. Depois, porque o título ficou no próprio Iraque, com uma conquista da seleção que não vinha desde 1988. E os Leões da Mesopotâmia seriam mais fortes também nas Eliminatórias, com a permissão da Fifa para disputar toda a campanha como mandante em Basra. Foi a primeira vez desde 1998 que os iraquianos não precisaram mandar jogos em outros países.
Impulsionado por uma torcida que botava 60 mil pessoas a cada jogo nas arquibancadas, o Iraque terminou a primeira fase de classificação das Eliminatórias com 100% de aproveitamento. O time entrou na etapa decisiva como candidato à vaga direta no Mundial, pertencente ao Pote 2 do sorteio. Contudo, os Leões da Mesopotâmia não cumpriram o favoritismo no Grupo B, numa campanha que desandou no final. As duas derrotas para a Coreia do Sul até foram compreensíveis. O problema veio no empate cedido em casa para o Kuwait, com dois gols nos acréscimos que evitaram o pior, e a derrota para a Palestina no confronto fora.
Os tropeços resultaram na demissão do técnico espanhol Jesús Casas, responsável pela conquista da Copa do Golfo, em março. Foi um movimento importante, até por seu substituto: Graham Arnold, responsável por levar uma desacreditada Austrália às oitavas de final da Copa do Mundo de 2022. As vagas diretas na Copa de 2026 ficaram com Coreia do Sul e Jordânia, mas a vitória iraquiana sobre os jordanianos na rodada final deixou uma ponta de honra, só um ponto atrás dos classificados. E os Leões da Mesopotâmia ganharam uma sobrevida rumo às repescagens.
As dificuldades eram claras no triangular da próxima fase, que ainda dava uma vaga direta. A Arábia Saudita era favorita e jogava em casa. Prevaleceu, mas com o Iraque se mostrando um time mais organizado sob as ordens de Graham Arnold. Ficou atrás dos sauditas apenas pelo número de gols marcados. Já a apoteose veio no confronto direto com Emirados Árabes Unidos nesta Data Fifa, numa nova fase pela vaga na repescagem intercontinental. O Iraque foi superior em Abu Dhabi e saiu com o valioso empate por 1 a 1. Já na última terça-feira, no caldeirão de 62 mil pessoas em Basra, a virada por 2 a 1 escancarou o momento gigantesco ao futebol iraquiano. Apesar dos riscos e de um gol adversário anulado no fim, Amir Al-Ammari foi gelado para converter o pênalti que confirmou a vitória aos 62 minutos do segundo tempo.
O Iraque que disputará a repescagem intercontinental é uma seleção que dá sinais de sua pacificação interna. Os atritos entre os nascidos no país e os filhos da diáspora se sugerem ao menos apaziguados em prol da equipe, assim como qualquer tipo de sectarismo entre xiitas, sunitas, curdos, assírios ou qualquer outro grupo colocado como inimigo entre tantas décadas de guerras. O elenco que disputou a Data Fifa contou com 14 jogadores em atividade nos clubes do país e 11 no exterior, sobretudo na Europa. Além disso, 17 convocados nasceram no Iraque, ainda que dois tenham emigrado na infância, e oito nasceram em outros territórios. Uma diáspora com representantes vindos de Suécia, Noruega, Alemanha, Holanda e Inglaterra. O caldeirão étnico ainda conta com jogadores que, embora iraquianos por parte de um dos pais, pelo outro trazem diferentes origens – paquistanesa, palestina, bósnia.
Os autores dos gols contra Emirados Árabes enfatizam essa mistura. Quem marcou em Abu Dhabi foi Ali Al-Hamadi, atacante nascido em Maysan, cidade perto da fronteira com o Irã, mas que virou refugiado na Jordânia ainda bebê e foi acolhido com a família na Inglaterra. Seu pai chegou a ser preso nos tempos de Iraque, por participar de protestos contra Saddam Hussein. Já em Basra, o empate veio com o ídolo Mohanad Ali, nascido e crescido na dura realidade de Bagdá. A virada saiu com o penal de Amir Al-Ammari, filho de pai iraquiano e mãe palestina, mas nascido na Suécia. Gols importantes na campanha foram anotados ainda pelo artilheiro Aymen Hussein, originário de uma área de maioria curda. Seu pai era militar e foi assassinado em 2008 por um ataque da al-Qaeda. Um irmão foi sequestrado pelo ISIS em 2013 e o paradeiro continua desconhecido.
Encarar Bolívia ou Suriname num jogo final parece pouco para o tanto que a seleção do Iraque enfrentou nos últimos 40 anos. A Copa do Mundo está a um jogo de distância dos Leões da Mesopotâmia, e mais simbólico ainda é que o torneio aconteça nos Estados Unidos, o invasor recorrente. A classificação representaria uma façanha esportiva, mas especialmente a esperança por novos dias que os iraquianos almejam vivenciar. A multidão em Basra já é um sinal potente disso.
NA EDIÇÃO ANTERIOR DA NEWSLETTER…
A Newsletter Meiocampo conta com duas edições fixas semanais: às terças, exclusiva para assinantes, e às sextas, gratuita para o público em geral. Ocasionalmente, nossos assinantes também ganharão textos extras. Na última terça, falamos sobre uma coleção de histórias: a mágica Escócia, a imparável Noruega, o pequenino gigante Curaçao, o renascido Haiti, o decisivo Panamá, os destaques do Brasil e muito mais.
A revolução na seleção de República Democrática do Congo, de novo reconhecida como uma força na África
Por Leandro Stein
A República Democrática do Congo despontou como uma das potências iniciais do futebol africano de seleções. Conquistou a Copa Africana de Nações duas vezes, em 1968 e 1974, enquanto o ápice do então chamado Zaire veio como o primeiro país da África Subsaariana a disputar uma Copa do Mundo, em 1974. O sucesso não se sustentou nas décadas seguintes, diante da repressiva ditadura que dilapidou a geração dourada e das terríveis guerras que levaram outras gerações a serem perdidas ou ao menos a se espalharem pelo globo. Os congoleses, contudo, não deixaram de ser representativos no futebol através de outras seleções. A diferença é que, agora, redescobrem a sua seleção e a deixam a apenas uma vitória de voltar à Copa após 52 anos.
Se fosse montada uma equipe de jogadores de origem congolesa que defenderam outras seleções, a escalação seria bem forte. A maior parte deles vestiu a camisa da Bélgica, antiga colonizadora que se tornou destino central da diáspora. Romelu Lukaku e Vincent Kompany são os principais exemplos. Até pela proximidade linguística, a França é outro país de nova vida aos congoleses, assim como sua seleção tem estrelas da comunidade – de Claude Makélélé a Eduardo Camavinga. Além delas, são várias as seleções com nomes relevantes de raízes congolesas: Alemanha (Ridle Baku), Inglaterra (Ezri Konsa), Suíça (Denis Zakaria), Suécia (Ken Sema), Portugal (José Bosingwa), Canadá (Moïse Bombito), Holanda (Jordan Teze). Há mais gente em Luxemburgo, Chipre, Finlândia, Líbano. Isso sem contar a presença mesmo em muitas equipes vizinhas na África – Gabão, República do Congo, Angola, Burundi, Ruanda, Quênia, Zâmbia, Uganda.
Se por um lado essa ampla diáspora ressalta o talento que sempre existiu na República Democrática do Congo para o futebol, essa pulverização também indica como o país limitou oportunidades – sobretudo por conta de seus conflitos. De 1965 a 1997, o então chamado Zaire viveu a ditadura de Mobutu Sese Seko, uma das mais repressivas e corruptas do continente. Enquanto a seleção se impulsionou à Copa do Mundo, os jogadores eram alvo de ameaças e perseguições. Não à toa a fonte secou após 1974, quando a tumultuada participação no Mundial não auxiliou a imagem externa – muito pelo contrário. O país sequer disputou as Eliminatórias em 1978 e 1986, enquanto caiu numa goleada por 6 a 1 para Camarões em 1982.
De volta às Eliminatórias na década de 1990, o Zaire era mero coadjuvante. E se a ditadura de Mobutu caiu em 1997, reinstaurando o nome de República Democrática do Congo, não é que o cenário interno melhorou com o objetivo de restabelecer a democracia. Desde então, são décadas de sucessivas guerras civis e conflitos internos. A seleção quase nunca era postulante às vagas na Copa do Mundo, às vezes nem chegava à fase final. O costume era ser mais um time médio na Copa Africana de Nações, com peso para estar constantemente nos mata-matas, mas nunca mais na decisão.
A República Democrática do Congo chegou inclusive a ficar três edições ausentes na CAN, de 2008 a 2012, num momento em que acabou atrás até de Malaui nas Eliminatórias para a Copa de 2010. O ressurgimento se desenhou a partir da última década, a começar pelo próprio futebol de clubes, com os sucessos continentais de Mazembe e Vita Club. Florent Ibengé, o treinador que levou o Vita à final da Champions Africana em 2014, assumiu a seleção e conseguiu ir à semifinal da CAN 2015, melhor resultado do país em 17 anos. Já nas Eliminatórias para a Copa de 2018, RDC ficou a um ponto da classificação no grupo da Tunísia. Novos tempos se expressavam, mesmo que a estabilidade no país não fosse plena e os conflitos permanecessem em regiões específicas.
Aquela foi a gênese do time que hoje sonha com a Copa do Mundo. O desempenho da República Democrática do Congo na Copa Africana de Nações não foi tão constante, mas o time que se ausentou do torneio em 2022 voltou para nova semifinal em 2024. Já nas Eliminatórias para a Copa de 2022, RDC avançou em seu grupo, mas sucumbiu na fase decisiva durante o confronto direto com Marrocos. O tarimbado argentino Héctor Cúper era o treinador neste momento. Saiu para a chegada de Sébastien Desabre, francês com enorme vivência como técnico na África. Sua trajetória se concentra em clubes, mas comandou equipes de sete países diferentes, campeão em quatro dessas ligas – Costa do Marfim, Camarões, Tunísia e Angola. Levou ainda Uganda à CAN 2019. E elevou o patamar de RD Congo nestes três anos de trabalho, inclusive com a semifinal na CAN 2024.
A característica mais importante do elenco de República Democrática do Congo é a mescla. Os Leopardos possuem duas faces principais, o zagueiro Chancel Mbemba e o centroavante Cédric Bakambu, ambos com mais de dez anos de seleção. Participaram ativamente da reconstrução do time de RDC com Ibengé, enquanto alimentavam suas reputações em grandes ligas da Europa. Mbemba é o recordista em internacionalizações na história da seleção e Bakambu é o segundo maior artilheiro, a dois gols do recorde.
Desde a última década, outras figuras importantes se estabeleceram, como o atacante Meschack Elia. E a adição de filhos da diáspora se tornou mais ampla, sobretudo vindos da França. Gaël Kakuta nunca foi um craque para RDC, mas sua chegada é simbólica, após muitos anos tratado como grande promessa nas seleções francesas de base. Na esteira dele também vieram o lateral Arthur Masuaku e o meio-campista Samuel Moutoussamy, esses mais relevantes aos Leopardos. Já na última década mais opções consolidaram os congoleses, sobretudo para o ataque – Yoane Wissa, Fiston Mayele, Théo Bongonda, Silas, Simon Banza.
O salto no atual ciclo foi possibilitado porque a República Democrática do Congo pôde reunir novos jogadores, inclusive de outros destinos da diáspora. A equipe se tornou mais completa, por exemplo, com as adições do lateral Aaron Wan-Bissaka e do zagueiro Axel Tuanzebe – o primeiro nascido na Inglaterra e o segundo crescido por lá, ambos com passagens pelas seleções inglesas de base. Já a potencial estrela no meio-campo é o volante Noah Sadiki, de 20 anos, que foi campeão belga com a Union St. Gilloise antes de se transferir ao Sunderland nesta temporada. Jogou pelas seleções belgas até o sub-20, quando foi convencido por RDC em 2024. A atração de congoleses nascidos na Bélgica e na Suíça se tornou mais frequente nestes últimos anos.
O grupo mais forte se viu potencializado pelo bom trabalho coletivo de Désabre no comando da República Democrática do Congo. E o resultado veio na campanha grandiosa das Eliminatórias. Os Leopardos poderiam ter se classificado diretamente, não fosse o azar no sorteio da fase de grupos. Ficaram dois pontos atrás de Senegal, por causa da épica virada dos Leões da Teranga na visita a Kinshasa. Mesmo assim, somaram sete vitórias numa chave dura com Sudão, Togo e Mauritânia. E numa repescagem que se prometia muito difícil, os congoleses se impuseram contra Camarões e Nigéria, duas potências subsaarianas. A classificação para a repescagem intercontinental veio nos pênaltis, o que não diminui a superioridade no confronto diante dos nigerianos.
É lógico que o futebol se decide com bola rolando, mas República Democrática do Congo é a mais favorita das seis seleções que virão das repescagens em março. Está bastante à frente de Nova Caledônia ou Jamaica em sua chave decisiva, seja pela capacidade de seu elenco ou pela qualidade como equipe. E a tendência é que novas peças ainda cheguem de última hora. Um dos possíveis acréscimos é Stephy Mavididi, ponta que estrelou o último acesso do Leicester e defendeu as seleções inglesas de base.
A possível classificação à Copa do Mundo não apenas honrará a história futebolística da República Democrática do Congo e prestará homenagens à injustiçada geração dourada que representou Zaire em 1974. Ela também trará luz à situação atual do país, em especial pelos conflitos na região fronteiriça com Ruanda, que envolvem o interesse pela riqueza mineral. A multifacetada e cada vez mais diversa seleção, no fim, reflete décadas de incerteza enfrentadas por sua população. E que tem no futebol um alento, bem como uma reconexão com as raízes.
Atlético Mineiro x Lanús: o choque de realidades na busca pela Sul-Americana
Galo aposta em estrelas e investimento pesado contra um Lanús que faz da eficiência e da formação de atletas sua arma em busca da taça
Por Felipe Lobo
Atlético Mineiro e Lanús chegam à final da Sul-Americana com projetos bem diferentes. As duas equipes se enfrentam no Defensores del Chaco, em Assunção, às 17h deste sábado, 22 de novembro (ESPN, Disney+ e SBT), com a missão de mudar a narrativa da temporada. O Galo tenta transformar um ano irregular em título inédito e vaga na Libertadores. O Lanús volta a colocar um elenco médio, para o padrão argentino, na disputa direta por um troféu continental — algo que, desde os anos 1990, virou quase rotina para o clube.
Os dois representam formas distintas de trabalhar no futebol sul-americano. O Atlético opera com folha salarial pesada, técnico de grife e elenco veterano e caro. O Lanús vive de orçamento bem menor, gestão estável, leitura de mercado precisa e uma ideia de jogo facilmente reconhecível.
O caminho até a final
A campanha até Assunção reforça a natureza de cada clube. O Atlético chega com seis vitórias, cinco empates e duas derrotas, com bons picos de desempenho, mas irregularidade constante.
Como costuma acontecer no Brasil, o Galo tratou a Sul-Americana como torneio secundário no início, escalando reservas em boa parte dos jogos. Trocou de técnico em meio a problemas no Campeonato Brasileiro e, nesse processo, utilizou 31 jogadores diferentes na competição.
Quando Jorge Sampaoli assumiu, o torneio deixou de ser coadjuvante — também porque a situação nas outras frentes era frágil. A Sul-Americana virou a principal chance de título. No mata-mata, o Atlético superou o Atlético Bucaramanga nos pênaltis depois de dois jogos mais equilibrados do que se imaginava, eliminou o Godoy Cruz com duas atuações sólidas e enfrentou o Bolívar suportando a altitude em La Paz para resolver em casa. Repetiu o padrão contra o Independiente del Valle: empate fora e uma grande atuação em Belo Horizonte, com Bernard, Hulk e Dudu crescendo na hora decisiva.
O Lanús teve campanha mais regular. Em números, é parecido: seis vitórias, cinco empates e uma derrota. Sofreu em alguns momentos, de forma previsível, mas dentro de um roteiro conhecido. Passou pelo Central Córdoba nos pênaltis, em duelo argentino; eliminou o Fluminense com vitória em La Fortaleza e empate no Maracanã; controlou a semifinal contra a Universidad de Chile, com 2 a 2 em Santiago e 1 a 0 em casa.
Enquanto o Atlético ganhou agressividade e intensidade a partir das quartas, o Lanús se manteve estável. Parece ter um plano de jogo consolidado, ajustado ao seu teto, e sabe bem o que pode e o que não pode fazer.
O time de Sampaoli: ofensivo, agressivo e vulnerável
Como costuma acontecer com equipes de Jorge Sampaoli, o Atlético é extremamente ofensivo. Com a bola, muitas vezes se organiza num 2-3-5, com Guilherme Arana transformado em ponta pela esquerda. O time marca alto, pressiona a saída rival e tenta sufocar o adversário. Depende da criatividade de Bernard e, especialmente, de Dudu, em grande fase, além da potência e precisão de Hulk, o veterano que continua sendo a referência técnica.
Desde que voltou ao clube, Sampaoli deu uma cara clara ao time: pressão alta, circulação rápida e muita gente ocupando o campo ofensivo. Em troca, reaparecem velhos problemas de suas equipes: dificuldade para controlar a transição defensiva, momentos longos de desorganização atrás da linha da bola e queda de intensidade quando a pressão não encaixa. Os resultados recentes no Brasileiro, como o 3 a 3 com o Fortaleza e a derrota por 2 a 0 para o Red Bull Bragantino, reforçam a imagem de uma equipe capaz de ser dominante por 20 minutos e vulnerável nos 20 seguintes.
O elenco do Atlético também conta uma história. Bernard e Dudu voltaram ao protagonismo, ambos marcados por campanhas fortes de Libertadores — Bernard pelo próprio Galo, em 2013, e Dudu pelo Palmeiras. Os dois pareciam mal encaixados na gestão anterior, com Cuca, mas se tornaram peças centrais com Sampaoli. Hulk, aos 39 anos, segue como referência de gols e jogador mais decisivo do elenco, consolidado como ídolo da torcida.
Em termos estruturais, o Atlético reúne atributos para estar entre os melhores do país: estádio novo, folha salarial alta, contratações de impacto e ambição declarada de disputar fases finais de Libertadores com regularidade. Falta estabilidade no projeto esportivo, em meio a um cenário financeiro ainda pressionado por dívidas e dependente de sucesso em campo. A troca constante de técnicos e reformulação de elenco a cada temporada cobram preço. A Sul-Americana virou, depois do vice na Libertadores de 2024 e das oscilações em 2025, a principal oportunidade de encerrar o ano com um título relevante e reorientar o projeto para 2026.
Um título em Assunção colocaria o Atlético no grupo de clubes brasileiros campeões de Libertadores, Recopa e Sul-Americana. E traria um reforço financeiro importante: a premiação total, somando todas as fases, passa dos R$ 50 milhões — algo significativo mesmo para um clube com folha tão alta.
Lanús de Pellegrino: plano e ideias claras
O Lanús não está entre os gigantes argentinos, e seu projeto chama menos atenção do que o do rival desta final. Mauricio Pellegrino arma um 4-2-3-1 com dois volantes que protegem bem a área, Agustín Medina e Agustín Cardozo; pontas experientes, Eduardo Salvio e Ramiro Carrera; Marcelino Moreno como meia central criativo; e Rodrigo Castillo como centroavante que ataca espaços com inteligência.
O mérito do Lanús é a solidez. É uma equipe que não se expõe, defende com blocos bem definidos e compactos e castiga os adversários pelo centro. Marcelino Moreno é quem encontra espaços e passes que ligam os contra-ataques, com Castillo atacando a última linha e Salvio aparecendo nas diagonais. É um time forte defensivamente, mas com armas ofensivas claras, muito concentradas nesses três jogadores. Por isso, costuma ser equilibrado: aguenta pressão, sofre sem se desorganizar e não perde a estrutura.
No desenho de projeto esportivo, o Lanús é quase o oposto do Atlético. Mantém há décadas um trabalho relativamente estável, aposta em formação de jogadores, leitura de mercado e treinadores com perfil de ciclo mais longo. Não é acaso que o Granate apareça com frequência nas fases decisivas de competições sul-americanas desde os anos 1990: campeão da Conmebol em 1996, vice em 1997, campeão da Sul-Americana em 2013, finalista da Libertadores em 2017 e, agora, de novo finalista da Sul-Americana em 2025. Quase sempre com elencos modestos quando colocados lado a lado com os brasileiros.
A fórmula do Lanús contrasta com a vitrine do Atlético e segue uma lógica tradicional entre clubes médios argentinos: vender bem, gastar pouco, olhar atento ao mercado, usar a base e competir ao máximo dentro de um orçamento limitado.
Onde Atlético e Lanús se encontram em campo
O desenho tático da final tende a ser relativamente claro. Com a bola, o Atlético forma muitas vezes uma linha de três zagueiros, com Saravia fechando por dentro, Arana bem aberto pela esquerda, Rony pelo lado direito, Fausto Vera e Alexsander protegendo o corredor central e Bernard e Dudu atuando nas entrelinhas. Sem a bola, o time pode se reorganizar em 5-4-1 ou 4-4-2, dependendo de quem recompõe pelos lados. O ponto frágil é justamente a transição defensiva, nas costas dos alas e nos espaços às margens dos volantes.
É justamente aí que o Lanús gosta de acelerar. Carrera e Castillo atacam as costas dos laterais e arrastam a defesa, enquanto Marcelino Moreno precisa de espaço para receber, decidir e, muitas vezes, acionar Salvio na diagonal.
O time de Pellegrino dificilmente vai marcar alto o tempo todo. A tendência é de um bloco médio, aceitando que o Atlético tenha mais a bola, sobretudo entre as intermediárias, e tentando direcionar a circulação para um lado do campo para pressionar em zonas específicas e recuperar a posse. A partir daí, a ideia é acelerar com passes verticais, aproveitando o desajuste do Atlético com muita gente à frente da linha da bola.
O desafio do Lanús é tirar profundidade de Dudu e Hulk sem recuar demais a linha de defesa, o que abriria espaço no meio-campo. Também precisa evitar que Marcelino Moreno fique isolado, porque, se ele estiver afogado entre marcadores, o time só vai conseguir afastar a bola, e não atacar. É ele quem precisa estar disponível logo após a recuperação da posse para transformar defesa em construção ofensiva.
A diferença central está no tipo de jogo desejado. O Atlético prefere campo mais aberto para explorar a criatividade dos seus jogadores — Dudu com drible e tomada de decisão rápida, Bernard chegando na área, Hulk com o chute de média distância. O Lanús se sente confortável num jogo de espaços mais curtos, recuando linhas e esticando o campo apenas quando tem a bola, sempre com muita velocidade. Uma ou duas transições bem executadas podem bastar para gerar chances claras para os argentinos.
1997: A final que virou caso de polícia
A expressão “sobreviver ao jogo fora de casa” é normalmente usada como metáfora. Em 1997, para o Atlético, foi quase literal.
Naquele ano, Atlético Mineiro e Lanús decidiram a Copa Conmebol, antecessora da Sul-Americana. O duelo ficou marcado pela violência. Treinado por Emerson Leão, o Galo venceu o jogo de ida em La Fortaleza por 4 a 1 e praticamente encaminhou o título.
Após o apito final, depois de uma provocação atribuída a Jorginho, o técnico Oscar Ruggeri — campeão do mundo em 1986 pela seleção argentina — e jogadores do Lanús partiram para cima dos brasileiros. Leão foi encurralado e agredido, sofreu fraturas no rosto e precisou de cirurgia. O zagueiro Sandro, o lateral Dedê e o volante Doriva também ficaram feridos. Jogadores e comissão técnica do Galo ficaram prensados entre o túnel e o alambrado, apanhando de todos os lados. Não foi briga de jogo: foi uma tentativa de agressão coletiva que poderia ter terminado ainda pior.
A Conmebol reagiu com leniência. Houve suspensões e punições, mas muito aquém da gravidade do episódio. O jogo de volta chegou cercado por clima de vingança, mas isso não se traduziu em violência. Com segurança reforçada, o Atlético confirmou o título com um 1 a 1 no Mineirão, e Jorginho, curiosamente, marcou o gol do Galo.
Aquela decisão ficou conhecida como “final do terror”, ao mesmo tempo em que rendeu um título importante e escancarou problemas de governança da Conmebol, ainda mais graves na época.
Em 2014, na Recopa, o cenário já era outro. O Atlético vinha da maior conquista de sua história e levou mais um título, com vitória por 1 a 0 na Argentina e um 4 a 3 no Mineirão conquistado na prorrogação, após um 3 a 2 para o Lanús no tempo normal. O roteiro foi dramático, mas restrito ao campo.
A final em Assunção em 2025 é o terceiro capítulo dessa trilogia, em contexto completamente diferente. O Galo que nos anos 1990 se notabilizou pela combatividade hoje combina isso com elenco qualificado. O Lanús refinou seu projeto esportivo. A Conmebol, por sua vez, passou por um banho de loja: final única, show de abertura, premiação alta e vaga na Libertadores para o campeão. Nem tudo isso é bom, mas é uma instituição menos caótica do que já foi, mesmo que longe do ideal.
O Atlético tenta fechar a temporada com uma coleção continental robusta e recolocar o projeto esportivo num patamar de protagonismo que se perdeu ao longo do ano. O Lanús quer provar que, mesmo diante de uma disparidade econômica enorme, seu modelo ainda permite competir e, de tempos em tempos, alcançar taças.
A final deste sábado opõe dois clubes com filosofias de gestão distintas: o Galo, com um modelo quase europeu de investimento pesado, e o Lanús, com um modelo que assume sua escala e busca competir com máxima eficiência dentro dela. Seja qual for o resultado, a decisão é um bom retrato de como o continente se reorganiza nestes anos 2020 — no dinheiro, na gestão e em campo.
Giro
- Não sei se vocês lembram, mas existia um jogador de futebol chamado Paul Pogba. Teve uma vez que até pagaram mais € 100 milhões por ele. Pogba pegou quatro anos de gancho por testar positivo em um exame antidoping. A punição foi posteriormente reduzida para 18 meses. Nesse intervalo, seu contrato com a Juventus foi rescindido. Livre no mercado, ele precisou esperar o fim da temporada 2024/25 para encontrar um novo clube, mas, se quando estava na ativa já era complicado manter a forma física em dia, imagina depois de tanto tempo parado? A sua última partida foi em setembro de 2023, 26 meses atrás. A estreia pelo Monaco já foi adiada duas vezes por uma lesão muscular e depois no tornozelo. Segundo o L’Equipe, deve acontecer neste sábado, contra o Rennes, pelo Campeonato Francês. Pogba ainda tem 32 anos. (Bruno Bonsanti)
- Eu sabia que existia, mas, por rigor jornalístico, fui atrás da ocasião mais recente em que Gianni Infantino disse aquela baboseira de que a Fifa promove a união dos povos por meio do futebol, ou algo parecido. Cinco de novembro de 2025, em um fórum de empresários em Miami: “Nosso lema na Fifa é que o futebol une o mundo. Reúne pessoas do planeta inteiro”. O que me levou a fazer isso foi que, duas semanas depois da declaração, o Haiti se tornou o segundo país ao lado do Irã a se classificar para a Copa do Mundo cujos cidadãos não podem entrar nos Estados Unidos, a principal sede da competição. Então quando ele diz do planeta inteiro ele não quer dizer do planeta inteeeeeiro. O Departamento de Estado americano confirmou ao The Athletic que não haverá exceção para os haitianos que quiserem assistir à sua seleção disputar o Mundial pela primeira vez, um dia depois de Infantino participar do jantar em homenagem ao príncipe saudita Mohammad bin Salman na Casa Branca. As críticas à Copa do Mundo nos Estados Unidos deveriam estar, no mínimo, no mesmo tom e volume que na época do Catar. (Bruno Bonsanti)
- Achraf Hakimi foi eleito o melhor jogador de 2025 pela Confederação Africana de Futebol. O tradicional prêmio, que começou sob o guarda-chuva da France Football em 1970, raramente premia defensores, ainda que defender seja a parte menos espetacular do futebol do lateral direito do Paris Saint-Germain. O último foi o goleiro Ezzaki Badou, do Mallorca, em 1986. Desde então, dá uma olhadinha na categoria dos vencedores: Rabah Madjer, George Weah, Roger Milla, Abedi Pelé, Samuel Eto’o, Didier Drogba, Yaya Touré, Pierre-Emerick Aubameyang, Mohamed Salah, Sadio Mané e Victor Osimhen, para ficar apenas em alguns. Hakimi havia ficado em segundo lugar nos últimos dois anos e foi merecidamente erguido ao primeiro pelas suas excepcionais contribuições à Tríplice Coroa do PSG. (Bruno Bonsanti)
- Fernandinho deixou o Athletico Paranaense depois do rebaixamento e passou 11 meses sem encontrar um clube, o que já era uma indicação muito clara do que pretendia parar de fazer. Para não deixar dúvidas, confirmou na última quinta-feira que, cansado e sem motivação, pendurou de vez as chuteiras. É injusto que fique marcado por derrotas dolorosas da seleção brasileira, como inevitavelmente será para alguns, porque é impossível contar a história da última década do futebol mundial sem citá-lo. Se o Manchester City entrou no panteão de melhores times de todos os tempos, é porque o teve na base do meio-campo, pronto para iniciar as jogadas e matar as dos adversários. Quando começou a decair, Guardiola sofreu para encontrar um substituto que conseguisse exercer a mesma função com o mesmo nível de excelência. É provavelmente o brasileiro que teve a passagem mais bem sucedida pela Premier League. (Bruno Bonsanti)
- Reinaldo Rueda é um treinador que merece o carinho de cada brasileiro, pela forma como se mostrou empático e humano na acolhida às vítimas do desastre aéreo da Chapecoense em 2016. Por isso mesmo, as lágrimas do colombiano após a eliminação de Honduras nas Eliminatórias sensibilizam tanto. Rueda já tinha feito um trabalho maravilhoso em sua primeira passagem por Tegucigalpa, ao levar os Catrachos à Copa de 2010. Disputou o Mundial de 2014 com o Equador e foi campeão da Libertadores com o Atlético Nacional naquele mesmo 2016, mas seus sucessos minguaram desde que passou pelo Flamengo em 2017, sem grandes feitos depois à frente das seleções do Chile e na volta à Colômbia. Honduras permitiu uma nova chance ao veterano e a Copa do Mundo soou palpável, em especial após a vitória sobre o Haiti em outubro, que deixou os hondurenhos dependendo apenas de si a duas rodadas do fim das Eliminatórias. A inesperada derrota para a Nicarágua e o empate na visita à Costa Rica selaram o fracasso do time, que sequer disputará a repescagem. As lágrimas representavam o fim do sonho ao técnico de 68 anos, que provavelmente não terá outra oportunidade de vivenciar o Mundial. Rueda foi demitido após a eliminação. (Leandro Stein)
- Os desmandos de Chiqui Tapia no futebol argentino não são exatamente novos, mas a proclamação do Rosario Central como campeão nacional por uma canetada única e exclusiva do presidente da AFA extrapola qualquer limite. Até então, o time que somasse mais pontos no Apertura e no Clausura do Campeonato Argentino assegurava vaga na Copa Libertadores, não mais que isso. Contudo, com o Rosario Central já confirmado na primeira posição, Tapia resolveu que os canallas também mereciam um título. São tão campeões quanto o Platense, dono do Apertura, e o futuro vencedor do Clausura. Soou como uma conveniente aclamação de Ángel Di María, de tantos serviços prestados à seleção e que já defendeu publicamente o presidente, porque o cartola assim quis. O Fideo não precisava dessa patacoada, convenhamos. E a própria torcida do Central deveria se sentir envergonhada por sair às ruas para comemorar o troféu entregue nos salões da AFA, por mais que encerre um jejum do clube que vinha desde 1987. Revogar esse suposto título deveria ser a primeira medida tomada assim que Tapia deixar o cargo. O detalhe é que o Central participará das muitas supercopas criadas pela AFA como seus caça-níqueis. Ter Di María como atração ajuda a conseguirem mais moedas. (Leandro Stein)
A Itália reencontra um velho conhecido no Caminho A. O sorteio colocou a Azzurra diante da Irlanda do Norte, o mesmo adversário que segurou o 0 a 0 em Belfast em 2022 e ajudou a empurrar os italianos para o abismo da repescagem. Se avançar, o time agora comandado por Gennaro Gattuso encara o vencedor de Gales e Bósnia — com os galeses decidindo em casa. A missão é não passar vergonha de novamente não ir à Copa pela terceira edição seguida. (Felipe Lobo)
No Caminho B, a Albânia de Sylvinho encara seu teste de maturidade. A semifinal é contra a Polônia de um Lewandowski em fase final de carreira, mas o desafio maior vem na sequência: quem passar pega o vencedor de Ucrânia e Suécia. Os suecos são a grande pegadinha da chave: rebaixados na Liga das Nações, fizeram uma campanha de recuperação na Liga C, mas chegam com um ataque de elite (Isak, Gyökeres) que mascara suas fragilidades defensivas. (Felipe Lobo)
A Turquia desponta como força técnica no Caminho C, mas precisa provar consistência. O time de Vincenzo Montella encara a Romênia — outra seleção que ascendeu via Liga C — e, se avançar, decide a vaga contra Eslováquia ou Kosovo. O talento turco é inegável, com Arda Güler, Kenan Yildiz e Hakan Çalhanoglu, mas o adversário é perigoso: a Romênia é treinada pela raposa velha Mircea Lucescu e liderada em campo por Ianis Hagi (sim, o filho de Gheorghe). (Felipe Lobo)
Já no Caminho D, a Dinamarca é favorita teórica, mas estreia contra a perigosa Macedônia do Norte, algoz da Itália em 2022. Os dinamarqueses têm o conjunto mais forte, com Eriksen, Hojbjerg e o centroavante Rasmus Hojlund, mas a pressão é grande após perderem a vaga direta para a Escócia. Do outro lado, a Irlanda tenta capitalizar a fase iluminada de Troy Parrott (cinco gols na última Data Fifa) contra uma Tchéquia instável para tentar o milagre da volta ao Mundial. (Felipe Lobo)
A repescagem intercontinental em março de 2026 servirá como evento-teste de luxo, com jogos únicos em Guadalajara e Monterrey. No Caminho 1, a República Democrática do Congo (56º no ranking FIFA) é a favorita. A seleção africana, que derrubou gigantes como Nigéria e Camarões, aguarda o vencedor de Nova Caledônia (149º) e Jamaica (70º). A pressão está toda sobre os congoleses para confirmar a vaga contra adversários tecnicamente inferiores. (Felipe Lobo)
No Caminho 2, o Iraque (58º) espera o desfecho de um duelo curioso: Bolívia (76º) contra Suriname (123º). É um confronto geograficamente sul-americano, embora Suriname seja filiado à Concacaf — uma oportunidade de ouro para os bolivianos testarem sua força longe da altitude contra um rival que evoluiu fisicamente com a importação de talentos holandeses. Os iraquianos, porém, é que são favoritos. Além de ser o time mais bem ranqueado da chave, ficou perto de conseguir ao menos ir para repescagem na última edição das Eliminatórias e, agora com o aumento de vagas, consegue chegar lá. Resta saber se resistirá aos sul-americanos (sejam os da Conmebol ou da Concacaf). (Felipe Lobo)










